Educação que contempla a cultura indígena é o novo instrumento de reafirmação das etnias
Poranga. As expressões culturais indígenas, representadas nas danças, na religiosidade, nas lendas, brincadeiras ou artesanatos, têm uma importante razão de ser: reafirmação étnica. Muitos elementos culturais de dimensão simbólica estavam resguardados, assim como o reconhecimento do índio como índio. Foi nas últimas duas décadas que as etnias indígenas do Ceará fizeram eles próprios e os "não-índios" redescobrirem suas artes, elementos culturais que denunciam a autenticidade do povo e funcionam como elemento de luta na reivindicação de seus direitos naturais. O principal elemento na ponta da lança chama-se educação.
Os missionários jesuítas começaram a aculturação dos índios por meio da catequização escolar. Então "a escola é uma faca de dois gumes, ela constrói, mas também destrói". A frase da missionária indigenista Maria Amélia Leite, da Associação Missão Tremembé, refere-se à escola tradicional, "dos brancos", como dizem os índios, estes que no início dos anos 1990 reclamavam que não queriam mais estudar, porque a educação não contemplava sua cultura. Em 1995, já no seio da luta pelo reconhecimento étnico, os índios Tremembé de Almofala, município de Itarema, no Litoral Oeste do Estado, tiveram a primeira escola indígena, com educação diferenciada, em que os índios, além dos conhecimentos das escolas tradicionais, são esclarecidos sobre sua cultura, costumes, crenças e transmissão dos saberes ancestrais.
Hoje, existem no Ceará 39 escolas indígenas, espalhadas em dezenas de comunidades de 16 municípios do Interior, alfabetizando desde as crianças aos adultos. Os professores são gente da própria comunidade, não sem antes passar por um processo de capacitação. É o magistério indígena, que acontece desde 1997 em parceria com a Secretaria de Educação do Estado. A índia Tapeba Naara Nascimento Costa, 18 anos, foi educada na escola indígena em Caucaia, mas fez o Ensino Médio na escola tradicional. Algumas jovens como ela seguem o caminho da sala de aula para o magistério indígena, um processo ainda muito delicado.
A informação é colocada, também entre os índios, como instrumento de luta. Para romper o preconceito que ainda sofrem em praticamente todas as comunidades em que vivem, passaram a externar muitos de seus valores culturais, acolhendo e conquistando a simpatia dos não-índios, que passam a conhecer o toré, o torém (no caso dos Tremembé), o artesanato em barro, tecidos, brincos, colares ou publicações de escritores indígenas.
Elemento dos mais representativos, o toré é, mais do que dança para esses povos, um ritual sagrado, de alegria e abstração do mundo visto aos olhos dos não-índios. Com a presença do cacique e do pajé, percussão de tambores e maracás, mocororó (bebida feita do caju azedo) os índios entoam os cânticos sagrados, de protesto e de diversão. O ritual tem sido realizado em todos os dias de início das discussões na XIV Assembléia Estadual dos Povos Indígenas. Com a presença das diversas etnias em um só passo, uma só roda, a dança assume o caráter religioso, com as preces ao "Pai Tupã", pedindo bênçãos para as propostas sobre educação, saúde, terra e políticas públicas indígenas. Ao mesmo tempo, é uma verdadeira festa. O palco é um frondoso e secular cajueiro, que dá nome a essa aldeia em Poranga.
Pai Tupã
Aos "donos naturais" da "terra brasilis", a natureza atua diretamente na vida dos povos, não somente do ponto de vista funcional. "Pai Tupã está na água, está na árvore, está nos animais, ele fez tudo", explica Cacique Pequena, da etnia Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz. Em Maracanaú, a apenas 13 quilômetros de Fortaleza, as comunidades Pitaguary têm uma mangueira frutífera antiga - mais de mil anos, segundo os índios. A árvore é identificada como a mãe-natureza, ao mesmo tempo é retrato de lembrança dos ancestrais.
Para a antropóloga Joceny Pinheiro, no livro "Ceará terra da luz, terra dos índios", a árvore tem dimensão material, simbólica e funcional. "É a lembrança do que passou, ao mesmo tempo em que se configura como palco de uma atividade contemporânea: a dança sagrada do toré'.
Importante ressaltar que os índios possuem sua identidade cultural, mas também suas singularidades, próprias de cada etnia. Assim, a dança dos Tremembé chama-se Torém, com um caráter menos sagrado que o Toré e conhecido como "a brincadeira dos índios velhos".
Da natureza vem a caça, a pesca, a agricultura e a arte, que se transforma em renda nas delicadas mãos da índia Potiguara Maria Germana, 55 anos. Só foi abrir seu estojo de brincos e colares na Aldeia Cajueiro, em Poranga, para "chover" de gente, principalmente as índias jovens. Depois do pó de maquiagem, batom e cocá adornando a cabeça, não pode faltar um brinco de pena ou colar de sementes.
"Meu filho, aqui tem coisa de um real, de dois, de dez, os preços são variados mas pra mim o que importa é as pessoas terem o meu trabalho. Depender de mim não volto pra casa com nenhum colar pra vender ainda", contenta-se com a boa freguesia a índia Germana. Ainda deu de presente ao repórter um colar de semente de jatobá que, conforme o pajé Tremembé Luiz Caboclo - Luís Manoel do Nascimento, eleito mestre da cultura tradicional popular do Ceará, pela Secretaria da Cultura - tem poder antiinflamatório. "Tudo na natureza é remédio, e quando você coloca, dá uma área de proteção", diz pajé Luís Caboclo, líder espiritual dos Tremembé. É o caso das gerações de caciques, que transmitem "as guias", colares grandes que os protegem do mal.
São 39 escolas indígenas no Ceará, em dezenas de comunidades de 16 municípios
O pajé Luís Caboclo produz maracá, arco e flecha, alianças, brincos, colares, bolsas de madeira e palha, e vende muito tanto para índios quanto para visitantes da comunidade localizada em Almofala. Para onde ele vai, leva um monte de "coisa de índio".
MELQUÍADES JÚNIOR
Colaborador
Mais informações:
Equipe de Educação Escolar Indígena da Secretaria Estadual da Educação
Fortaleza (CE)
(85) 3101.3934
PIB:Nordeste
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