Justiça Federal ordena retirada de madeireira e grileiros da TI Apyterewa no PA

Amigos da Terra-Amazônia .org.br-São Paulo-SP - 13/05/2005
Região é recordista em desmatamento; invasores ameaçam servidores públicos e indígenas criando clima de tensão na área


A desembargadora federal Selene Maria de Almeida ordenou a retirada da madeireira Peracchi e de grileiros que ocupam áreas na Terra Indígena Apyterewa, localizada no estado do Pará. Áreas conhecidas como o "Paredão" e o "Pé de Morro" devem ser desocupadas pelos invasores, segundo a decisão da Justiça para a ação civil pública movida pela Funai e pelo Ministério Público Federal contra Benedito Lourenço da Silva e outros.

Desmatamento recorde devido a grileiros
A TI Apyterewa está localizada nos municípios de Altamira e São Félix do Xingu.Nos últimos anos, a área foi palco da ação de madeireiros e grileiros, que retiraram madeira e outros recursos naturais de maneira ilegal. Em 2003 a TI Apyterewa foi a área indígena recordista em desmatamento na Amazônia brasileira. Além de devastar as florestas, os invasores têm impedido que a Funai realize o trabalho de demarcação da terra indígena, inclusive ameaçando servidores e indígenas residentes no local.

Denúncias deram conta também de práticas de aliciamento de indígenas na região, para que permitissem e auxiliassem a extração de madeira em troca de pagamentos em dinheiro e mercadorias.

A delimitação da área foi objeto de disputa durante anos e já teve inclusive seu tamanho diminuído. Em 2004, portaria do Ministério da Justiça assegurou a posse da área para o grupo indígena Parakanã, delimitando a área e determinando à Funai que procedesse a demarcação. A Funai ainda não conseguiu demarcar a área. Segundo o presidente da Funai, Mércio Gomes, declarou ao jornal Folha de S.Paulo em fevereiro deste ano, "os técnicos da fundação estavam a 1.800 metros de concluir a demarcação, mas foram impedidos por pistoleiros."


AGRAVO DE INSTRUMENTO No 2005.01.00.028883-9/PA

RELATORA : DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA
AGRAVANTE : FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
PROCURADOR : ANTÔNIO ROBERTO BASSO
PROCURADOR : LUIZ FERNANDO VILLARES E SILVA
AGRAVADO : BENEDITO LOURENÇO DA SILVA
DECISÃO
Inicialmente corrija-se a autuação para constar como agravados BENEDITO LOURENÇO DA SILVA E OUTROS(AS).
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI em face de decisão que, em sede de ação civil pública contra Benedito Lourenço da Silva e outros, deferiu parcialmente a medida liminar para determinar que os réus se abstenham de todo e qualquer ato que obstaculize a realização da demarcação física da área indígena Apyterewa, na forma estabelecida pela Portaria 2.581/04 do Ministério da Justiça, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para o caso de descumprimento.
Sustenta a agravante, em síntese, que o MM. Juízo a quo indeferiu o pedido de liminar na parte que objetivava a determinação dirigida aos réus no sentido de que se retirem imediatamente da Terra Indígena Apyterewa, pertencente à União, que se abstenham de proceder a quaisquer atos restritivos da posse direta e usufruto exclusivo das terras pela Comunidade Indígena Parakanã.
Assevera que a Portaria 2.581/2004 delimitou a área, declarou a ocupação indígena e determinou à FUNAI que proceda à demarcação física da área para posterior homologação pelo Presidente da República.
Argumenta que os agravados há muitos anos ocupam uma área denominada Pé-de-Morro, localizada no interior da Terra Indígena Apyterewa, localizada nos municípios de Altamira e São Félix do Xingu, no Estado do Pará, na qual realizam grilagem de terras e a exploração ilegal de madeira e outros recursos naturais.
Alega que além da ocupação irregular, os agravados têm se utilizados de todos os meios para impedir os trabalhos de demarcação de terra indígena levados a efeito pela FUNAI, ameçando servidores e indígenas residentes no local, o que criou um clima de tensão naquela localidade.
Afirma que o artigo 231, § 1o, da Constituição Federal e o artigo 22 da Lei 6.001/73 estabelecem que as terras indígenas destinam-se à posse permanente e ao usufruto exclusivo pela comunidade indígena, constituindo grave lesão à ordem jurídica permitir que não-índios permaneçam no interior da Terra Indígena Apyterewa.
Fundada em tal argumentação, requer a concessão de efeito suspensivo ativo para determinar aos réus a se retirarem da terra indígena e se absterem de promover quaisquer atos restritivos da posse direta e usufruto exclusivo da Comunidade Indígena Parakanã.
É o relatório.
A ação civil pública pela Fundação Nacional do Índio em litisconsórcio ativo com o Ministério Público Federal contra Benedito Lourenço da Silva, os populares conhecidos como Renes, Miltinho e Daniel, e Exportadora Perachi Ltda. objetiva a condenação dos réus a se retirarem da Terra Indígena Apyterewa, a se absterem de promover quaisquer atos restritivos da posse direta e usufruto exclusivo da Comunidade Indígena Parakanã, bem como a se absterem de quaisquer atos que obstaculize a demarcação física da referida área indígena, levada a efeito pela FUNAI.
O MM. Juízo a quo, ao deferir parcialmente a liminar requerida, não vislumbrou relevância na alegação de que os réus ocupam área pertencente à reserva indígena Apyterewa. Para tanto, argumentou que a Portaria 267/92 que fixava a área da reserva em 980.000ha (novecentos e oitenta mil) hectares foi revogada pela Portaria 1.192/2001, cujo teor foi reiterado pela Portaria 2.581/2004, que reduziu a área da reserva para 773.000ha (setecentos e setenta e três mil hectares), em virtude do refazimento da linha divisória a sudeste da área.
Salientou ainda, fundado no despacho 17/MJ/96, que na ocasião em que Ministério da Justiça determinou a remarcação da linha divisória constatou-se que o imóvel de posse dos requeridos não era ocupado por índios, nem era imprescindível à preservação dos recursos naturais e culturais dos silvícolas, razão pela qual poderia ser excluída da área destinada à reserva indígena.
Em que pese a r. argumentação expendida pelo MM. Juízo a quo, entendo que a pretensão da agravante merece acolhida.
A Constituição Federal em seu artigo 231, caput, §§ 1o e 2o, assegura aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais das terras que tradicionalmente ocupam, assim consideradas aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para sua atividade produtiva e as imprescindíveis à preservação dos recursos naturais necessários ao seu bem-estar, observado os aspectos físico e cultural.
A Portaria 2.581/2004 (fls. 56/57) do Ministério da Justiça, declarou de posse permanente do grupo indígena Parakanã a Terra Indígena Apyterewa, delimitou a área indígena (cf. art. 1o), a qual está localizada nos Municípios de Altamira/PA e São Félix do Xingu/PA, e determinou à FUNAI que proceda à demarcação administrativa, nos moldes do Decreto 1.775/96.
Uma vez delimitada a área indígena e reconhecido que se trata de terras tradicionalmente ocupadas pelos silvícolas, qualquer ocupação dessa área por não-índios afigura-se ilegal.
A garantia da posse das terras imemorialmente ocupadas pelos índios é explicitamente assegurada desde a Constituição de 1934, valendo salientar que a ordem constitucional vigente estabelece que são nulos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas (art. 231, § 6).
Nesse sentido, confiram-se os seguintes arestos: AG 2003.01.00.016533-1/BA, Quinta Turma, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, DJ 25/10/2004, p. 57; AC 1999.01.00.022890-0/MT, Quarta Turma, Rel. Desembargador Federal Ítalo Mendes, DJ 16/02/2001, p. 3; AC 1999.01.00.008110-2/MT, Quarta Turma, Rel. Juíza Daniele Maranhão Costa Calixto (conv.), DJ 17/03/2000, p. 564.
O despacho 17/MJ/96 a que se refere o Julgador de primeiro grau, que estaria colacionado às fls. 31/34 dos autos principais e corresponde às fls. 51/54 dos autos deste agravo, indica que foram rejeitadas todas as impugnações ofertadas por ocupantes de parte da área indígena inicialmente demarcada pela Portaria 267/92.
Vale salientar que dentre as impugnações, consta expressamente a apresentada pela agravada Exportadora Perachi Ltda. que argumentava ser senhora e possuidora de área 39.204ha (trinta e nove mil, duzentos e quatro hectares), cuja cadeia dominial remontaria a 1962, quando foi expedido Título Definitivo pelo Estado do Pará, que considerou como devolutas tais terras e integrantes do domínio estadual, por força do artigo 64 da Constituição Federal de 1891.
O referido despacho, ao apreciar a impugnação da Exportadora Perachi Ltda assim se manifestou:
"(...) 2.1 A EXPORTADORA PERACHI LTDA é a única dos contestantes que possui título de propriedade da área que ocupa. Sua titulação remonta à outorga de título definitivo pelo estado do Pará, em 1962.
A concessão de título, por parte do Estado Federado, sob o argumento de serem terras devolutas, integrantes de seu domínio, tem sua eficácia subordinada, nos termos do art. 231, § 6o, da CF, a que tais terras não sejam de ocupação indígena tradicional, cuja intangibilidade está assegurada, no território brasileiro, por todas a Constituições Republicanas, a partir de 1934.
Ora, a contestante não demonstrou, nem sequer se propôs a tanto, que a gleba em questão não seja de ocupação tradicional dos índios Parakanã, tal como a conceitua o parágrafo primeiro do art. 231 da Constituição Federal.
Assim sendo, a contestação não se mostra procedente. (...)" (fl.52)
Embora o despacho 17/MJ/96 tenha determinado à FUNAI o refazimento da linha divisória a sudeste, o que ensejou a redução da área inicialmente estabelecida pela Portaria 267/92, as terras ocupadas pela agravada Exportadora Perachi Ltda. não foram excluídas da área indígena Apyterewa, o que demonstra a ocupação ilegal da área pela agravada.
Os documentos cartográficos acostados pela agravante (fls. 59, 60 e 131) dão conta de que a área então ocupada pela Exportadora Perachi Ltda. situa-se ao sudeste da Terra Indígena Apyterewa, a qual é conhecida como Pé-de-Morro.
Conforme noticiado na peça inicial, denominava-se Fazenda Perachi o local onde a Exportadora Perachi Ltda era instalada. A referida empresa teve suas atividades suspensas na área em virtude de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal na Subseção Judiciária de Marabá/PA (processo no 2002.39.01.000216-8), dada a sua reiterada conduta de degradação de recursos naturais.
Informa ainda que a área "abandonada" pela Exportadora Perachi Ltda é hoje ocupada por Benedito Lourenço de Lima, vulgo "Ditão", que figura como agravado nestes autos, desconhecendo-se a forma pela qual ele ocupou a referida área, que atualmente é conhecida como Fazenda Pé-de-Morro.
Ressalte-se que além de contrária à ordem jurídica, a ocupação de parte da Terra Indígena Apyterewa pelos agravados afigura-se igualmente nociva em razão dos embaraços causados ao regular desenvolvimento das atividades de demarcação conduzidas pela FUNAI.
Resta apenas uma linha de aproximadamente 1.400 (um mil e quatrocentos) metros para finalizar a demarcação física da área indígena. Contudo, observa-se que a FUNAI vem encontrando uma série de dificuldades para completar a demarcação, em razão da atuação dos agravados Benedito Lourenço de Lima, Miltinho, Renes e Daniel.
Tal entendimento pode ser constatado por meio das declarações prestadas por indígenas a FUNAI (fls. 80/89) e também pelo relatório elaborado pelo servidor Francisco Naefe Pinto, chefe do Posto Indígena Apyterewa, que acompanhou a equipe responsável pela demarcação designada pela FUNAI.
Do supracitado relatório, extraio os seguintes excertos:
"(...) No posterior vai e vem das aeronave na remoção dos indigênas, movimentou o idealismo dos posseiros procurando agir de forma opressiva deslocando em números a fazenda e segundo alguns entre os demais já estavam de forma combinados para bloqueio p/ atividade demarcatória; outros com tom de ingnorância como o SR. Daniel extrativista parceiro junto aos civícolas em anos anteriores, e que hoje toma posse de uma larga expansão da reserva. Pouco depois já no 2o vou no mesmo dia 18/12/04 fui chamado pelo radio fonia a qual quem falava era o posseiro Ditão que segundo é proprietário da fazenda, mesmo pedia para meu deslocamento até Tucumã ressaltei não lhe atender visto meu propósito era demarcar a reserva como propriedade indígena assim dar cumprimento a Portaria 2581 do Ministério da Justiça.
(...)
"O posseiro prometeu para aguardarmos que em uma hora estaria na fazenda aonde estávamos para saber mais o aeronalta Miltinho de Tucumã. Ditão muito irritado chegou falando que todo ocupado era eu, esta chefia APTW, falei para melhor saber contactar com VSA. Senhoria que estava na aldeia APTW. Ditão falou por duas vezes com VSA. Ameaçando que se acontecesse alguma coisa aparti do momento quem pagaria era eu ser. Naefe e Sr. Adm. Benigno Pessoa. Esta chefia não imaginava a respeito do estágio avançado das áreas ocupadas pelos posseiros larga expansão agropecuária e cultura em larga escala de lavoura branca. (...) (sic)
Do simples modo que o referido servidor relata os acontecimentos na Terra Indígena Apyterewa, observa-se por parte dos agravados a ocupação irregular de parte da área indígena delimitada pela Portaria 2.581/2004, do Ministério da Justiça, que declarou aquelas terras de posse permanente da Comunidade Indígena Parakanã.
Ao contrário do que consignou a decisão recorrida, entendo que o despacho 17/MJ/96, embora tenha determinado o refazimento da linha divisória situada a sudeste da área, não excluiu a área então ocupada pela Exportadora Perachi Ltda. da Terra Indígena Apytarewa, tanto que restou rejeitada a impugnação apresentada à época.
Portanto, tenho por suficientemente demonstrada a ocupação ilegal de parte da Terra Indígena Apyterewa, especificamente a área situada na extremidade sudeste da reserva daquela Terra Indígena, conhecida como Pé-de-Morro, a ensejar o acolhimento da pretensão deduzida na peça recursal.
Diante do exposto, defiro o efeito suspensivo ativo requerido para determinar aos agravados que se retirem imediatamente da Terra Indígena Apyterewa e se abstenham de promover quaisquer atos restritivos da posse direta e do usufruto exclusivo da área pela Comunidade Indígena Parakanã.
Comunique-se o inteiro teor dessa decisão ao MM. Juízo a quo, com urgência, para os fins devidos.
Decorrido o prazo para apresentação de resposta pelos recorridos, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal.
Após, retornem os autos conclusos.
Publique-se. Intime-se. Oficie-se.
Brasília-DF, 13 de maio de 2005.

SELENE MARIA DE ALMEIDA
Desembargadora Federal - Relatora
PIB:Sudeste do Pará

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