O Tribunal Regional Federal (TRF) da 5a Região retoma na quarta (9) julgamento sobre reintegração de posse contra aldeia Xukuru
Renato Santana
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Publicado em 7 de agosto de 2023, 18:08
Delegação com cerca de 50 indígenas Xukuru do Ororubá realiza nesta quarta-feira (9) mobilização em Recife (PE) por conta do julgamento de uma reintegração de posse da Aldeia Caípe, Terra Indígena do povo, localizada em Pesqueira, em votação no Tribunal Regional Federal (TRF) da 5a Região.
Entre a tese do marco temporal e atual desobservância à decisão da Corte Interamericana, que cita esse processo de reintegração e o envolve na sentença, o TRF-5 retoma a votação e resvala em pautas atualmente bastante debatidas pela Justiça e sociedade no Brasil, em um dia particularmente especial, o Dia Internacional dos Povos Indígenas.
Iniciada em 1992, essa ação, conforme a assessoria do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), é uma das mais antigas a aparecer a tese do marco temporal como forma de limitar o direito ao território tradicional usando, neste caso, não a Constituição de 1988, mas a Constituição de 1934.
A Constituição de 1934 foi a primeira a reconhecer o direito dos povos às suas terras. Em 1936, um decreto de incumbência à demarcação determinou que essa tarefa fosse delegada ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que antecedeu a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como órgão indigenista estatal.
Pesqueira, cidade da TI Xukuru do Ororubá, de acordo com o Censo do IBGE lançado nesta segunda-feira (7) figura como a sexta cidade com a maior quantidade de indígenas em todo o Brasil, com 22.728. A primeira é Manaus (AM), com 71.713.
"Em 1998, dois meses depois do assassinato do cacique Xikao, teve votaçao favorável ao fazendeiro em primeira instância e posteriormente o TRF 5 Regiao tambem decidiu pela reintegracao. Recentemente, o TRF-5 voltou a julgar o processo da ação rescisória no mesmo dia em que o STF retomou o julgamento do caso do marco temporal. E agora no Dia Internacional dos Povos Indígenas, quarta, dia 9, coloca o processo novamente em pauta", contextualiza o missionário Angelo Bueno, do Cimi.
Marco temporal mais agressivo
De acordo com a assessoria jurídica do Cimi, essa perspectiva é mais agressiva se comparada à ideia de marco temporal tratada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário com repercussão geral envolvendo reintegração de posse na TI Ibirama-Laklaño, do povo Xokleng.
Se no que tange a Constituição de 1988, a tese afirma que só teriam direito à demarcação os povos que estivessem em posse ou em litígio sobre a terra no ato da promulgação, em 5 de outubro, a tese do processo a ser votado pelo TRF-5 na quarta recua para 16 de julho de 1934.
"Não existe marco temporal, a legislação brasileira possui o indigenato desde o Período Colonial, através do Alvará Régio de 1650. A Constituição de 1988 reforçou e inaugurou diversos direitos, ratificando o indigenato no artigo 231, isto é, o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas", explica o advogado Daniel Maranhão, da assessoria do Cimi.
O advogado reforçou que o direito originário às terras tradicionalmente ocupadas, caso do povo Xukuru, é um ponto sistematicamente reforçado pela jurisprudência do STF e, até o momento, o julgamento está favorável aos povos indígenas, tendo só o ministro Nunes Marques votado a favor da tese.
Aldeia marco na luta
O cacique Marcos Xukuru explica que a Aldeia Caípe é a segunda retomada do povo, sendo a primeira a Aldeia Pedra D´Água, em 1990. "Nosso Mandarú cacique Xikão liderou essa luta e desde então nossa aldeia tem escola, posto de saúde. Para chegar até ela é preciso passar por outras aldeias", conta.
A liderança explica que ir ao Recife mostrar ao TRF-5 o desejo do povo é uma forma também de alertar a sociedade brasileira que os povos indígenas como um todo rejeitam quaisquer tipos de marco temporal. Também, que a inédita decisão da Corte Interamericana precisa ser observada.
"A Corte Interamericana tomou uma decisão inédita quando deu ganho de causa ao povo Xukuru pelas violações de direitos humanos que sofremos. E essas violações tiveram a terra como principal razão. Essa reintegração de posse não tem cabimento de ir adiante e se for pode reabrir feridas", diz cacique Marcos.
Corte Interamericana
Quarta-feira (9) é o Dia Internacional dos Povos Indígenas, e a ação no TRF-5 será retomada depois de um pedido de vista com dois votos a favor da reintegração de posse que beneficia o autodeclarado proprietário da terra, Milton Didier, que já discute a indenização em outro processo. O que representa também outra questão.
Na sentença sobre violação aos direitos humanos no caso Povo Xukuru x Estado Brasileiro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou a anulação de ações como essa a ser votada no TRF-5, que atacam o direito territorial, motivo das violências perpetradas contra os Xukuru.
"O Brasil é signatário (da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de San José da Costa Rica) e está suscetível às decisões da Corte Interamericana. As recomendações e sentenças precisam ser adotadas. Vários pontos da sentença o Estado brasileiro cumpriu. Regularização territorial, indenização. Porém, esse caso segue aberto e cria impeditivos para a ocupação plena para o efetivo exercício do direito à propriedade coletiva", diz Maranhão.
Ação rescisória
O processo, que corre desde 1992, recebeu duas decisões favoráveis, com a ação transitada em julgado. No entanto, em 2014, a Funai impetrou ação rescisória, ou seja, solicitou uma nova decisão judicial para desconstituir o acórdão. Desde então corre o processo na atual fase.
"A decisão da Corte Interamericana ocorreu depois da rescisória. Tanto que a Corte trata dessa ação na sentença. O TRF-5, então, precisava fazer (a ação) tramitar, mas entendemos que a decisão da Corte deve ser observada porque ela incide sobre a ação de reintegração", conclui Maranhão.
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PIB:Nordeste
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