Povo indígena Ianomâmi na fronteira da polêmica

Gazeta do Povo-Curitiba-PR - 09/08/2004
Nunca um povo indígena causou tanta polêmica quanto os Ianomâmis. Desta vez, foi o vice-presidente da República, José Alencar, quem deu munição para os debates. No mês passado, em visita a Curitiba (PR), Alencar afirmou que "os Ianomâmis querem acrescer sua reserva em mais 10 milhões de hectares e daqui a pouco podem querer declarar independência." Ele se referia às dificuldades do Brasil para fazer a segurança de suas fronteiras. Alencar foi categórico ao afirmar que o Brasil não tem recursos para atender às exigências da defesa nacional. Ou pior, sequer existem condições de vigiar ou mesmo de garantir a soberania do país nas regiões de fronteiras.

Nesse contexto, a expansão da reserva indígena - que fica próxima a fronteira com a Venezuela - tornaria mais difícil a tarefa do governo de defender o território brasileiro da interferência de outros países ou de invasões de todo tipo de explorador de recursos naturais. O vice-presidente retomou o fôlego e atirou uma outra carga contra os Ianomâmis e a suposta intenção dos indígenas de criar uma "nação soberana" dentro do território de Roraima, com apoio estrangeiro. "Os Estados Unidos podem reconhecer essa independência e aí teremos que gastar muito dinheiro para tentar recuperar essa área", disse. Alencar faz referência a uma teoria cara a alguns grupos nacionalistas: o governo dos Estados Unidos estimularia os Ianomâmis a pedirem independência, desmembrando o território brasileiro num novo país que seria controlado pelos americanos.

O professor e doutor em Direito Ambiental, Celso Fiorillo, afirma que qualquer tentativa de reinvindicar a transformação da reserva Ianomâmi em território independente, através do conceito de nação, mesmo diante das Nações Unidas, é uma "sandice". "Os índios fazem parte da população brasileira e estão sujeitos às leis nacionais", observou.

Mesmo que haja uma possível ação dos Ianomâmis neste sentido, para o jurista essa argumentação não teria reverberação dentro dos tribunais internacionais. Entretanto, ele tem consciência de que a hipótese levantada pelo vice-presidente José Alencar deve ser considerada. "Os Estados Unidos podem invadir sim a região dizendo que estão defendendo a tal da nação Ianomami, já fizeram isto em boa parte do mundo", argumentou.

O deputado federal paranaense e membro da Comissão de Defesa, André Zacharow, conta que os parlamentares estão atentos às denúncias que diariamente chegam aos gabinetes do Legislativo em Brasília. Para ele, a internacionalização tanto da região como da reserva indígena é uma realidade. "Existe uma forte atuação política das ONGs e elas pregam esse conceito de nação soberana para os índios", revelou.

Programa de índio

Todo burburinho e as denúncias que cruzam todos os cantos do planeta em extensos textos pela internet, a maioria delas infundada e usando autorias falsas, criam o clima propício para especulações e o agravamento das preocupações nos poderes públicos.

Entre os dias 6 e 9 de maio deste ano, o boletim do Ministério Público Militar trouxe a informação de que a procuradora-geral da Justiça Militar, Maria Ester Henriques Tavares, integrou uma comitiva composta por representantes do Poder Judiciário e de Funções Essenciais à Justiça. O grupo visitou a Região Amazônica a convite do Exército Brasileiro.

Na ocasião, os participantes presenciaram o trabalho desenvolvido pelo Exército na Amazônia e tomaram conhecimento da "realidade regional, particularmente na faixa de fronteira", como diz o texto.

O documento continua: "Em Roraima, o grupo visitou a Reserva Indígena Ianomâmi, uma área de aproximadamente 10 milhões de hectares ( 97 mil km2) quase do tamanho de Portugal, e constatou os benefícios que a presença do Pelotão de Fronteira trouxe para a comunidade".

"O Exército é a única alternativa de atendimento médico e odontológico da região. Você sobrevoa longas extensões de floresta e o máximo que vê são algumas poucas malocas distribuídas numa imensidão verde. Vale ressaltar que o processo de aculturação dos Ianomâmi é menor, eles têm pouco contato com o homem branco e precisam ser protegidos", explica Maria Ester.

Mas por que um grupo de índios gera tanta preocupação, polêmica e intriga? A resposta é fácil. Basta entender o potencial existente no subsolo desta reserva indígena. Somente no segmento mineral, os números estimados - e até um tanto modestos - atingem a cifra de US$ 1 trilhão.

Nessa região encontram-se os mais preciosos e raros minérios como neóbio, ouro, quartzo e tantos outros, além de farto potencial de água potável. Além desses metais raros serem importantes no desenvolvimento de tecnologias de ponta.

A terra dos índios Ianomâmis já foi invadida, envenenada por garimpeiros ilegais e se tornou campo de batalha de imensos genocídios. Mais de 2 mil indígenas foram mortos em confrontos com os colonos no início dos anos 60.

Outra história, que beira os abismos do absurdo, é que cientistas norte-americanos teriam espalhado o sarampo intencionalmente, buscando comprovar teorias eugenistas por eles formuladas, que afirmavam a superioridade genética dos membros mais violentos da etnia Ianomâmi.

Segundo a secretária executiva da ONG Comissão Pró-Ianomâmi, Jô de Oliveira, as supostas denúncias sobre ameaça à soberania do Brasil são "pretextos para que não se demarque as terras indígenas". Ela defende, inclusive, a pretensa expansão da área de reserva. "Todos sabem que o problema são as riquezas existentes no lugar e se for demarcado como áreas dos Ianomâmis não poderão explorar", revelou.

Ianomâmis - Nem mesmo antropólogos e indianistas conseguem chegar a um acordo quanto a origem dos Ianomâmis. Pertencentes à linhagem dos Tupis, sua população se concentra nas fronteiras do Brasil com a Venezuela. Sequer o Censo do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística estabelece um número preciso de quantos indivíduos vivem na região. Seriam 12 mil em terras brasileiras e outros 15 mil na Amazônia venezuelana, distribuídos em diversos núcleos populacionais.

Os Ianomâmis formam uma sociedade de caçadores-agricultores da floresta tropical, habitantes do Norte da Amazônia. Seu território cobre, aproximadamente, 192.000 km2, situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela, no lugar conhecido pela passagem do rio Orinoco. Segundo os especialistas, esses índios formam um conjunto cultural e lingüístico composto de, pelo menos, quatro subgrupos que falam línguas da mesma família, conhecidas como Yanomae, Yanômami, Sanima e Ninam.

No Brasil, a população Ianomami é repartida em 228 comunidades, povoando os territórios de Roraima e do Amazonas. A Terra Indígena Yanomami cobre 9.664.975 ha (96.650 km2) de floresta tropical e é reconhecida por sua alta relevância em termos de proteção da biodiversidade amazônica. A reserva foi homologada por um decreto presidencial em 25 de maio de 1992. Segundo estudos antropológicos, eles vivem nesta região há mil anos.
PIB:Roraima/Mata

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