Ouro de Tolo, por Ivã Bocchini

GGN - https://jornalggn.com.br/ - 22/04/2022
Ouro de Tolo, por Ivã Bocchini
A invasão da TI Xipaya é mais um exemplo de como opera o governo Bolsonaro e suas consequências para a Amazônia e seus povos.

Publicado em 22 de abril de 2022, 15:39

Na última sexta-feira santa, 15/4, uma enorme balsa de garimpo invadiu a Terra Indígena Xipaya, em Altamira-PA. Após denúncia dos indígenas, os garimpeiros foram pegos em flagrante pelo ICMBio e pela Polícia Federal (PF). Os garimpeiros, no entanto, não tiveram sua prisão efetivada. A PF alegou dificuldades logísticas para conduzir os criminosos até a delegacia.

O caso ganhou ampla repercussão, chegando ao Fantástico no domingo 17/4, graças a um vídeo publicado pela cacica Juma Xipaia em sua conta no Instagram em que pedia socorro. Ela estava em Altamira e recebia informações vindas da aldeia, localizada há mais de 20 horas de barco da área urbana do município paraense. No vídeo, ela teme pela segurança de seu pai, que foi até os garimpeiros pedir que deixassem seu território e acabou sendo recebido com violência pelos invasores.

Aqueles que acompanham o Fala FADS, no canal do GGN, já conhecem Juma Xipaya. Em junho de 2021, ela participou do programa desde Brasília, onde ocorria a mobilização indígena que lutava contra diversos ataques do Congresso e do governo Bolsonaro aos direitos indígenas. Entre eles, o PL 191, que pretende abrir as terras indígenas para os garimpeiros. Semana passada, mais uma vez milhares de indígenas estiveram em Brasília, incluindo uma delegação Xipaya, para protestar contra o garimpo em terras indígenas.

A invasão da TI Xipaya é mais um exemplo de como opera o governo Bolsonaro e suas consequências para a Amazônia e seus povos. Através do discurso, manipulando velhos preconceitos e meias verdades, o bolsonarismo cria teorias convincentes, ainda que falsas, para justificar e estimular um estado de barbárie, de terra sem lei. Afirmam, por um lado, que os indígenas têm o direito de se desenvolverem e que não querem mais viver no mato como antigamente. Se, por um lado, é verdade que os indígenas estão alterando seus modos de vida, por outro, é mentira que eles estejam abandonando suas tradições. E não passa de puro preconceito a ideia que os povos indígenas seriam menos desenvolvidos do que os povos ocidentais. Vamos aos poucos.

Recentemente, a Folha de São Paulo publicou um artigo assinado por algumas lideranças indígenas que defendem o direito dos indígenas de garimpar suas terras. Eles alegam que a regulamentação da atividade criminosa faria acabar o estado de plena criminalidade que hoje vigora. Alegam que estão passando necessidade, que precisam de dinheiro para viver bem. A solução, portanto, seria legalizar o garimpo.

Resta saber se exaurir o minério em 20 ou 30 anos e depender de parcerias que levam embora a maior parte do lucro seria mesmo um caminho para a autonomia reivindicada. Ademais, não é difícil imaginar a dificuldade que terá o governo para fiscalizar essas áreas e impedir a contaminação dos rios por mercúrio, por exemplo. Estará o poder público presente para combater o trabalho escravo, reprimir o tráfico de drogas e a prostituição de menores? Irão cessar os conflitos e crimes hediondos que prosperam hoje nos garimpos? Se o Estado não foi capaz de retirar os invasores das terras indígenas ao longo de décadas, por que conseguiria transformar garimpos comandados pelo crime organizado em uma atividade legal e sustentável? Voltemos aos Xipaya: a Polícia Federal flagrou os garimpeiros invasores, mas não conseguiu prendê-los. Alegou dificuldades logísticas. Era apenas uma balsa com sete garimpeiros. Nos Yanomami e Munduruku, contam-se aos milhares os invasores.

É verdade que a maioria dos povos indígenas dependem, atualmente, de recursos financeiros para viver bem. Seria leviano afirmar que os indígenas precisam apenas de seus rios e florestas protegidos para garantir seus modos de vida. Aquela acusação falsa que o bolsonarismo faz às ONGs, afirmando que desejam ver os índios isolados em suas terras vivendo como no passado, somada a manifestação explícita de indígenas que clamam por emprego e renda, confundem a sociedade.

Organizações parceiras dos indígenas têm trabalhado há muitos anos para desenvolver cadeias produtivas sustentáveis, como as de óleos essenciais, castanhas, mel, artesanato, borracha e diversos produtos agrícolas. A participação do Estado nessas iniciativas é quase nula. O valor que a sociedade brasileira em geral, do consumidor ao empresário, dá a esses produtos vindos de terras indígenas é muito pequeno. Ouve-se muito mais por aí que o Agro é Pop. Hoje, são as próprias organizações indígenas que promovem suas cadeias produtivas sustentáveis, como o café dos Suruí, o Mel do Xingu, a castanha dos Kayapó, o guaraná dos Sateré-Mawé ou a borracha e o artesanato dos... Xipaya!

Esses produtos, no entanto, não geram dinheiro fácil como o garimpo e entre esses mesmos povos citados acima existem aquelas lideranças que preferem deixar entrar o madeireiro, o garimpeiro e o fazendeiro. O assédio é poderoso, divide aldeias e provoca graves conflitos. Aldeias que há décadas vivem do garimpo não viram o progresso chegar: continuam com péssimos serviços de saúde e educação, além de conviverem com a criminalidade no interior da comunidade.

Mas há luz no fim do túnel, desde que a sociedade brasileira escolha o caminho da sensatez em outubro deste ano e assim continue fazendo pelas próximas décadas, afastando bancadas da mineração, da bala, do boi e outras representações desse passado colonialista que imperam até hoje no Congresso. A demarcação dos territórios indígenas, a retirada dos invasores, o investimento em cadeias produtivas que valorizam a floresta em pé, o respeito ao direito de consulta aos povos indígenas através de suas organizações representativas e, por fim, o pagamento pelos serviços ambientais prestados pelos indígenas em benefício de todos podem resolver o duplo problema da preservação ambiental e da geração de renda.

Ivã Bocchini, indigenista do Instituto Socioambiental e membro da FADS

https://jornalggn.com.br/questao-indigena/ouro-de-tolo-por-iva-bocchini/
Mineração em Terras Indígenas

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