Líder indígena diz que seca está provocando falta de alimentos, remédios e dificultando atendimento médico no Vale do Javari

O Globo - https://oglobo.globo.com/ - 03/10/2024
Líder indígena diz que seca está provocando falta de alimentos, remédios e dificultando atendimento médico no Vale do Javari

Míriam Leitão

03/10/2024

Faltam alimentos, gasolina, remédio, insumos para o atendimento médico dos povos do Vale do Javari, no Amazonas. É o que me contou Beto Marubo, um dos líderes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) que acaba de voltar da região, onde fez uma reunião com a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e a Funai.

Com a seca, os barcos que transportariam esses insumos para a Sesai estão encalhados. A equipe médica que atende o povo local já está há 120 dias sem perspectiva de rendição, os doentes que precisariam de remoção não conseguem ser deslocados, duas crianças já morreram. Na Aldeia São Sebastião, conta Marubo, um indígena, que se acredita tenha sido mordido por uma cobra, encontra-se debilitado sem atendimento adequado.

Povos isolados, que não têm contato com ninguém, a não ser seu próprio grupo étnico, por conta da seca, estão se deslocando para a margem dos rios, foram avistados no Rio Branco e em Itaquaí. Isso representa um risco grande para esses indígenas, pois sem estarem preparados do ponto de vista epidemiológico para o contato com outros grupos, correm o risco de se contaminarem e isso se transformar num surto epidemiológico nessas populações. Já vimos essa história outras vezes, de contato sem cuidado, que acabaram levando a morte por gripe e outras doenças que podem parecer banais. O fato é que eles não têm defesa.

Na avaliação de Beto Marubo, o Ministério da Defesa é o único que pode ter estrutura para dar uma solução a situação no Vale do Javari. Será preciso, diz, a Força Aérea e o Exército com suas aeronaves e helicópteros para levar os insumos necessários, como remédios e alimentos, e trocar as equipes que atuam na região.

Uma outra situação que preocupa é dos indígenas que foram para Atalaia do Norte para receber benefícios do Bolsa Família ou resolver outras necessidades e não conseguem voltar para as aldeias devido a falta de navegabilidade dos rios. A Funai não tem instalações que possam receber a todos, porque geralmente a mãe vai à cidade e leva as crianças junto. Marubo conta que há crianças que têm que beber água ali no Porto de Atalaia e o medo é que se repita a tragédia de 2010, quando as crianças foram contaminadas bebendo essa água e houve um grande número de mortes.

Há dois pedidos de calamidade pública, um do Estado do Amazonas e outra de Atalaia do Norte, nenhum dos dois, no entanto teve resposta do governo.

Nem a própria Sesai tem dado resposta a essas emergências no Vale do Javari, uma área muito isolada, no Amazonas, e que precisa nesse momento de apoio. Isto porque, essa é uma região que usualmente tem muita água, sendo todo o transporte é feito pelos rios, mas eles secaram e estão todos isolados. Há grande distância entre as aldeias, as mais próximas estão cinco horas de viagem entre as aldeias. Há aldeias que estão a 15 dias de barco. Na visão de Beto Marubo é preciso uma força-tarefa que inclua o Ministério da Defesa.

O governo criou uma sala de situação para acompanhar as emergências, precisamos fazer com que essas informações cheguem lá para que se faça alguma coisa pelos povos do Vale de Javari. Lembrando que foi nessa região onde foram assinados o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira que atuavam justamente na defesa desses povos.

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