Terras Indígenas fora da Amazônia Legal são as mais povoadas do país, aponta Censo 2022

Instituto Socioambiental - https://www.socioambiental.org/ - 08/08/2023
Terras Indígenas fora da Amazônia Legal são as mais povoadas do país, aponta Censo 2022

Mariana Soares

12/08/2023

Quase metade (49%) da população indígena no Brasil, cerca de 825 mil pessoas, está fora da Amazônia Legal. Desse total, cerca de 220 mil vivem em uma área aproximada de 1,6 do total das terras indígenas demarcadas. É o que apontam os primeiros resultados do Censo 2022: O Brasil Indígena: uma nova foto da população indígena, lançado nesta segunda-feira (074) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para traçar o perfil demográfico dos habitantes do país e apontar informações cruciais para o desenvolvimento, implementação, análise e avaliação de políticas públicas, a pesquisa reúne dados obtidos por uma ampla coleta com mais de 70 milhões de questionários aplicados, presencialmente, online e por telefone, nos 5.568 municípios brasileiros.

Nos resultados divulgados neste ano, a população indígena apresentou um salto populacional de quase 90%, saindo de 896.917 pessoas em 2010, para 1.693.535 em 2022.

Em comparação, há 20 anos, quando foram divulgados os dados do Censo 2000, a população que se declarava indígena no Brasil era de 734 mil pessoas. O Estado de São Paulo na época figurava como a terceira unidade da federação com a maior população indígena; no topo da lista estava o Amazonas, seguido da Bahia.

Em relação à população indígena que vive em terras indígenas, em 2022, os dados do Censo indicaram um aumento menos expressivo, de 16%.

Ambos os resultados indicados pela pesquisa em 2022, no entanto, são significativos frente ao crescimento total da população brasileira, que apresentou um aumento no mesmo período de apenas 6,5%.

Em 2022, o Censo incluiu um total de 573 terras indígenas, 68 a mais do que em 2010. Ficaram de fora todas as áreas cujos processos demarcatórios estavam em curso na época do levantamento, o que equivale a um número em torno de 172 áreas com processos em andamento. Ademais, outras áreas que aguardam na fila de reivindicações da Funai também não foram incluídas no recorte terras indígenas dos resultados, embora o recenseamento tenha chegado também a essas populações.

Fora das áreas demarcadas, o IBGE mapeou localidades indígenas, inclusive em cidades e áreas remotas. Além das terras indígenas oficialmente delimitadas, foram definidos agrupamentos indígenas e outras localidades indígenas. Essas áreas foram mapeadas para evitar uma possível subenumeração na contagem dessa população.

Segundo estimativas do ISA, o total dessas pessoas pode chegar a mais de 65 mil pessoas. Um exemplo é a TI Tupinambá de Olivença, na Bahia, que teve seu estudo de identificação aprovado em 2009 e conta com uma população estimada em 4.631 pessoas.

Essa subenumeração na contagem de pessoas em terras indígenas acontece principalmente em regiões fora da Amazônia Legal.

Muitos indígenas para pouca terra

Para quase metade da população indígena (49%) que vive fora da Amazônia Legal, a garantia estabelecida pelo artigo 231 da Constituição Federal de uma área reservada para sua reprodução física e cultural está longe de ser uma realidade.

Apenas 26,5% dessas pessoas indígenas vivem atualmente em terras indígenas. Para elas, o cenário é de uma grande pressão demográfica nas áreas já demarcadas nessas regiões. Segundo dados do Censo 2022, a densidade populacional das TIs fora da Amazônia Legal é maior que a de 10 Estados brasileiros: AM, RR, MT, AC, AP, TO, PA, RO, MS e PI.

Com uma densidade demográfica de 14 pessoas/km², os números evidenciam que, fora da Amazônia Legal, existe uma situação de confinamento dos povos indígenas em terras muito pequenas para a sua população.

Um dos casos que reforçam a tese é a da Reserva Indígena Dourados, no Mato Grosso do Sul. A área reservada para os povos Guarani e Terena possui uma densidade demográfica de 393,46 habitantes por quilômetro quadrado, superando em mais de três vezes a de Campo Grande, capital do estado em que está localizada.

"Você se considera indígena?"

Ampliando a metodologia aplicada pelo Censo 2010 para identificar pessoas indígenas que não se identificaram pelo quesito cor ou raça, em 2022, a pergunta "Você se considera indígena?" deixou de ser feita apenas em Terras Indígenas delimitadas e passou a ser realizada também à população residente em outras localidades indígenas identificadas previamente pelo IBGE. Por meio da pergunta, foi possível identificar cerca de 27% do total de pessoas indígenas em 2022. Desse número, a maior parte (41,5%), foi identificada fora de Terras Indígenas.

Para Tiago Moreira, antropólogo do programa Povos Indígenas no Brasil do Instituto Socioambiental (ISA), "a ampliação das áreas onde é aplicada a pergunta 'Você se considera indígena?' deu visibilidade a uma grande parcela da população indígena ignorada pelos censos demográficos anteriores". Para ampliar a cobertura da pergunta, o IBGE delimitou previamente localidades potencialmente ocupadas por pessoas indígenas, tais como bairros, conjuntos habitacionais, vilas rurais, e outras localidades, além das Terras Indígenas declaradas, homologadas ou reservadas.

Manaus foi a cidade que apresentou o maior número de pessoas indígenas identificadas pela pergunta de cobertura, o equivalente a mais de 70% do total. Já São Gabriel da Cachoeira, também no Amazonas, por sua vez, apresentou o maior número de pessoas indígenas identificadas pelo quesito cor e raça, com 95%.

Nas regiões brasileiras, a região Nordeste foi a que apresentou o maior percentual de pessoas indígenas por meio da pergunta de cobertura, com 38%. Já a região Sul foi a que apresentou o maior número de pessoas que se declararam indígenas pelo quesito cor e raça, com 98,2%.

Segundo Moreira, os resultados preliminares apresentados até o momento ainda não permitem traçar um desenho tão preciso da localização exata da população indígena no país, mas eles expressam o sucesso da metodologia aplicada.

"Em alguns casos, como Manaus, onde houve um crescimento expressivo de indígenas recenseados, um aumento de 1.675% em relação a 2010, vários elementos ajudam a deduzir o sucesso da metodologia do IBGE em mapear pessoas indígenas fora do contexto de Terras Indígenas. No município, a maior parte das pessoas indígenas, apesar de não se declararem como indígenas no critério raça/cor, respondeu que se consideram", apontou.

"Com a pergunta certa, e dentro de um contexto de valorização da ancestralidade indígena, as pessoas puderam sair de uma condição de invisibilidade de sua identidade indígena em lugares como Manaus", completa.

Cidades mais indígenas do Brasil

Se, em 2010, os municípios com as maiores populações indígenas em números absolutos eram São Gabriel da Cachoeira (AM); São Paulo de Olivença (AM); Tabatinga (AM); São Paulo (SP); e Santa Isabel do Rio Negro (AM), em 2022, Manaus toma a frente, com 71.713 pessoas indígenas. Na sequência, vem São Gabriel da Cachoeira (AM) com 48.256 pessoas indígenas; Tabatinga (AM) com 34.497; Salvador (BA) com 27.740; e São Paulo de Olivença (AM), com 26.619.

Das cidades que encabeçam o ranking, apenas Manaus e Salvador não possuem Terras Indígenas demarcadas. Além disso, ambas apresentaram um expressivo crescimento no período, e, juntas, lideram a lista das maiores diferenças em população indígena absoluta em relação a 2010, com um aumento somado de aproximadamente 750%.

Em relação ao percentual total da população na cidade, Uiramutã (RR), com 96,6% de sua população identificada como indígena, segue liderando a lista, seguida por Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,1%, e São Gabriel da Cachoeira (AM), com 93,1%.

Estados mais indígenas

Em números absolutos, o Amazonas segue sendo o estado com mais indígenas, com 490.854 pessoas indígenas; seguido pela Bahia, com 229.103 pessoas; Mato Grosso do Sul, com 116.346; Pernambuco, com 106.634; e Roraima, com 97.320. Juntos, os cinco estados somam 61,43% da população indígena no Brasil.

Sobre o percentual de pessoas indígenas por estado, Roraima aparece em primeiro lugar, com cerca de 15% de sua população total composta por pessoas indígenas. Amazonas; Mato Grosso do Sul; Acre; e Bahia vêm na sequência.

Já Rondônia foi o estado que apresentou o maior crescimento no número de pessoas indígenas percentualmente, com um aumento de quase 58%.

Outros estados, no entanto, apresentaram quedas no número de pessoas indígenas. São eles: Alagoas, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Terras Indígenas

Segundo os dados trazidos pela pesquisa, a população indígena vivendo em Terras Indígenas corresponde a 36,7% do total recenseado. Embora 63,2% de toda a população indígena no Brasil tenha sido mapeada em áreas fora de TIs delimitadas, 56% de toda essa população vive em municípios classificados em algum grau como rurais pelo IBGE, ainda, 30% das pessoas estão em municípios considerados remotos.

Estes dados vão na mesma direção do último levantamento feito em 2010, quando se constatou que 42% da população indígena vivia fora de Terras Indígenas, sendo 36% em áreas urbanas - não necessariamente em cidades.

O Censo 2022 aponta ainda que quase metade (49,1%) da população indígena vivendo atualmente em TIs se encontra na região Norte. Já os estados da federação com a maior porcentagem de pessoas indígenas vivendo dentro de TIs, em relação ao número total de indígenas, são: Mato Grosso, Tocantins, Roraima, Maranhão e Amapá.

Entre as regiões que apresentaram os maiores crescimentos populacionais em Terras Indígenas estão a região Norte com 22,7% e Nordeste, com 12,2%.

Em relação ao último Censo 2010, as cinco TIs mais populosas seguem as mesmas. São elas: TI Yanomami (RR), com 27.152 pessoas; TI Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176; TI Évare I, com 20.177, e TI Alto Rio Negro, 18.042.

Amazônia Legal

A Amazônia Legal, composta pelos estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso, abrange mais da metade (51,2%) de toda a população indígena nacional, com 867.919 pessoas.

A presença da população indígena vivendo dentro de TIs na Amazônia Legal supera a nacional. Ao todo, são 403.287 pessoas, ou o equivalente a quase 65% de toda a população indígena nacional residindo em Terras Indígenas. Além disso, 46,4% de toda a população indígena que vive na região está localizada nas TIs, o que representa uma diferença percentual de quase 10% em relação ao número nacional.

Diminuição de população em Terras Indígenas

Das 501 Terras Indígenas comparáveis onde foi realizado o censo, entre 2010 e 2022, 171 registraram uma diminuição da população. Sem dados de natalidade e mortalidade, entretanto, não é possível desenhar um cenário completo para os números apresentados.

Apesar disso, uma breve análise das maiores diminuições de população aponta para uma provável fragilidade dos números do censo de 2010.

Na Terra Indígena Apyterewa, por exemplo, habitada pelos Parakanã, o Censo registrou, em 2010, 3.588 indígenas. Já a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em 2011, havia registrado um total de 452 pessoas na TI.

Em 2022, o número apresentado foi de 767 indígenas, portanto, mais próximo do histórico de população registrada anteriormente pela Funai. Para além da questão de decréscimo populacional, a TI também apresenta há anos antecedentes explícitos de presença não indígena e de consequentes conflitos fundiários. Segundo avaliação do Instituto Socioambiental (ISA), a hipótese é de que os números de 2010 tenham sido inflados pela presença não-indígena, que por algum motivo foram registradas como indígenas.

Das 10 TIs com maior diminuição absoluta de população, em ao menos oito delas há histórico de invasões e conflitos fundiários, o que levanta a hipótese dos dados do censo de 2010 terem sido enviesados.

Ainda, a diminuição dos números da população do Vale do Javari, apesar de não ser possível afirmar categoricamente, pode ter resultado dos grandes desafios de se recensear uma das maiores TIs do Brasil, com um dos acessos mais dificultados.

Contribuições do Instituto Socioambiental

O ISA foi uma das instituições indigenistas que contribuíram com a realização do Censo 2022. Para auxiliar no aperfeiçoamento da coleta realizada para a pesquisa, o ISA esteve presente em uma reunião técnica realizada, além de fornecer coordenadas geográficas para a criação da base territorial do IBGE denominada como localidades indígenas, fundamental para a ampliação da pergunta de cobertura que identificou mais de 400 mil indígenas.

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