Justiça determina redemarcação de TI; fazendas podem ser de propriedade dos Xavantes

Ponto na Curva - pontonacurva.com.br - 16/07/2024
A medida deverá ser realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), sob pena de multa de R$ 500 mil

Após mais de 21 anos, a Justiça determinou a redemarcação da Terra Indígena Sangradouro/Volta Grande, o que pode causar no aumento da área se caso for constatado que as fazendas da região de Primavera do Leste pertencem à TI.

A decisão é do juiz Ciro José de Andrade Arapiraca, da 1ª Vara Federal de Mato Grosso, proferida no último dia 1o.

A medida deverá ser realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), sob pena de multa de R$ 500 mil.

O juiz ainda proibiu os produtores rurais de impedirem os trabalhos de revisão das terras.

A decisão consta numa ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF-MT) em 2003, que reivindicou o retorno imediato do Grupo Técnico à Área Xavante para reiniciar os trabalhos de remarcação da TI.

No processo, foi relatado um conflito na região, envolvendo indígenas e fazendeiros, o que teria resultado em mortes e até incêndio do prédio onde funcionava a Funai.

Ao longo da sentença, o magistrado frisou que o processo não requer, propriamente, a ampliação dos limites da área que os Xavantes atualmente ocupam, mas, sim, a realização de estudos, que podem, de fato, redefinir para uma área maior ou permanecer as terras do jeito que estão.

"Conforme se depreende do feito, o pleito dos Xavantes em relação à redemarcação de suas terras é de longa data, sempre se retardando a adoção de providências efetivas. Foi necessária a ocorrência da morte de um membro da comunidade para que os indígenas em questão tivessem razões suficientes para postular, perante a FUNAI, um estudo dos limites de seu território, formando-se, então, a composição do Grupo Técnico que faria o levantamento inicial de dados para a redemarcação", pontuou o magistrado.

"Todavia, o referido GT teve seus trabalhos obstaculizados, inclusive mediante ameaça e depredação do patrimônio público, de modo que, desde então, não constam informações ou outros elementos nos autos que indiquem que houve o devido prosseguimento".

"Dito isso, é importante reconhecer que se vislumbra incontroverso que o andamento do processo de revisão da Terra Indígena Sangradouro/Volta Grande foi iniciado há cerca de 21 (vinte e um) anos, sendo que este sequer passou pela primeira fase do processo (qualificação para constituição de Grupo de Trabalho). Por conseguinte, importa reconhecer que a demora comprovada nos trabalhos de reestudo dos limites da terra indígena viola flagrantemente o preceito da razoável duração do processo, insculpido no art. 5o, LXXVIII da Constituição Federal, bem como aos prazos previstos no Decreto n. 1.775/96 e na Lei n. 9.784/99", ainda frisou o magistrado.

Ainda na decisão, Arapiraca ponderou que se for comprovado que as fazendas são de ocupação tradicional indígena, os fazendeiros serão indenizados pelas benfeitorias, conforme prevê a Constituição Federal.

O juiz lembrou que a propriedade dos Xavantes sob a TI Sangradouro/Volta Grande e seu entorno remonta às primeiras décadas do século XX. "A região, a partir da década de 60, foi alvo de investida por parte dos empresas de colonização, fazendeiros e posseiros, que vieram seduzidos pela fertilidade da terra e pelos financiamentos concedidos muitas vezes pelo próprio Estado através dos programas de desenvolvimento regionais, ocasionando, eventualmente, o deslocamento daquela Comunidade Indígena dos locais que ocupavam anteriormente", reforçou o juiz

Ao final, destacou: "Por conseguinte, a ausência de revisão da demarcação de terra que contemple todos os pontos abordados pela comunidade indígena pode implicar no comprometimento da reprodução sociocultural do povo Xavante, com consequente violação ao art. 231 da Constituição Federal. A omissão quanto à reivindicação fundiária de natureza revisional ora posta, sem qualquer previsão de prazos para o término do procedimento administrativo por parte da FUNAI, demanda a presença enérgica e célere do Poder Judiciário com a finalidade de assegurar a soberania da Constituição com a plena efetividade do seu conteúdo".

Outro lado

Como representante de sindicatos rurais, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) se manifestou por meio de nota e afirmou que já foram protocolados embargos de declaração contra a decisão.

Na nota, a entidade questionou o fato de que houve duas sentenças proferidas no processo. A primeira, em maio deste ano, que julgou improcedente. Mas a decisão foi retirada da ação, quando aportou a referida sentença determinado a redemarcação da TI.

A Famato também citou a Ação Declaratória de Constitucionalidade 87, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e que discute sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

"Importante frisar que esta decisão, se mantida pelos Tribunais Superiores, dará início a fase inicial de identificação e delimitação da área junto a FUNAI, que poderá ser acompanhado por todas as entidades e interessados, sendo que, ao final, caso o Relatório Técnico firmado pelo grupo de trabalho for aprovado, iniciará o prazo de 90 dias para "manifestação/contestação". Em seguida, a FUNAI deverá responder as contestações e encaminhar os autos para o Ministério da Justiça declarar, ou não, a área como Terra Indígena. Posteriormente, ainda irá para homologação do Presidente da República".

Veja abaixo a nota na íntegra:

A FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO - FAMATO, entidade sindical de 2o grau, inscrita no CNPJ no 03.489.457/0001-08, filiada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), representante de 94 Sindicatos Rurais de Mato Grosso, localizada na rua Eng. Edgard Prado Arze, Edifício da Famato, Centro Político Administrativo, Cuiabá/MT, representada pelo presidente VILMONDES SEBASTIÃO TOMAIN, informa que está acompanhando os desdobramentos da decisão judicial proferida na Ação Civil Pública 0012766-82.2003.4.01.3600, que tramita na 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, promovida pelo Ministério Público Federal em desfavor da União, FUNAI, Associação dos Produtores de Primavera do Leste, Sindicato Rural de Primavera do Leste e outros.

Nos termos da sentença, restou determinado que a FUNAI e a União concluam o processo administrativo de revisão dos limites da TI Sangradouro/Volta Grande, no prazo de 2 (dois) anos, a contar da data sentença, estabelecendo ainda que os demais acionados se abstenham de atrapalhar os trabalhos de redemarcação.

Oportuno destacar que a decisão judicial foi objeto de embargos de declaração com efeitos infringentes, ainda não analisados pelo Juízo, em que restou questionada, dentre diversas questões, a existência da Ação Direta de Constitucionalidade 87, assim como o fato de terem sido prolatadas duas sentenças nos autos.

Quanto a ADC 87, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, em que se discute a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, em especial no que se refere ao marco temporal e a vedação a ampliação de terras indígenas já demarcadas, foi deferida, em 27/06/2024, a participação da FAMATO como amicus curiae, sendo ainda determinada a criação de Comissão Especial com representantes do Congresso Nacional, União, Estados e Municípios, com prazo inicial de duração dos trabalhos até 18.12.2024, a fim de que seja debatido no contexto de uma nova abordagem do litígio constitucional, as ações que discutem a lei do marco temporal.

Em relação a referida ACP 0012766-82.2003.4.01.3600, importante enfatizar que ainda serão julgados os embargos de declaração opostos pelos Requeridos Dirceu Aurélio, Agropecuária Ipê e Outros, que questionam o fato de terem sido proferidas duas sentenças. A 1ª, em 13/05/2024, julgando improcedente a demanda, sob argumento de que não ser cabível a redermarcação pleiteada, pois "ainda que se considere a possibilidade de revisão dos limites da demarcação, quando eivada de erro da Administração, no exercício da autotutela, a via esgota-se no prazo previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/99, qual seja, cinco anos". (...) Na hipótese dos autos, a demarcação administrativa foi finalizada em 1991 e a constituição de Grupo de Técnico para identificação e delimitação da Terra Indígena ocorreu em 2003, cerca de 12 (doze) anos depois (...) o contexto relatado nos autos conduz ao julgamento pela improcedência. Isso porque os Xavantes já tiveram terras demarcadas em grande extensão, além de não existir nos autos a comprovação de haver graves e insanáveis vícios no processo demarcatório.

Por sua vez, esta decisão teria sido retirada do sistema processual, momento em que aportou aos autos a 2ª sentença, esta proferida em 01/07/2024, dando procedência a ação civil pública para determinar a conclusão, no prazo de 2 (dois) anos, do procedimento administrativo pra fins de análise sobre a redermarcação da Terra Indígena, caso haja fundamento legal.

Importante frisar que esta decisão, se mantida pelos Tribunais Superiores, dará início a fase inicial de identificação e delimitação da área junto a FUNAI, que poderá ser acompanhado por todas as entidades e interessados, sendo que, ao final, caso o Relatório Técnico firmado pelo grupo de trabalho for aprovado, iniciará o prazo de 90 dias para "manifestação/contestação". Em seguida, a FUNAI deverá responder as contestações e encaminhar os autos para o Ministério da Justiça declarar, ou não, a área como Terra Indígena. Posteriormente, ainda irá para homologação do Presidente da República.

Vale ainda esclarecer que a FAMATO já acompanha o procedimento administrativo da Terra Indígena Sangradouro/Volta Grande, ora objeto do embate judicial, sendo que ingressou com requerimento junto a FUNAI em 20/03/2024 (Protocolo no 000173.0020885/2024), momento em que destacou a necessidade de que sejam observadas as alterações legais promovidas pela Lei Federal no 14.701/2023 e solicitou a participação na demanda.

Por fim, ressalta-se que a FAMATO também pleiteou junto a FUNAI o ingresso em outros 28 (vinte oito) processos administrativos de demarcação de Terras Indígenas em Mato Grosso.

A FAMATO reforça que continuará mantendo o foco nas medidas que geram resultados para garantia constitucional ao direito de propriedade, juntamente com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sindicatos Rurais, Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Instituto Pensar Agro (IPA), bancada ruralista, deputados federais e senadores de Mato Grosso.

VILMONDES SEBASTIÃO TOMAIN
PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO


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