O conhecimento indígena entra na academia
Victor Felix, indígena Potiguara da Paraíba, quer tropicalizar os estudos do solo
Meghie Rodrigues
06/02/2025
Empregar a mesma fôrma para estudar e fazer agricultura em qualquer lugar é a receita para o erro, defende o agroecólogo Victor Felix. Ele explica que as ciências e instituições agrárias brasileiras importaram o modus operandi da pesquisa europeia, de viés colonialista e adequado a ambientes temperados. "A gente sabe que [aqui] dá errado porque é preciso levar em conta outros critérios, outros ambientes e outros fatores", ele diz.
O objetivo de Felix, doutor em ciências do solo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é avançar para a "tropicalização" dos estudos do solo. Ele une conhecimento ocidental e indígena para construir um jeito novo -e mais rico- de enxergar a relação entre humanos e a terra sob nossos pés. "Quando a gente se aproxima dos povos indígenas, que são detentores de um conhecimento profundo sobre seus territórios e o ambiente tropical, podemos encontrar saídas não apenas para a agricultura, mas para a gestão territorial em nível local e até nacional."
Felix entende do que está falando. Nascido e criado em uma aldeia Potiguara em Baía da Traição, município com menos de 10 mil pessoas no litoral paraibano, ele cruza métodos de manejo da terra que viu enquanto crescia às técnicas da pedologia -a ciência dos solos ocidental.
O resultado disso é a etnopedologia, técnica que Felix usou para melhorar o mapeamento do solo na Terra Indígena Potiguara na Paraíba ano passado. Agora, na pesquisa de pós-doutorado desenvolvida junto ao Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (uma parceria entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba - FCT), além de continuar os estudos no território Potiguara, ele pretende testar a metodologia para mapear o solo de comunidades da Serra da Bocaina, no sul do Rio de Janeiro.
Mapeamento de solo é uma forma de representar cartograficamente as características e propriedades do solo de uma área. A técnica é bastante útil na agricultura porque ajuda no planejamento de cultivos e manejo da terra.
Em 2013, terminando sua graduação em agroecologia, Felix atualizou o mapeamento de solo de sua comunidade, a aldeia de São Miguel. "Os mapas oficiais eram baseados em dados da década de 1970, sem muito detalhamento, e só registravam um tipo de solo", ele conta. No novo levantamento foram registrados quatro tipos de solo: indígenas da aldeia indicaram onde eles estavam e, se valendo da pedologia acadêmica, Felix registrou esse detalhamento. O achado só foi surpresa para a academia, ele diz: "Na comunidade mesmo, nada mudou. Os indígenas já sabiam dessa variedade de solos e já faziam o manejo e os plantios de acordo. O importante foi ter isso documentado de forma oficial".
O registro com rigor e valor científico é especialmente importante dado o apagamento do conhecimento indígena perpetrado por séculos no Brasil. "Não apenas apagado, mas também usurpado", Felix ressalta.
O etnopedólogo reitera a importância de registrar cientificamente o conhecimento indígena -fortemente baseado na cultura oral- para que gerações futuras tenham acesso a esse saber: "E para que possam difundi-lo para fora das aldeias, na academia. Faço parte de uma geração indígena que está entrando massivamente na universidade. Sou fruto da luta dos anciãos que vieram antes de nós."
https://www1.folha.uol.com.br/blogs/ciencia-fundamental/2025/02/o-conhecimento-indigena-entra-na-academia.shtml
PIB:Nordeste
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