Projeto Colabora - projetocolabora. - 04/05/2020
Após anos de perseguição e preconceito, crianças e jovens voltam a valorizar idioma e pinturas indígenas
Por Joana Suarez | ODS 1, ODS 16, ODS 2 - Publicada em 4 de maio de 2020 - 08:36 - Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 20:25
Com fotos de Flávio Tavares
São João das Missões (MG) - Os Xakriabá foram obrigados a adormecer a cultura indígena nos períodos de perseguição - muitos foram torturados por falar o idioma próprio ou manter os costumes. Anelita de Souza lembra de quando seus pais e avós eram perseguidos pelos fazendeiros e não podia falar a língua deles, nem ensinar. "Ainda hoje, tem lugares que não podemos nem dizer que somos indígenas".
Para não serem perseguidos ou mortos, eles também deixaram de se pintar no passado. As pinturas corporais foram guardadas nas cerâmicas, que eram mantidas na terra. E, até mesmo recentemente, alguns falam que, ao ir na cidade pintados, são discriminados. Mas, nos últimos anos, eles estão buscando fortalecer suas tradições e reativar saberes. As crianças aprendem a se pintar nas escolas dentro da reserva.
Desde a década de 90, o critério principal para definição de quem é índio ou não é a auto-identificação. Os indígenas têm direitos especiais garantidos na legislação como reconhecimento ao massacre que esses povos sofreram no Brasil, uma dívida histórica ainda não paga. Eles são cidadãos brasileiros com direito às terras que tradicionalmente ocupam, possuem um sistema de saúde especial, diferente do SUS, e educação diferenciada, já que o sistema de ensino brasileiro é colonizador.
Ainda hoje, tem lugares que não podemos nem dizer que somos indígenas
Algumas pessoas de fora, ao chegarem nas aldeias, não percebem os Xakriabá como índios, por guardarem os estereótipos de "penas, trajes e língua", e por desconhecerem o processo violento de mistura e contato deles com os não-indígenas por vários anos.
"Quando se trata de povos indígenas, muitas vezes as pessoas confundem língua com cultura. Mas é um complexo de práticas, crenças, de modos de habitar, de se relacionar com as pessoas e o ambiente, de estar no mundo", destacou o antropólogo Pedro Rocha. Ele acrescenta que, muitas vezes, no processo de genocídio e etnocídio pelo qual passaram os povos indígenas, "a língua se perde, mas a cultura, por sua plasticidade, permanece".
Os Xakriabá mapearam o patrimônio cultural e arqueológico da reserva indígena, onde há muitas pinturas rupestres, espaços de Toré e encantados, onde a onça Iaiá se encontra e dá proteção a eles. E nem tudo pode ser falado ou mostrado aos que não são indígenas, pois eles precisam do contato com o branco hoje, mas mantêm preservada as riquezas sagradas.
Educação e juventude
Para recuperar o idioma Xakriabá, uma família de lá passou um tempo com o povo Xerente, em Tocantins, que tem o mesmo tronco linguístico. Nas escolas da reserva, existem "professores de cultura" que focam na língua, nas pinturas, nos cantos, saberes e histórias. Mas os próprios professores dizem que não ensinam, pois a cultura já nasce com eles.
As escolas indígenas tiveram início em 1996, anos depois a UFMG implantou o curso de formação de professores indígenas. Hoje são nove escolas na reserva Xakriabá com funcionários indígenas.
Nos últimos anos, os Xakriabá começaram a ingressar em cursos de outras áreas diferente da licenciatura e a seguir carreira acadêmica. Célia Xakriabá foi a primeira a fazer graduação e mestrado, concluído em julho de 2018. Aos poucos, eles deixam de ser objetos de estudo para ocupar o lugar de produção de conhecimento, da aldeia para fora.
Edgar Kanaykõ Xakriabá concluiu seu mestrado, neste ano de 2019, na área da antropologia visual, relacionado ao audiovisual indígena, com a missão de usar a imagem como instrumento de luta. "O Brasil desconhece a própria história", afirmou ele que pretende construir narrativas a partir do olhar propriamente indígena. Para Kanaykõ, o movimento dos indígenas na universidade ocorre dentro da própria busca pela retomada do território: é "um pé na aldeia e outro no mundo" , como diz ele.
Descolonização
O desafio é descolonizar o sistema de ensino. Mesmo nas escolas de primeiro e segundo graus que estão dentro das aldeias, tudo precisa ser desconectado do pensamento branco. Os materiais didáticos e o currículo escolar são diferenciados, com aulas de direitos e cultura indígenas, por exemplo. Nas disciplinas comum, como matemática, eles aprendem através dos desenhos geométricos das pinturas.
O olhar descolonizado se exemplifica também na arquitetura Xakriabá. As casas de barro construídas por eles duram cerca de seis anos para que no refazer eles possam ensinar outras gerações como obter a medida de barro, que varia conforme a lua.
Elizabete Alves Barros, 25 anos, contou que construiu sua casa sozinha. Ficou três anos nesse processo e, quando a conhecemos, ela tinha acabado recentemente, estava orgulhosa ao lado do filho. "Acordava às 5h para pegar barro e arrumar os paus no mato", disse.
Ela mora com outras dez mulheres numa área cercada na aldeia Embaúba: todas não estão mais com maridos, que morreram ou se separaram, mas criam seus filhos e dão conta de tudo. Assim como se nota a força da mulher indígena, a juventude Xakriabá também está movimentando a cultura e promovendo encontros para discutir pautas e lutas. A maioria dos Xakriabá atualmente é formada por jovens de 15 a 30 anos. E eles já carregam a luta pelo território tradicional para chegar na beira do rio São Francisco.
https://projetocolabora.com.br/ods1/cultura-refortalecida-na-escola/
PIB:Leste
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