"Estávamos sendo exterminados. Há muitos anos queríamos conhecer os povos não indígenas, mas éramos atacados e nossos avós e tios morreram, muita gente (morreu). Não me considerem como isolado, mas como protetor da minha terra, da minha casa. Sou um ser humano e, assim como os outros parentes, sinto dor, eu choro, minha família sente dor, meus filhos sentem dor. Queremos viver em paz. Queremos ser respeitados".
A declaração é de Txitxonpi Korubo na mesa de debate sobre o direito dos povos autônomos, que decidem pelo não contato com a sociedade envolvente, durante o ATL (Acampamento Terra Livre) deste ano em Brasília, realizado no mês de abril. Guardo como uma das memórias mais especiais e emocionantes de 2024.
De acordo com a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), o grupo de Txitxonpi e Tavanzinho Korubo foi contatado pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) na década de 90, quando eles ainda eram crianças. Tavanzinho aprendeu a entender e falar português na sua aldeia. Outros grupos foram contatados ao longo do tempo. O último em 2019 pelo indigenista Bruno Pereira.
O ano de 2024 foi um marco para os korubo e os povos autônomos do Javari, no ATL, porque foi a primeira participação deste povo de recente contato, representados por Txitxonpi e Tavanzinho, no evento. Um momento histórico. O acampamento é a maior manifestação política dos povos indígenas do Brasil e o Vale do Javari, no noroeste do Amazonas, o local com maior concentração de povos autônomos e de recente contato do planeta.
No ATL, tive a oportunidade de observar, captar informações e lições diretas a respeito de tudo o que havia lido e ouvido sobre a firmeza política nas decisões de povos autônomos; a contemporaneidade e consciência de suas avaliações do lugar que ocupam no mundo e dos que os cercam; e a sabedoria deles.
Pedi para entrevistá-los, mesmo consciente de minhas limitações. Meu contato foi com Tavanzinho Korubo. Falou rápido, em korubo. Não quis falar comigo em português e decidiu que não queria me dar entrevista.
Disse apenas que as histórias que eu queria saber eram muito tristes. Um ancião indígena matis e um jovem mayoruna tentaram convencê-lo de que lideranças das demais etnias falaram com jornalistas e isso seria bom para o Javari. Insistiram com Tavanzinho que um korubo também deveria falar. Ele ouviu atento com postura corporal firme e cabeça erguida. Manteve a negativa à entrevista.
Me reconheceu como interlocutora e olhou nos meu rosto diretamente, quando eu disse que respeitava sua decisão e agradecia a oportunidade da conversa, ainda que rápida.
Nos discursos, ao final de suas falas, Tavanzinho Korubo e Txitxonpi entoaram um canto tradicional korubo, descrito assim pelo ator indígena Abrão Mayoruna: "É um canto tradicional do povo korubo em que ele diz: 'Estou bem. Estou feliz e esperamos continuar assim e que outros povos sejam felizes também'. O canto deles é como se fosse um pedido de paz. Você viu que um estava olhando para o rosto do outro? Esse olhar significa que somos iguais. Você me vê, eu te vejo, sou igual a você", explicou Abrão.
Com suas bordunas nas mãos e firmeza no olhar, os dois korubos afirmaram aos que os ouviam que eles são dois do povo que continua lutando para defender o território e que não aceitam mais os invasores que os ameaçam, que geram violências, garimpo e retirada de madeiras.
"Somos uma das pessoas que lutam para defender o território. Não é porque somos considerados isolados que não sabemos a dimensão da luta. Os pescadores mataram meu sogro. Não vamos deixar por isso mesmo. Vamos continuar lutando pelas nossas vidas".
Entrevisto políticos, acadêmicos e toda sorte de gente há 20 anos. Difícil encontrar exposições e posições neste nível. Compartilho aqui as palavras de Txitxonpi Korubo no ATL. A tradução foi feita a meu pedido pelo coordenador da Univaja, Bushe Matis, pelo ator indígena Abrão Mayoruna e pelo advogado Eliésio Marubo:
"Estávamos sendo exterminados. Há muitos anos queríamos conhecer os povos não indígenas, mas éramos atacados e nossos avós e tios morreram, muita gente. O governo chegou para fazer o contato e agora estamos lutando para salvar outros povos isolados que estão no meio da floresta. Não aceitamos mais ameaças, violências, garimpo, retirada das madeiras, que sempre ficam querendo entrar no nosso território. Não queremos mais. Somos uma das pessoas que lutam para defender o território. Não é porque somos considerados isolados que não sabemos a dimensão da luta. Os pescadores mataram meu sogro. Não vamos deixar por isso mesmo. Vamos continuar lutando pelas nossas vidas. Que não me considerem como isolado, mas como protetor da minha terra, protetor de onde eu moro, protetor da minha casa. Que vocês possam entender que eu sou um ser humano assim como os outros demais parentes, sinto dor, eu choro, minha família sente dor, meus filhos sentem dor. Eu não quero que aconteça de novo o que aconteceu com meu sogro. Eu não quero que aconteça mais. Queremos viver em paz, com a natureza do Vale do Javari. Queremos ser respeitados"
https://www.acritica.com/opiniao/queremos-viver-em-paz-estavamos-sendo-exterminados-1.360889
PIB:Javari
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