Nota de esclarecimento sobre o término do convênio CIR-Funasa

CIR - http://www.cir.org.br/ - 05/07/2010
A experiência do Conselho Indígena de Roraima - CIR na execução de projetos de saúde teve início na década de noventa com a gestão compartilhada da atenção básica à saúde e o desenvolvimento de recursos humanos indígenas na área do Distrito Sanitário Indígena do Leste de Roraima. O distrito abarca seis etnias (Povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Ingaricó, Patamona e Wai-Wai), e uma população de mais de 36.000 pessoas vivendo em 294 aldeias localizadas ao leste do estado. Metade desta população vive na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol e a outra metade em outras trinta terras indígenas de diferentes tamanhos, constituindo junto com os povos indígenas do Distrito Sanitário Yanomami mais da metade da população rural do estado de Roraima.

O primeiro convênio do CIR com a Fundação Nacional de Saúde foi firmado no ano de 1996 por iniciativa do então Ministro da Saúde Dr. Adib Jatene, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de um programa de atenção primária à saúde entre as comunidades indígenas do leste de Roraima, tendo como horizonte a implantação de um Distrito Sanitário Especial Indígena nos moldes preconizados pela segunda Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas realizada em 1993. As atividades prosseguiram de forma ininterrupta até o ano de 2009, atravessando cinco governos e gestões de diferentes linhas políticas, sendo sempre considerado um projeto pioneiro e exemplar, com todas as suas prestações de contas e cumprimento de metas aprovados e reconhecidos.

A partir do ano de 2004, com a edição da Portaria 70 pela Fundação Nacional de Saúde, o convênio foi perdendo gradualmente sua capacidade gerencial, passando a conviver com problemas crônicos de falta de medicamentos, sucateamento dos equipamentos e atraso nos recursos, motivados por perseguições políticas e repetidos escândalos de corrupção que acometeram a coordenação regional da FUNASA em Roraima. No mês de maio de 2009, apesar da relutância das lideranças indígenas que reconheciam a importância do trabalho realizado, mas também consideravam a impossibilidade de uma atuação satisfatória nas condições apresentadas, a coordenação do Conselho Indígena de Roraima decidiu entregar totalmente a responsabilidade da execução das ações de saúde indígena no leste de Roraima para a FUNASA.

As exigências das lideranças indígenas do CIR para o período de transição incluíram o cumprimento do compromisso pelo governo federal de criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena, a não aceitação do convênio proposto pela FUNASA com o Governo do Estado (tradicional inimigo dos povos indígenas de Roraima), e a contratação através de processo seletivo simplificado dos 450 profissionais indígenas de saúde que atuavam no Projeto CIR-Saúde. O convênio foi encerrado com sua situação financeira e administrativa plenamente regular, com todas as rescisões e dívidas trabalhistas atendidas integralmente, com o acompanhamento do Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal.

A FUNASA ao longo dos seus dez anos de gestão plena da saúde indígena nunca tomou medidas efetivas para promover a autonomia dos distritos. Nos últimos anos se agravaram os problemas básicos de gestão, com a centralização progressiva das decisões no nível central do órgão, levando à insuficiência de medicamentos e materiais médicos na maioria dos distritos e ao sucateamento da infra-estrutura dos postos de saúde e dos equipamentos utilizados na área, como transportes, comunicação, microscópios, balanças, etc. Enquanto isto se multiplicavam pelo país as denúncias de uso político e os escândalos de corrupção nas diversas instâncias do órgão.

A caótica gestão da saúde indígena contribuiu para a estratégia de penalização dos convênios pela FUNASA, transformando-os em "bodes expiatórios" e inviabilizando a sua continuidade, devido à sobrecarga de auditorias e investigações que provocaram o atraso nos repasses e a paralisação de suas atividades na área. Esta situação atingiu a maioria das organizações e parceiros do movimento indígena que ajudaram a construir os distritos sanitários desde a sua criação, e foi agravada pela existência dos "falsos convênios" denunciados pelo Ministério Público do Trabalho, surgidos após a edição da Portaria 70 com a única finalidade de intermediar recursos humanos para a FUNASA.

A feroz campanha movida contra o Convênio CIR-FUNASA na mídia local e nacional é só mais um capítulo da guerra movida pelos grupos políticos de Roraima enraizados nos diversos órgãos da máquina pública, motivada principalmente pelo conflito em torno da conclusão do processo de homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. A tentativa de desqualificar a organização indígena com denúncias de supostos desmandos e deficiências administrativas tenta mascarar as falhas reais na gestão da saúde indígena, em sua maior parte causadas pela ineficácia administrativa e entraves burocráticos criados pelo próprio órgão gestor da saúde indígena no país.

Como conseqüência desta situação criada, a assistência à saúde indígena em Roraima está atravessando a sua mais grave crise desde a criação dos Distritos Sanitários Indígenas pelo governo federal no ano de 1999. O encerramento do convênio com o Conselho Indígena de Roraima na área do DSEI Leste de Roraima, assim como dos convênios com a URIHI (2004) e SECOYA e Diocese de Roraima (2009) na área do DSEI Yanomami, estão provocando um verdadeiro caos na assistência à saúde das comunidades indígenas no estado. A execução direta das ações de saúde foi assumida de forma improvisada pela FUNASA, que não dispõe de recursos humanos ou condições logísticas para a prestação de uma assistência adequada na área.

O Conselho Indígena de Roraima em seus quatorze anos de parceria com o governo federal na atenção à saúde indígena levou até as últimas conseqüências a opção pelo modelo assistencial preconizado nas conferências. No ano de 2007 foi certificado pela Escola Técnica de Saúde do SUS um grupo de 374 agentes indígenas de saúde de todas as etnias do distrito, após um processo de capacitação que se estendeu por mais de seis anos com uma carga horária em torno de 1.200 horas. A formação continuada inclui também agentes indígenas de microscopia, controle de endemias, consultório dentário, e técnicos de enfermagem indígenas.

A promoção do controle social e da gestão participativa se dá através da atuação permanente do Conselho Distrital e dos nove Conselhos Locais de Saúde, bem como a realização de oficinas de planejamento semestrais, capacitação de conselheiros, e o apoio às assembléias e demais atividades próprias de mobilização comunitária. A Medicina Tradicional Indígena se fortalece pela interação dos pajés e curadores tradicionais com os agentes indígenas e demais profissionais com cuidadosa formação antropológica. As Parteiras Tradicionais Indígenas são responsáveis por mais da metade dos partos realizados, com uma média de 1.200 nascimentos e um crescimento sustentado próximo dos 4% ao ano no distrito.

Os principais indicadores de saúde mostram uma melhora significativa da situação de saúde no período. O Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) manteve uma tendência sustentada de queda, baixando de 45,2 óbitos por mil nascidos vivos no ano 2000 para 27,4 no ano de 2008. Os índices de cobertura vacinal mantiveram-se em níveis satisfatórios em todas as faixas etárias, subindo de índices inferiores a 50% no ano 2000 para mais de 90% da população imunizada para todas as vacinas preconizadas no ano de 2008.

A rede básica de assistência do distrito foi estruturada em sua maior parte pelas próprias comunidades de uma forma progressiva, com a constituição de 34 pólos-base e um total de 235 postos de saúde e 84 laboratórios de microscopia, onde atuam 320 agentes indígenas de saúde (AIS), 136 agentes indígenas de microscopia (AIM), 28 agentes indígenas de endemias (AIEN), 8 agentes indígenas de consultório dentário (AICD) e 75 agentes indígenas de saneamento (AISAN).

Desde o início do convênio, a preocupação central da coordenação do CIR e das lideranças indígenas foi o desenvolvimento de um trabalho de saúde integrado entre todas as comunidades, independente de posicionamentos políticos ou divergências existentes em outras áreas de atuação. Os principais objetivos alcançados durante a vigência desta parceria com o governo federal foram a construção de um modelo de gestão participativa e o fortalecimento do protagonismo dos povos indígenas na organização dos serviços de saúde voltados às suas comunidades, em consonância com a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, a Constituição Federal do Brasil, a Convenção 169 da OIT, e a Declaração sobre os Direitos dos Povos indígenas da ONU.

Boa Vista - RR, 15 de julho de 2009.

http://www.cir.org.br/portal/?q=node/727
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