Em Harvard, líder indígena faz defesa das florestas

Valor Econômico, Brasil, p. A8 - 09/05/2019
Em Harvard, líder indígena faz defesa das florestas

Daniela Chiaretti

"Vocês talvez se perguntem porque estou aqui, fazendo essas demandas que vou fazer. Não pensem que estou fazendo à toa. Na minha casa as coisas não estão nada bem, não estão nada bem", disse o xamã Davi Kopenawa a uma plateia de 120 pessoas no auditório do Centro de Estudos Latino-Americanos David Rockfeller, da Universidade de Harvard, anteontem. O líder indígena seguiu: "Vou falar claramente aqui e não ficar me escondendo: não queremos mineração na nossa terra. Falo isso pelos ianomâmis, pelos ye'kuana e pelos outros povos da floresta".
Kopenawa, 63 anos, é líder do povo indígena que vem sendo alvo do presidente Jair Bolsonaro desde antes da eleição. Ele fez um pedido: "Me digam o que a mineração traz de bom. Só traz problema com a água, conflito social. Nós simplesmente não queremos isso. Vocês parecem tão poderosos, peço que proíbam mineração em terra indígena".
O xamã vem sendo constantemente ameaçado. Ele foi convidado por Harvard a participar de evento que reuniu os maiores cientistas e pesquisadores brasileiros sobre Amazônia e clima. "Não vim pedir esmola. Vim fazer um apelo, contar o que está acontecendo", disse ao Valor.
Bolsonaro tem defendido que as terras indígenas sejam abertas para mineração e agricultura extensiva. Há poucos dias gravou uma live com Timóteo Ianomami. Associações indígenas ianomâmis protestaram, dizendo que ele não representa o povo. Afirmaram também, em nota, que "não somos pobres, temos uma vida rica em meio à floresta", contestando o discurso de Bolsonaro.
Para Bolsonaro, os ianomâmis são 9 mil pessoas que vivem em um território duas vezes o tamanho do Estado do Rio de Janeiro. Se a área está correta, a afirmação omite o fato de que a terra é da União, com usufruto dos índios. A população também é equivocada. São quase 26 mil ianomâmis, segundo o Censo do IBGE de 2010.
Em seu discurso, depois de dois dias de viagem, Kopenawa disse: "Capitalista tem fome da terra, de fazer buraco como tatu para tirar minério, tirar nióbio. Hoje o mundo inteiro está com olho grande para tirar nióbio da terra ianomâmi. A natureza é fonte de alegria, de saúde, de trazer chuva. O povo ianomâmi vive sem dinheiro, hoje nós estamos nos contaminando. Dinheiro estraga o nosso pensamento e nos manipula". Continuou: "A saúde não está bem. A gente não recebe ajuda. O governo não tem cumprido com seu dever".
Kopenawa criticou ainda o desejo de Bolsonaro de reduzir as terras indígenas. "O Brasil tem muita terra, não tem por que ficar olhando para a nossa."
Segundo ele, as preocupações não param por aí. "Pessoas que apoiam a causa ianomâmi, como o ISA [Instituto Socioambiental] têm sido sufocadas. E isso me preocupa muito. Se essas pessoas ficarem carente, como vão continuar a nos ajudar?" Outra preocupação é com a Funai. "Somos filhos da Funai, é uma instituição que deveria olhar a gente. Este novo governo enfraqueceu a Funai."

"Temos que garantir a grande alma da floresta. Sem terra, sem floresta, sem água limpa, não há vida."

Kopenawa foi aplaudido de pé no evento nos EUA. Hoje ele assina no Book of Harvard, uma honraria destinada apenas a chefes de Estado e figuras como o Dalai Lama.
O xamã retoma amanhã ao Brasil. Vai a Brasília para encontros com representantes da Defesa, Polícia Federal, Ministério Público, Ministério do Meio Ambiente e Funai. "Quero pedir para tirar os garimpeiros de lá." Estima-se que a invasão em curso reúna 20 mil garimpeiros e que possa trazer graves impactos para população indígena.
A repórter viajou a Boston a convite do Instituto Arapyaú


Valor Econômico, 09/05/2019, Brasil, p. A8

https://www.valor.com.br/brasil/6246621/em-harvard-lider-indigena-faz-defesa-das-florestas
PIB:Roraima/Mata

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