Líder de aldeia cobra governo após ataque a tiros ferir quatro indígenas no PR: 'Foram avisados de que corríamos risco'
Karai Okaju avalia que lentidão no processo de demarcação de terra agrava conflito fundiário e prejudica a preservação dos direitos dos povos originários no Oeste paranaense
Luis Felipe Azevedo
08/01/2025
O conflito de terras no Oeste do Paraná que está por trás do ataque contra indígenas Avá-Guarani que deixou quatro pessoas feridas por tiros, incluindo uma criança e um adolescente, na última sexta-feira, é agravado pela lentidão na conclusão do processo de demarcação da Terra Indígena, que perdura desde 2009. A avaliação é do líder da aldeia Yvy Okaju, Karai Okaju, que destaca a vulnerabilidade dos povos originários no local, uma vez que o ataque ocorreu a apenas cinco quilômetros do centro da cidade de Guaíra, onde há uma sede da Polícia Federal (PF).
- A demora na demarcação tem como impacto o ódio e o preconceito da sociedade contra os indígenas. O cenário vem trazendo quadros graves de depressão e uma epidemia de suicídio, que ocorre por falta de esperança em uma melhora - diz Okaju.
A liderança cobra investimento em um trabalho conjunto entre o Poder Público e os Povos Originários, já que o relato de indígenas sobre as constantes ameaças de invasores aos órgãos federais não foi capaz de impedir novos ataques.
- Os órgãos foram avisados que corríamos risco de sermos atacados a qualquer momento. Não sabemos avaliar se foi uma omissão ou se as denúncias não foram levadas a sério - pontua.
O início do conflito de terras na região se deu porque, com a construção de Itaipu, indígenas precisaram ser removidos do local e espaços considerados sagrados, como cemitérios e casas de reza, foram inundados. Muitos avás-guaranis foram assentados em Guaíra e disputam terras com fazendeiros locais.
Na terça-feira, a Justiça Federal do Paraná determinou a ampliação do efetivo de forças policiais nos municípios de Guaraí e Terra Roxa para proteção da comunidade Yvy Okaju. Por decisão do juiz Pedro Pimenta Bossi, titular da 3ª Vara Federal de Umuarama, agentes da PF e da Força Nacional "deverão permanecer no local enquanto persistirem ameaças aos povos originários".
Lentidão na demarcação
A área em questão está dentro da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, que foi identificada e delimitada em relatório publicado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018. Os estudos para identificação da TI tiveram início em 2009, ou seja, foram quase dez anos até a publicação do relatório.
Desde então, não houve mudanças no cenário. Uma ação impetrada pelo município de Guaíra e pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná, que alegavam não terem participado do processo de definição do território, levou à suspensão dos efeitos do relatório, em caráter limintar, pela Justiça Federal. Por isso, os indígenas locais seguiram vivendo nos pequenos espaços das atuais aldeias, sem que houvesse demarcação.
Em 2020, uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin suspendeu o andamento de processos judiciais que questionam Terras Indígenas até a conclusão pela Corte do julgamento de todos os pontos e recursos sobre o Marco Temporal.
"Os Avá-Guarani vivem em condições de extrema vulnerabilidade, de fome, de acesso precário à água, sem espaço para plantar, sendo constantemente humilhados nas cidades do entorno, ainda precisam suportar seguidos episódios de lideranças ameaçadas, (...) com forte participação de sindicatos rurais e políticos locais", afirma a assessoria jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa.
Em nota, a Funai afirmou que "está em constante diálogo com órgãos e instituições competentes para equacionar os conflitos" na TI.
Promessa de campanha
Promessa de Lula durante a campanha eleitoral de 2022, a demarcação de Terras Indígenas virou uma pedra no sapato da gestão petista. Logo após a vitória nas urnas, o presidente constituiu uma equipe para levantar 14 territórios que aguardavam apenas um decreto presidencial para concluir o processo de demarcação.
Lula se comprometeu a tirá-las do papel nos cem primeiros dias do governo, mas o prazo não foi cumprido em grande parte dos casos. Passados dois anos da gestão, um desses 14 territórios ainda não foi homologado e se encontra em um impasse: Xucuru-Kariri, em Alagoas. O movimento indígena se queixa do atraso e do avanço do garimpo em suas terras.
A Funai afirma que, além das novas homologações, o governo federal "avançou na promoção dos direitos territoriais indígenas por meio da assinatura de portarias que garantem o andamento do processo demarcatório". Também houve no período 11 declarações de TI, etapa anterior à homologação até a demarcação das terras.
O Ministério dos Povos Indígenas disse, em nota, que a demarcação de TIs é um compromisso do governo federal e ressaltou que o número de 13 homologações nos dois primeiros anos de gestão é superior às 11 alcançadas na década anterior à criação da pasta.
O líder indígena Karai Okaju avalia que "nenhum governo até hoje deu terras aos povos originários", o que impede que haja decepção com o governo Lula. O ativista ressalta, entretanto, que os povos esperavam uma melhoria na garantia dos direitos dos povos indígenas que ainda "não ocorreu":
- Todas as terras indígenas foram conquistadas a partir do derramamento de sangue e perdas irreparáveis. Não estamos decepcionados com o governo porque não esperamos melhorias sem que haja essas perdas no caminho.
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/01/08/lider-de-aldeia-cobra-governo-apos-ataque-a-tiros-ferir-quatro-indigenas-no-pr-foram-avisados-de-que-corriamos-risco.ghtml
PIB:Sul
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- TI Tekohá Guasu Guavira
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