É #FAKE que fundadora da The Body Shop revelou em livro que cacique Raoni deu golpe milionário

G1- https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia - 02/10/2019
Mensagem acompanhada da capa do livro 'Meu jeito de fazer negócios' tem viralizado nas redes. Não há nenhuma menção a Raoni na publicação; texto falso contém vários erros.

Por G1

Circula pelas redes sociais uma mensagem que diz que Anita Roddick, fundadora da marca de cosméticos The Body Shop, doou US$ 10 milhões ao cacique Raoni por meio da Fundação Cobra Coral para comprar remédios e instalar ambulatórios e escolas nas comunidades indígenas e descobriu que o dinheiro, na verdade, foi gasto na compra de picapes e máquinas para garimpo e extração de madeira ilegal das suas reservas. Mais: o texto diz que ela revelou essa história em um de seus livros. A mensagem é #FAKE.

Anita escreveu diversos livros antes de morrer. A imagem que circula junto com a mensagem é a capa de "Meu jeito de fazer negócios", versão em português para "Business as unusual", de 2001. Nele, não há nenhuma menção ao cacique Raoni Metuktire.

No livro, Anita cita, de fato, que fez negócios com índios da etnia caiapó, a mesma de Raoni. Mas ela não menciona o nome de Raoni, e sim de outras duas lideranças: Paulinho Paiakan e Pykative Pykatire - ambos da Terra Indígena Kayapó, no sul do Pará. Raoni vive na Terra Indígena Capoto Jarina, em Mato Grosso.

Ela relata que a história teve início durante uma viagem a Altamira, em 1989. E que foi Paiakan quem sugeriu, no início, a possibilidade de um negócio entre as partes. Anita estava interessada em obter o óleo da castanha-do-pará para seus produtos. "Seria o primeiro elo de comércio direto sustentável com a sociedade branca e tive orgulho de estar envolvida nisso", destaca, no livro.

As cifras, no entanto, estão longe do propalado no texto falso viral - ela cita, no livro, que a ideia era gerar uma renda potencial de US$ 50 mil à comunidade em um ano.

Mais à frente, Anita diz que ficou decepcionada porque, apesar dos recursos enviados, os indígenas continuaram recebendo dinheiro de madeireiros e que parte do dinheiro pago não estava chegando a toda a comunidade. Isso fez com que o acordo fosse quebrado.

Ela realmente fez investimentos em casas de saúde em Altamira e Redenção e na distribuição de medicamentos. Não é verdade, portanto, que ela conte na publicação que os índios usaram o dinheiro dado por sua empresa pelo óleo para comprar picapes F1000 e máquinas para garimpo e extração de madeira ilegal nem que um avião tenha sido apreendido por contrabando.

Outro ponto que não faz o menor sentido na mensagem falsa é o que diz que a fundadora da The Body Shop fez uma doação por meio da Fundação Cacique Cobra Coral. A fundação não tem nenhuma relação com Raoni (e com os índios caiapó) e não atua na Amazônia.

Com sede em Guarulhos, na Grande São Paulo, ela é conhecida por intervir para fazer ou não chover. Foi fundada por Ângelo Scritori, morto em 2002. Hoje, ela é dirigida pela filha Adelaide - que diz incorporar o espírito do cacique Cobra Coral.

Em seu site, a fundação diz que "atua no monitoramento das questões climáticas e na alteração, por vias espirituais, de quadros adversos da meteorologia, como falta de chuva em locais com muita seca e chuvas muito fortes em outros locais". Ela já fez convênios com as prefeituras de São Paulo e do Rio e atuou em grandes eventos, como o Rock in Rio.

Procurada, a fundação diz que nunca ouviu falar nas afirmações contidas no texto falso.

André Villas-Bôas, secretário-executivo do Instituto Socioambiental, diz que o cacique Raoni nunca flertou com atividades predatórias. "Ele sempre foi um incansável defensor da questão ambiental, da integridade do território, da floresta. Ele sempre foi assim e nunca se misturou. A amizade com o Sting o levou pelo mundo afora e o tornou uma liderança conhecida internacionalmente, mas já num discurso totalmente alinhado com a Eco 92, questão ambiental, proteção das florestas, proteção do patrimônio cultural deles. Esse sempre foi o Raoni."

Por meio de sua assessoria, a The Body Shop diz desconhecer totalmente as informações contidas na mensagem. A empresa diz que Dame Anita Roddick, fundadora da companhia, foi pioneira no segmento de beleza sustentável no mundo. "Em 1987, Anita lançou o programa Trade not Aid, hoje conhecido como community trade, ou comércio com comunidades, vigente até hoje na The Body Shop, que consiste na compra de acessórios e ingredientes naturais de comunidades produtoras por um preço justo, permitindo que elas se desenvolvam social e economicamente", diz, na nota.

"Por meio desse programa, a The Body Shop já comprou óleo de castanha de uma etnia na Amazônia brasileira, assim como já o fez em outros países. Hoje a The Body Shop conta com diversas comunidades produtoras de ingredientes no mundo todo, incluindo o Brasil com a comunidade de óleo de babaçu na região do Lago do Junco, no Maranhão, relação essa que existe há mais de 20 anos."

O texto falso apresenta vários dados errados. Ele diz que Anita Roddick morreu em 2017, mas, na verdade, ela morreu em 2007. Afirma ainda que Raoni é yanomami, quando, na verdade, ele é caiapó. O texto também fala que a The Body Shop tem 5.400 lojas no mundo, mas a marca tem, na verdade, 3 mil lojas em 66 países.

A mensagem diz também que Anita determinou que a The Body Shop jamais abrisse uma loja no Brasil por conta da maior decepção da sua vida (Raoni, de acordo com o texto falso). No entanto, a verdade é que a The Body Shop foi vendida para a L'Oreal em 2006, chegou ao Brasil em 2014 e tem mais de 90 lojas no país. A Natura comprou a marca em 2017.

Antes de Anita falecer, aliás, ela e o marido, Gordon, conheceram os fundadores da Natura em uma de suas vindas ao Brasil.

No livro, apesar da decepção com as lideranças caiapó, Anita diz que não tem como culpar os índios pelo envolvimento com os madeireiros. "Isso seria culpar as vítimas."


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PIB:Sudeste do Pará

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