Dia da Amazônia: resgate da cerâmica impulsiona a arte e empreendedorismo de mulheres indígenas
Amanda Santana, a frente da Tucum Brasil, conta sobre a importância da valorização de uma das artes mais femininas do território brasileiro
Fernanda Simon (@feh_simon)
05 Set 2022 - 08h
A cerâmica é um importante artefato artístico presente em diversas culturas de povos tradicionais brasileiros e geralmente é um saber atribuído às mulheres. Nos tempos passados era essencial para o preparo dos alimentos, também como utensílio usado em rituais e em outros momentos da vida cotidiana. Com a colonização e aproximação dos povos não indígenas, a tradição de fazer cerâmica foi se perdendo. Depois da demarcação do conjunto de Terras Indígenas do Alto Rio Negro, em 1998, e com o apoio de organizações do terceiro setor, como o Instituto Sócio Ambiental (ISA) e Federação das Organizações indígenas do Rio Negro (FOIRN) as famílias da região voltaram a ver a importância da preservação cultural, bem como as oportunidades de complemento de renda a partir da comercialização das cerâmicas feitas pelas mulheres.
A Tucum Brasil, plataforma de vendas de artes indígenas que opera com transparência e realiza parceria com aproximadamente 40 organizações, foi procurada com a missão de comunicar o projeto. Amanda Santana, sócio-idealizadora da plataforma, conta: "A Tucum já comercializava cerâmicas dos povos Baniwa e Tukano, e então fomos procurados pelo ISA para fazer o lançamento dos livros que contam essas histórias e apoiar na divulgação, com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobre a importância das pessoas que estão de fato mantendo a floresta em pé. Assim, mostrar como esses conhecimentos estão diretamente ligados às suas existências e a existência da floresta."
A terra indígena do Alto Rio Negro tem cerca de 8 milhões de hectares, com populações que vivem por lá há milênios e apresenta um cenário de conservação imprescindível para regulação climática do planeta. As cerâmicas desse território são amostras das artes das mulheres indígenas dos povos Tukano e Baniwa. Elas são mais que guardiãs da floresta, elas mantêm vivos os saberes do sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro. As cerâmicas feitas pelas mulheres dos povos Baniwa e Tukano são exemplos bem sucedidos de projetos que fomentam a preservação e reconhecimento de suas culturas, como de parcerias que entrelaçam produtos e comércio, como por exemplo a parceria com a Tucum Brasil, que traz viabilidade econômica.
Na cultura Baniwa, a cerâmica está atrelada ao início dos tempos. Segundo a lenda, a arte da cerâmica foi ensinada às mulheres enquanto estavam reclusas durante o período de menstruação, estando conectada ao rito de passagem feminino e se tornando parte das tradições ancestrais desse povo. Conhecida como cerâmica branca, a cerâmica baniwa apresenta cores claras, com padrões gráficos vermelhos alaranjados e acabamento em verniz vitrificado. Nazária Fontes, ceramista Baniwa, afirma: "O fortalecimento e valorização das práticas de conhecimento das nossas cerâmicas e grafismos originários nos ajuda a reconhecer a nossa própria identidade cultural."
A cerâmica é uma arte milenar, existem sítios arqueológicos com cerâmicas amazônicas de quatro mil anos atrás. "Eu sou sua avó. Eu vou fazer cerâmicas para você. Eu sou aquela que existe desde a criação deste mundo. Quando não tiver onde cozinhar, venha me pedir", assim diz um trecho de uma versão da narrativa Tukano que conecta o fazer da cerâmica com a ancestralidade. Amanda complementa: "E mesmo cada povo tendo suas próprias histórias, sempre tem uma forte conexão com o feminino, com o fazer, moldar, criar e estes conhecimentos se mantêm vivos sendo carregados pelas anciãs".
Porém, enquanto certas comunidades caminham positivamente, outras estão quase perdendo completamente as técnicas, saberes e segredos ancestrais da produção da cerâmica local. "A cerâmica, assim como a pimenta e o artesanato são produções que materializam esses conhecimentos ancestrais e que podem proporcionar a manutenção da região", diz Amanda.
"O engajamento da sociedade civil ainda é mínimo e tem a questão do preconceito, pois o olhar ao indígena é, de uma forma geral, colonialista. Faz parte de um projeto de poder, que fez com que a nossa sociedade criasse imensas camadas e lentes para ver os indígenas de uma forma que eles não são de verdade, pois eles são diversos, múltiplos, com inúmeras narrativas, com histórias de luta, dor e resistência. Agora, com as redes sociais e com o acesso de jovens indígenas às redes sociais, eles estão conseguindo se posicionar mais, mostrar, colocar sua voz e tirar esses filtros colonialistas que atravessam gerações impedindo e afastando a sociedade não indígena dessas outras sociedades", conta Amanda sobre os desafios de comercializar os produtos das comunidades indígenas.
Feitas com a própria terra, água e fogo, por mãos femininas, a arte da cerâmica indígena é uma bela representação do poder da mulher para afirmar resistência na luta climática, provando que são elas que lidam e cuidam da Terra. A partir da valorização e disseminação desse trabalho, é possível contribuir para expansão da cultura indígena e fortalecimento dos povos ancestrais. Para a pesquisadora Francineia Baniwa: "Inicia-se uma nova fase, onde mulheres são protagonistas da sua própria história a partir da arte da cerâmica."
Para saber mais:
artebaniwa.org.br
socioambiental.org
foirn.org.br/
tucumbrasil.com
https://vogue.globo.com/Vogue-Negocios/noticia/2022/09/dia-da-amazonia-ceramica-mulheres-indigenas.html
PIB:Noroeste Amazônico
Related Protected Areas:
- TI Alto Rio Negro
As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.