CHOCOLATE PREMIADO É FEITO COM CACAU NATIVO

OESP, Economia, p. B1 - 23/08/2020
CHOCOLATE PREMIADO É FEITO COM CACAU NATIVO

A fábrica da De Mendes, na região metropolitana de Belém, recebe frutos de 3,5 mil colhedores de comunidades quilombolas e ribeirinhas e de índios yanomami

Texto: Cleide Silva

Professor universitário e pesquisador formado em química, com cinco especializações e dois mestrados, César de Mendes largou a vida acadêmica quando cursava o doutorado em razão de um problema de saúde. Montou uma empresa de consultoria e, em 2005, foi contratado para fazer o planejamento de desenvolvimento econômico do município de Medicilândia, no Pará, maior produtor de cacau do País.

Filho de mãe quilombola e pai ribeirinho, ele nasceu em Macapá (AP), mas ainda criança mudou-se com a família para Belém. Da infância, sempre se lembrava da avó e da mãe fazendo chocolates no pilão, de forma rústica. Ao chegar em Medicilândia, depois de ter passado vários anos estudando em Belém e São Paulo, e de viajar por todo o País quando era consultor, ele se encantou pelo cacau selvagem, colhido por comunidades amazônicas.

Mendes se deu conta de que, na época, não havia nenhuma fábrica de chocolates de cacau nativo no Estado e decidiu montar uma em parceria com uma cooperativa de colhedores de cacau de Medicilândia, batizada de Amazonas Cacau. A partir daí, mergulhou em pesquisas sobre o produto, sobre processos de produção e novas tecnologias.

A parceria com a cooperativa não deu certo e ele levou a empresa para Belém, que fica a mil km de Medicilândia. Deixou a consultoria para se dedicar ao negócio e chegou a desenvolver algumas máquinas para adaptar o processo produtivo. "Abri uma loja temática na Estação das Docas de Belém, local turístico onde eu fazia chocolates na frente das pessoas", conta. "Sempre se teve ideia de que o cacau veio da América Central ou da Europa. Não se falava nada do Brasil e muito menos da Amazônia. Isso me incomodava muito e comecei a repensar o projeto da empresa."

CASA NA FLORESTA
Em 2012 ele se mudou para Colônia Chicano, comunidade de ribeirinhos e quilombolas que colhem cacau em Santa Bárbara, na região metropolitana de Belém, onde vivem 500 habitantes. "Instalei a fábrica e comprei uma casa, pois queria trabalhar com a comunidade local, entender como vivem." Dois anos depois ele mudou a razão social da empresa para De Mendes, e passou por um projeto de incubação.

Fez parcerias com vários povos tradicionais da floresta - quilombolas, ribeirinhos e índios yanomami que fornecem o produto e o ajudam a descobrir variedades diferentes do cacau. Ele ensina esses povos a como colher os frutos, abrir as castanhas, fermentar a polpa junto com as sementes, secar as sementes e macerar para obter o pó usado na produção dos chocolates.

"Mantemos uma relação justa de preço e pago em torno de quatro vezes mais que o mercado", conta o chocolatier, que passou a ser convidado para dar palestras por todo o Brasil e no exterior. Ele também pretende repassar aos fornecedores um porcentual sobre a venda dos chocolates. Com isso, os povos locais conseguem obter renda sem precisar destruir a floresta ou ser cooptado para trabalhar em garimpos.

"Quem preserva a Amazônia são os povos originários, que conseguem manejar a floresta sem derrubar, usam de forma sensata, sábia e equilibrada, e a gente começou a incorporar esses valores na empresa", afirma o produtor.

Hoje, a De Mendes recebe cacau de 3,5 mil colhedores de várias comunidades, como a do Rio Jari, na divisa entre Pará e Amapá, que leva uma semana para chegar a Belém por barco. Das reservas dos yanomamis o cacau vai de avião de Boa Vista (RR) até Belém, logística que é feita por meio do Instituto Socioambiental (ISA).

ELEGANTE E SOFISTICADO
Os chocolates De Mendes já ganharam prêmios em dois festivais em Paris. A empresa produz nove tipos que recebem nomes das comunidades fornecedoras do cacau. Cada barra de 50g custa R$ 18, com exceção da Yanomami, que custa R$ 50 e teve um lote de mil unidades produzido em plena aldeia e vendido em evento em São Paulo no fim do ano passado. As vendas são feitas apenas via internet pelo site da empresa ou pelo portal Mercado Livre.

Aos 57 anos, Mendes busca parceria comercial e financiamento para ampliar a produção, hoje em torno de 400 quilos ao mês (antes da pandemia eram 600 quilos). "Tenho metas ambiciosas de multiplicar a produção por 5 e, com isso, aumentar a capacidade de compra de cacau e o impacto social e ambiental na região", afirma. Segundo ele, com esse volume de produção o número de fornecedores poderia chegar a 25 mil pessoas.

Mendes descreve o chocolate como premium pela forma que é trabalhado e pelo valor agregado. A maioria das barras é feita apenas com cacau e rapadura. Pela sua descrição como chocolatier, "o De Mendes é purista, tem notas de amêndoas, cheiro adocicado, é saboroso, elegante e sofisticado".

OESP, 23/08/2020, Economia, p. B1

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