A Organização Yawanawá, instituição não-governamental que agrupa as diversas aldeias da etnia Yawanawá no Acre, divulgou hoje uma carta de protesto contra a compra de terras no interior do estado pela Interacre, empresa do apresentador de TV Carlos Massa, o Ratinho. A entidade afirma que as terras que a empresa alega ter comprado são parte de seu território indígena original, cujo processo de revisão de limites ainda está em andamento.
De acordo com a carta, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) promoveu, em julho de 2003, um estudo preliminar para revisão dos limites da Terra Indígena (TI) do Rio Gregório, demarcada com perímetros errados. A revisão ampliaria a TI, incluindo áreas tradicionais do povo Yawanawá, como mananciais, bosques e cemitérios sagrados.
As terras compradas pela Interacre estariam justamente nessa região, e ficam na cidade de Rodrigues Alves, às margens da BR-364. É da ordem de 270 mil hectares e tem propriedade pleiteada por duas etnias indígenas - os Yawanawá e os Kamawaná - e outras populações tradicionais. A empresa teria apresentado para aprovação do governo do Acre projetos de manejo florestal e de industrialização de madeira para a região, com investimentos que somariam R$ 25 milhões.
A organização indígena diz ainda que não pretende abrir mão de seus direitos, e que continuará na luta pela reintegração das terras. "Não manteremos qualquer diálogo ou negociação que envolva nossos territórios, pois consideramos vital que nossos ancestrais descansam em paz..." - diz o documento.
De acordo com a imprensa local, a Interacre estaria disposta a ceder 100 mil hectares para as duas reservas indígenas e 20 mil hectares para 140 famílias de posseiros que vivem nas terras. Mas a questão ainda é tratada com reserva tanto pelo governo do Estado quanto pela empresa, que não se manifestaram sobre o assunto.
Populações Indígenas
Carta Aberta
Sobre a compra da terra indígena Yawanawá pela empresa Tinderacre, do apresentador de TV Carlos Massa, o Ratinho.
Aos nossos simpatizantes e apoiadores:
Enquanto o povo Yawanawá cantava, dançava e se expressava artisticamente durante sua mais tradicional festa cultural e espiritual, entre os dias 25 e 30 de julho, na aldeia Nova Esperança, a imprensa anunciava o empreendimento que o apresentador de televisão, Carlos Massa, o Ratinho, já iniciou ao redor da Terra Indígena do Rio Gregório, onde habitam os povos Yawanawa e Kamanáwa.
Após nossas festas, retomamos nossas vidas com a disposição de esclarecer à opinião pública sobe a ameaça que representa o empreendimento do Shuya - nome que em nossa língua significa Ratinho.
Nós queremos dizer quem somos à empresa Tinderacre e também às demais empresas latifundiárias que estão vindo se aventurar no Acre diante da promessa fácil de "desenvolvimento sustentável", mas que desconhecem a história dos povos que vivem aqui antes da presença do homem branco. Exigimos que os governos e os latifundiários aventureiros saibam quem somos e respeitem a nossa história a seguir:
Nós somos os Yawa nawa, o povo da queixada. Somos remanescentes dos Yawäwä (queixadas reis) e habitamos, desde tempos imemoriais, as terras das cabeceiras do rio Gregório, afluente da margem direita do rio Juruá, localizado no município de Tarauacá, Estado do Acre, Sudoeste da Amazônia Ocidental Brasileira.
Vivemos na Terra Indígena do Rio Gregório. Essa terra é nossa, mas nós a compartilhamos com os Kamanáwa, o Povo da Onça. Nossa população foi bastante numerosa no passado, mas ainda hoje somos 620 remanescentes com muita disposição para resistir e evitar mais um massacre contra nossa etnia.
Apesar de localizado bem distante da zona urbana, nosso povo sempre esteve envolvido com organizações governamentais, não-governamentais e empresas privadas em busca de parcerias de trabalho para melhorar a qualidade de vida na floresta, usando e desfrutando de nossas festas tradicionais, rituais, costumes e língua.
Fomos transformados em escravos após sermos contatados no século XVI, quando os nordestinos vieram explorar a borracha na Amazônia. Até meados da década de 70, trabalhamos nos seringais Caxinawá e Sete Estrela do Rio Gregório, cortando seringa e desempenhando uma série de tarefas necessárias ao funcionamento dos barracões dos patrões seringalistas brancos. Nós não voltaremos a ser escravos dos exploradores contemporâneos do Acre e da Amazônia.
Em 1983, ocupamos os barracões dos seringais onde viviam os patrões brancos e expulsamos os invasores não-índios de seus territórios. Após essa conquista, exigimos do órgão oficial do governo brasileiro, a identificação de nosso território.
Em 1977, foi identificado e delimitado a terra Indigena Yawanawa do Rio Gregório e, em 1984, foi demarcada fisicamente a Terra Indígena do Rio Gregório, com área de 92,859,749 há.
Por ter sido a primeira Terra Indígena demarcada no Acre, serviu de exemplo para todas as lideranças indígenas do Estado pleiteassem a regularização de seus territórios junto a Funai e outros órgãos governamentais.
Desde 1977, esta terra indígena foi identificad e delimitada com perímetros errados. Temendo represália dos patrões seringalistas, nosso povo não teve a coragem de pedir a identificação e delimitação de nosso território corretamente - muito de nossos cemitérios sagrados, bosques e mananciais ficaram de fora da T.I. do Rio Gregório.
Mesmo estando de fora dos limites de nossa terrra, esses lugares sagrados puderam ser visitados e desfrutados pelos Yawanawa nestes últimos 20 anos.
No entanto, após uma grande reflexão interna do povo Yawanawa, em 2002, ele despertou para o grande perigo que estávamos vivendo: o de perder definitivamente o direito inalienável aos nossos territórios sagrados com a nova política de desenvolvimento e o asfaltamento da BR-364, que vem sendo executado no Estado, que resultaria num impacto direto ao nosso povo.
Preocupados com este dilema, em 2003 as lideranças Yawanawa começaram a se articular para reivindicarem a revisão de limites da Terra Indígena do Rio Gregório. De posse de um abaixo-assinado pela maioria dos deputados da Assembléia Legislativa do Acre, apoiando a solicitação dos Yawanawa, uma comissão formado pelas lideranças mais expressivas, foi até Brasília para requisitar da FUNAI e do Ministério da Justiça a revisão de limites de seu território.
Em Brasília, fomos recebidos por vários deputados e senadores da bancada acreana, que ajudaram na intermediação com a FUNAI e com o ministro da Justiça, Justiça Thomas Bastos, que nos garantiu a revisão imediata.
Fruto dessa visita, uma equipe de antropólogos da FUNAI estive na comunidade em julho de 2003 e fez um estudo preliminar de revisão de limites. O estudo preliminar abrangeu uma faixa de 92.254 mil hectares para o povo Yawanawá e Kamanawa.
Com essa revisão de limites, dobramos nosso território. Achamos justo que o governo brasileiro, nos devolva o que sempre nos pertenceu.
Atualmente, considerando como parte de nossa ocupação tradicional, uma família Yawanawa, já esta morando na divisa da área, fazendo o trabalho de fiscalização da entrada e saída de pessoas.
Algumas famílias de posseiros, que tem um bom relacionamento com os Yawanawa, ainda continuam vivendo na área reivindicada, esperando apenas serem indenizadas para saírem de nossas terras.
Eis aqui nosso posicionamento
1) Não estamos desatentos aos acontecimentos ligados ao nosso território tradicional e advertimos que esperamos apenas o momento adequado para nos manifestar sobre o tema com mais firmeza;
2) Ainda não fomos comunicados oficialmente pela empresa Tinderacre sobre a aquisição das terras que pertencem ao povo Yawanawa e Kamanawa;
3) Já deixamos bem claro ao Sr. Henrique Corinto Moura, diretor do Instituto de Terras do Acre (Iteracre), com o qual nos reunimos há menos de um mês, que avisasse aos sócios da Tinderacre, ou qualquer outra empresa interessada em comprar, vender ou fazer qualquer investimento em nosso território, que as nossas terras não estão à venda nem disponíveis para investimento de qualquer natureza;
4) Não manteremos qualquer diálogo ou negociação que envolva nossos territórios, pois consideramos vital que nossos ancestrais descansam em paz;
5) Nos preocupa a chegada de empresas do sul do país, que usam como fachada o manejo florestal e o desenvolvimento sustentável, mas na verdade vão saquear riquezas existentes em nosso estado, deixando miséria e pobreza para as populações indígenas;
6) Não vamos ficar calados e omissos diante desses fatos e não mediremos esforços para lutar por nossos direitos, sobretudo de ter nossos territórios de volta;
7) Fiquem os ratos avisados que as nossas terras são povoadas por onças famintas e queixadas valentes;
8) Esperamos que os simpatizantes e apoiadores do Povo da Queixada venham se somar à nossa luta.
Atenciosamente,
Organização Yawanawa
Cooperativa Agroextrativista Yawanawa
Terra Indígena do Rio Gregório, 13 de setembro de 2005
PIB:Acre
Áreas Protegidas Relacionadas
- TI Rio Gregório
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