Maysa Benites, 16, quis ter o bebê em área recém-ocupada para dar visibilidade à reivindicação de seu povo
8.fev.2024 às 7h00
Atualizado: 8.fev.2024 às 9h49
Lucas Lacerda
Karime Xavier
SÃO PAULO
Foi às margens do Rodoanel Mário Covas, na zona norte de São Paulo, que um grupo de indígenas do povo guarani resolveu retomar, um ano atrás, uma parte de seu território.
Direito fundamental, a posse da terra para usufruto conforme os costumes dos povos originários está em jogo com a disputa entre Legislativo e Judiciário na questão do marco temporal das terras indígenas.
Para algumas das pessoas que se assentaram na área, acessível pela rodovia Anhanguera, o impulso mais forte para essa retomada -além de espalhar roças de batata-doce, milho e mandioca pelo território- era o nascimento de uma criança.
Foi o que decidiu, junto à sua família, a adolescente Maysa Benites, 16.
maysa segura o filho na porta de casa, uma construção simples, com teto de palha, e há um cachorro que descansa deitado no chão sob a sombra
O grupo completa em março um ano de ocupação na área em que fundaram a aldeia Pindó Mirim. Hoje há 35 pessoas, de 13 famílias, vivendo ali. Em 2023 não havia no local quase ninguém além de Maysa, o marido Danilo Quadro, 18, e a mãe dele, Neusa Quadro, 35.
Durante a gestação no ano passado, Maysa, nascida em Angra dos Reis (RJ), decidiu fazer o parto em casa, segundo o costume do povo guarani. A história dela foi revelada pelo jornal americano The Washington Post.
A esse protesto se somariam outros, em 2023, contra a votação do marco temporal no Congresso Nacional. Em maio, pouco depois da ocupação da área no Jaraguá, cerca de 100 pessoas, entre indígenas e apoiadores, saíram da aldeia principal da terra indígena e fecharam trecho da rodovia dos Bandeirantes. A manifestação ocorreu após uma vigília, e houve repressão da Polícia Militar.
Pensando em outra forma de protesto, foi Neusa, integrante da Comissão Guarani Yvyrupa, que propôs "retomar" a área ainda arborizada às margens do Rodoanel. O motivo para ocupar um novo espaço, diz ela, que já morava no Jaraguá, era criar um ambiente para o bebê que nasceria, assim como para todos os outros que viriam.
"A gente luta para manter a cultura e a língua, a gente ainda fala guarani, e veio com a intenção de garantir o espaço, alimentos saudáveis e a demarcação", afirma Neusa.
Antigamente, mulheres da etnia guarani davam à luz em casa, conta a indígena. "Tinham suas parteiras e faziam o parto dentro da aldeia. Queríamos resgatar isso."
A família então se preparou para a chegada do bebê. Em meio ao parto, a adolescente se manteve firme o quanto pode, até que colocou em dúvida a decisão, conta Neusa. Foi quando a sogra perguntou se a jovem gostaria de ir para o hospital, e a resposta foi "sim". Conseguiram um carro, e Maysa foi colocada no automóvel.
Neusa acompanhava a adolescente no banco de trás enquanto o veículo seguia pela estrada de terra que levaria à rodovia, com destino ao Hospital Geral de Taipas, a cerca de 20 minutos de casa. Mas Brayan não esperou e nasceu dentro do carro, no meio do caminho, no dia 8 de outubro. Mãe e filho foram levados para observação no hospital, onde ficaram por três dias antes de voltar para o Jaraguá.
Tratar a ocupação como uma retomada também faz parte da estratégia guarani de comunicar o resgate de um território. Mas também faz parte de um esforço para regularizar serviços públicos essenciais, como a criação de endereço e a inclusão do local no serviço de coleta de lixo.
A aldeia Pindó Mirim fica na parte noroeste do território ampliado da Terra Indígena Jaraguá. A área demarcada originalmente, de 1,7 hectare, cobre uma das sete aldeias que existem ali. Dentro do território há uma escola, um posto de saúde, um centro de educação e cultura indígena e um centro de convivência, que juntos empregam dezenas de pessoas.
A ampliação para 532 hectares em torno do pico do Jaraguá já foi analisada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e agora aguarda a reserva e a homologação pelo governo federal.
É em Pindó Mirim que Maya cria Brayan, agora prestes a completar quatro meses. Tímida e falando pouco português, ela não quis dar entrevista. O bebê, diz a avó, parece mais extrovertido -está sempre sorridente, "sorrindo para todo mundo".
Danilo, o pai da criança, enterrou a placenta na porta de casa, como manda a tradição guarani, para proteger o lar e quem vive ali.
No futuro, diz Neusa, a ideia é ensinar ao neto e a outras crianças o conhecimento necessário para a proteção do território. Vão aprender, por exemplo, quais são as espécies de árvores usadas no reflorestamento. "Estamos retomando nosso lugar."
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/02/adolescente-guarani-usa-parto-do-filho-para-protestar-pela-ampliacao-da-terra-indigena-jaragua-em-sp.shtml
PIB:Sul
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