Índios aproveitam exercícios militares e pedem segurança para Tabatinga

Agência Brasil agenciabrasil.ebc.com.br - 09/11/2017
Em meio as atividades do exercício de simulação de ajuda humanitária, denominado AmazonLog, os Ticuna, o mais numeroso povo indígena na Amazônia brasileira, reclamam da violência nas duas comunidades que ficam nos arredores de Tabatinga, no Amazonas, na fronteira com o Peru e Colômbia. Nas comunidades de Umariaçu I e II, onde os militares realizaram nesta quarta-feira (8) atividades de atendimento de saúde, vivem cerca de oito mil habitantes. Alcoolismo, drogas, brigas e assaltos fazem parte da rotina dos índios que pedem uma solução para o problema.

As duas comunidades ficam localizadas nos arredores de Tabatinga. O acesso é feito por estradas de barro e, quando chove, tudo fica coberto de barro. Casas de madeira dividem com outras de alvenaria as ruas da localidade, considerada uma das maiores do povo Ticuna na região. Uma ponte sobre um igarapé, que serve como um pequeno porto, divide as duas populações ticuna no município.

De acordo com o cacique de Umariaçu II, João Pedro, apesar da proibição, é comum os jovens acabarem envolvidos com álcool e outras drogas. Um dos principais problemas são as frequentes brigas entre grupos de jovens de Umariaçu I e II. Um dos locais para o confronto é uma escola abandonada em Umariaçu II, que serve para o uso drogas. "De noite as pessoas vêm para cá, gente da comunidade mesmo, é muita droga, álcool, papelote, cocaína e muito barulho. Precisamos da força das autoridades porque nós hoje estamos esquecidos", o cacique.

O problema não vem de hoje. Em dezembro de 2015, a Justiça Federal em Tabatinga atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas e determinou que o estado levasse policiamento ostensivo para as comunidades. Mas, de acordo com o cacique, isso não foi feito.

"A gente queria conseguir uma patrulha para a comunidade, mas a polícia não está vindo. Eles dizem que não vêm porque aqui é terra indígena e eles não poderiam entrar. Mas a Funai autorizou. Daí a gente vai lá e eles dizem que a questão é com a Funai", reclamou o cacique.

Enquanto isso, os líderes de cada rua tentam conversar com os moradores para resolver as diferenças. "O problema não é entre os jovens de uma mesma comunidade, mas quando se encontram os de lá (Umariaçu I) com os daqui", disse à Agência Brasil o ticuna Elias Grande.

"Acho que, por conta das bebidas, drogas, essas coisas que eles usam, eles acabam se enfrentando com outros grupos da comunidade. Uma vez por mês, a gente reúne as pessoas toda da rua e tenta incentivar a não ter brigas", disse.

Por conta da insegurança, os índios pensam em promover a própria patrulha. O mesmo expediente já havia sido utilizado em 2009, quando foi montado um esquema de ronda nas comunidades, envolvendo cerca de 50 pessoas. Inclusive com local para detenção de quem praticava algum delito. "Fizemos uma reunião aqui da comunidade e pensamos em fazer a nossa segurança", comentou João Pedro. "Antes de a gente ter feito essa segurança, aqui era pesado", contou João Pedro.

A proximidade com a cidade não é vista como um problema para os ticuna. Segundo o cacique, a isso facilita a venda de mandioca, abacaxi, banana, feijão. "É bom porque se a pessoa tiver abacaxi e cacho de banana ela vai vender, é perto. Mas tem gente do outro lado da cidade que traz algumas coisas e ninguém vê e isso é ruim (drogas)", disse o cacique.

Os ticuna afirmam que, apesar das vendas, ainda falta trabalho, o que contribui para a onda de violência. Sem ter trabalho, os mais jovens acabam se envolvendo com o álcool e outras drogas. "Não tem emprego, a prefeitura não contrata. Só contrata quem está do mesmo lado da política e a maioria aqui segue abandonada", disse.

Enquanto a questão da segurança não encontra uma solução, os índios cobram a reforma da escola abandonada. "Essa escola aqui tem mais de seis anos abandonada. Fizeram outra escola e deixaram essa aqui. A gente quer que se construa novamente a escola, para dar um espaço para as pessoas da comunidade estudar", reivindicou.

De acordo com a chefe da divisão técnica da unidade da Fundação Nacional do Índio (Funai), Doroteia Fernandes, a falta de infraestrutura e de segurança representa problema crônico da comunidade. Doroteia disse à Agência Brasil que o quadro fica mais complexo diante da falta de profissionais da Funai para fazer a fiscalização. "Atendemos comunidades espalhadas ao longo de 15 municípios e temos pouca gente para fazer isso. Temos três viaturas, mas uma está parada por falta de manutenção", disse.

Na sexta-feira (10), está prevista uma reunião dos índios com o presidente interino da Funai, general Franklimberg Ribeiro de Freitas. De origem indígena, Freitas, que é militar da reserva, já atuou no combate a crimes ambientais, tráfico nas fronteiras e apoio às comunidades indígenas.

População tem consultas médicas e vacinação

Durante o dia de ontem (8), as duas comunidades receberam atendimento de saúde levado por militares que participam do AmazonLog17, em parceria com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e universidades. Houve consultas médicas e vacinação para crianças de zero a quatro anos.

"A ação está dentro do exercício na parte em que nos compete fazer um levantamento epidemiológico e sociológico da região e essa área foi levantada como muito carente, por isso demos prioridade", disse o general Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, comandante-geral do AmazonLog.

Com dores no estômago, Fernando Alexandre Benedito, morador da comunidade há 43 anos, conseguiu uma consulta. "O problema aqui é que não temos remédio no posto, não tem nada. Estou com um problema e toda vez que trabalho sinto dor na barriga. Para isso está sendo bom o atendimento, consegui consultar e teve remédio. Gostaria que voltassem mais para fazer atendimento na comunidade", afirmou o ticuna.

Montada em conjunto com o exército da Colômbia, uma estrutura recreativa dá um pouco de lazer às crianças. De acordo com o tenente Marcelo Melo, coordenador do atendimento na comunidade, a previsão era de que dois mil atendimentos fossem realizados. Além de Umariaçu, também houve ações de atendimento de saúde nos quatro pelotões de fronteira do Exército na região: Ipiranga, Estirão do Equador, Palmeiras do Javari e Vila Bitencourt, e nas comunidades indígenas Vila Mormes e Aldeia Lobo.

"A gente trouxe para cá médicos, dentistas, farmacêuticos. A Defesa Civil e estudantes de medicina da Universidade Federal do Amazonas também participam. A intenção é conseguir promover alguma melhoria nas condições de saúde da população. Não resolve tudo, mas é uma ajuda", disse o tenente.

Asfalto é recuperado

Uma operação para tapar buracos foi realizada pelos militares nas proximidades da área central de Tabatinga. Com maquinário e material trazidos de Manaus, eles recuperaram algumas pista da cidade. A equipe foi a mesma que trabalhou na construção da base logística utilizada pelas tropas que fazem parte do exercício militar.

Segundo o general Guilherme Cals, para os trabalhos do exercício de simulação foram trazidos de Manaus quase 2,5 mil toneladas de materiais, numa ação que envolveu 90 pessoas. "Tivemos todo um trabalho de acondicionamento para não ter vazamentos. No contexto da Amazônia isso envolve um planejamento de no mínimo seis meses. Aqui a gente tem que trabalhar por verão: são seis meses de verão e seis de inverno, se o material não estiver aqui no pé da obra, no verão não vamos ter como trabalhar em razão das chuvas e do regime de cheia dos rios", explicou.

Como é o exercício militar

Marcado para o período de 6 a 13 de novembro, o exercício multinacional de simulação de ações de ajuda humanitária na Amazônia visa criar diretrizes para socorro a vítimas em caso de catástrofes na região da tríplice fronteira. Serão realizadas simulações atendimento em casos de incêndios florestais, terremotos, secas, enchentes, acidentes com embarcações e também de medidas humanitárias para casos de grande contingente de deslocamentos humanos, como de refugiados.

No total, devem participar da simulação cerca de duas mil pessoas, dos quais, cerca de quinhentas são estrangeiras. Além de militares do Brasil (cerca de 1.550), Colômbia (150), Peru (120) e Estados Unidos (30), observadores de mais de 20 países devem acompanhar as ações, entre eles, da Alemanha, Argentina, Chile, Equador, México, França, Reino Unido, Espanha, Rússia e Venezuela.

Também participam funcionários de órgãos federais e estaduais como a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Polícia Federal, a Receita Federal, entre outros.



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