Obras da BR-319, hidrelétrica e linhão de Roraima ameaçam terras indígenas, aponta estudo
A liberação para as obras do trecho do meio da BR-319 é questionada por ambientalistas
Fabíola Pascarelli
Publicado: 04/04/2023, 16:58:11
Um estudo feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) mostra que 397 terras indígenas podem ser impactadas por futuras obras do governo federal, como a construção de rodovias, ferrovias e usinas hidrelétricas.
Esse número representa 66%, ou dois terços, dos 599 territórios com algum tipo de delimitação geográfica no banco de dados do ISA - há pouco mais de cem TIs no país sem área definida e, por isso, não foram consideradas.
"A hidrelétrica no estado de Roraima, que já está em debate há tempos, a linha de transmissão para ligar Roraima no sistema nacional de abastecimento e que corta a Terra Waimiri Atroari, e a BR-319, que tem uma área de influência com diversos territórios, são as obras de maior perigo", afirma o pesquisador Antonio Oviedo, ressaltando esta última como a principal.
Segundo o estudo, em média as terras são ameaçadas por quatro obras simultaneamente e 67% delas podem ser impactadas por mais de um empreendimento. Oviedo aponta ainda a necessidade de especial atenção aos casos que tocam territórios com presença de povos indígenas isolados.
O levantamento aponta que 92 povos isolados podem ser impactados por essas obras, considerando também grupos que ainda não têm sua existência confirmada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas há indícios de que habitem o local.
"As usinas hidrelétricas e as estradas são os empreendimentos que mais geram impacto ou têm maior abrangência em termos de área impactada", afirma Oviedo.
Ainda, rodovias que cortam florestas são de difícil fiscalização e facilitam o acesso a áreas de preservação, a exploração de seus recursos e a prática de crimes ambientais. Esse efeito é chamado por ambientalistas de espinha de peixe, pois são abertos diversos pequenos caminhos mata adentro, partindo da estrada.
BR-319
O licenciamento da BR-319, em especial do chamado trecho do meio, foi debatido por anos e avançou durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
A liberação para as obras, porém, é questionada por ambientalistas. Além disso, os mesmos estudos que liberaram sua execução apontam o risco de aumento na grilagem. E os povos indígenas que vivem na região reclamam não terem sido consultados sobre o tema, como prevê a lei.
A rodovia já foi defendida por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em anos anteriores. Recentemente, em audiência no Senado, o ministro dos Transportes, Renan Filho, também deu declarações em seu favor, ponderando o potencial impacto ambiental.
O presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho, já afirmou, no entanto, que o empreendimento carece de estudos.
TI sem proteção
Há mais de um ano, a Terra Indígena (TI) Jacareúba-Katawixi está sem portaria de Restrição de Uso, medida que busca evitar invasões ao território que está na fase de estudos do processo de demarcação. A área é habitada por povos indígenas em isolamento, os Katawixi, que sofre forte pressão de desmatamento ilegal, queimadas, grilagem de terras públicas e mineração ilegal.
Em janeiro, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipaam) publicaram a nota técnica "Isolados Por um Fio: Riscos Impostos aos Povos Indígenas Isolados", que elenca riscos que afetam direitos fundamentais deste e outros povos em isolamento. Desde 2021, o Observatório BR-319 vem alertando e cobrando medidas para resguardar os Katawixi.
Desmatamento
Os municípios de Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Porto Velho e Tapauá, no interior do Amazonas, foram responsáveis por 94% do desmatamento registrado na área de influência da BR-319 em 2022. Juntos, somaram 159.659 hectares desmatados, uma área equivalente a quase 160 mil campos de futebol.
A região também bateu recordes de desmatamento e focos de calor, considerando a série histórica de 2010 a 2022, analisada pelo Observatório BR-319 (OBR-319), que monitora 13 municípios, entre Amazonas e Rondônia, situados na área de influência da rodovia.
Os municípios que bateram recorde de desmatamento da série histórica em 2022 foram Beruri, Borba, Canutama, Lábrea, Manicoré e Tapauá. Entre esses, Lábrea foi o que apresentou o maior desmatamento ao longo do ano, com 55.332,93 hectares. Já os municípios que mais registraram focos de calor em 2022 foram Porto Velho, Lábrea, Manicoré, Humaitá e Canutama, responsáveis por 89% (12.533 focos de calor) do total detectado.
Esses municípios localizados ao sul da rodovia estão mais próximos do Arco do desmatamento, uma região historicamente mais sujeita a pressões. O ritmo acelerado do processo de licenciamento do Trecho do Meio e a desproteção da Terra Indígena (TI) Jacareúba-Katawixi, que aconteceram na reta final do governo Jair Bolsonaro, contribuíram para o agravamento da situação na BR-319.
https://todahora.com/obras-br-319-hidreletricas-linhao-ameacam-terras-indigenas/
Política Socioambiental
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- TI Jacareúba/Katawixi
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