CB, Opinião, p. 19 - 10/12/2008
Orlando Villas-Boas avisou
Ruy Fabiano
Jornalista
Hoje, o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. De um lado, os índios, defendidos por inúmeras organizações não-governamentais, a maioria estrangeira; de outro, os plantadores de arroz, pequenos agricultores, em grande parte de etnia indígena.
O tema está envolto em ambiente passional, que dificulta a quem está de fora formar juízo crítico isento. O quadro é apresentado de forma simplista: os índios estariam sendo ameaçados em sua sobrevivência pelo invasor branco.
Antes de esmiuçar a questão, convém examinar um depoimento do sertanista Orlando Villas-Boas, colhido nos anos 70 do século passado, que circula em vídeo na internet. Dizia ele, antecipando o teor geopolítico que a questão indígena teria no futuro:
"As maiores reservas de urânio do mundo estão em Roraima, dentro da terra ianomâmi. Os maiores minerais do mundo - inclusive um, que tem o apelido de alexandrita - só foram encontrados na América na terra ianomâmi. Nós já sabemos, por fonte muito boa, que mais ou menos uns 10 a 15 ianomâmis, os mais destacados da comunidade, estão na América, aprendendo inglês, aprendendo a política. E essa política consiste em quê? Eles vão voltar, dentro de uns dois a três anos (eu não sei se vou assistir, mas vocês vão), para dentro da tribo, falando inglês, com uma outra mentalidade, e o que vão fazer? Vão pedir um território ianomâmi desmembrado do Brasil e da Venezuela, e a ONU vai dar. E vai dar como tutora, no começo dessa nova gleba, a América do Norte".
São palavras proféticas, quando se examina o tema da Raposa Serra do Sol. A discussão deveria ter (e não tem) como foco central um aspecto: é justo, admissível, sob qualquer ponto de vista, que uma porção do território nacional esteja infensa à presença do Estado?
A indagação estende-se não apenas a essa, mas a todas as terras indígenas brasileiras. Responder afirmativamente equivale a abrir mão de parte do território nacional, dando suporte a uma proposta, encaminhada, na década dos anos 1980, à ONU, pelo então secretário de Estado norte-americano Robert McNamara: a transformação dessas reservas em nações efetivas.
Ele queria que as nações indígenas se separassem de uma vez do país, passando a figurar juridicamente como nações independentes na assembléia da ONU. Tudo, claro, em nome dos direitos daqueles povos, que, segundo os que sustentam essa teoria, seriam sistematicamente espoliados pela sociedade brasileira.
A tese não resiste à mais superficial avaliação. Além de contemplados pela legislação com tratamento penal diferenciado (o índio, como o menor, é inimputável) e assistidos com exclusividade por diversos órgãos do Estado, como nenhum outro segmento da população, os povos indígenas desfrutam de ampla assistência de organismos internacionais. Calcula-se em 100 mil (!) o número de ONGs voltadas para eles na Amazônia. E essas ONGs aqui circulam com uma liberdade que não se concede a estrangeiros em nenhum outro ponto do planeta.
Muitas delas estão engajadas no projeto de McNamara e estimulam o ambiente conflitivo permanente que cerca essas reservas. A Raposa Serra do Sol é exemplo típico. Aparentemente, trata-se de conflito entre plantadores de arroz e índios.
Os plantadores estariam invadindo as terras dos índios e causando transtornos. Ora, os arrozeiros, sem falar no fato de que muitos deles são também índios, ocupam menos de 1% daquelas terras e respondem por 20% do PIB de Roraima.
Geram emprego e renda, são pacatos. Os conflitos são estimulados e, nos termos da legislação que rege as terras demarcadas, não podem ser solucionados pelo Estado. O Exército lá não pode entrar, muito embora a demarcação abranja áreas de fronteiras, o que, em, nenhum país do mundo - e por motivos óbvios - se admite. Terra de fronteira é área de segurança nacional - e cabe ao Exército patrulhá-las.
Imagine-se o império norte-americano concedendo faixas de fronteiras aos apaches. Ou ainda terras de grandes riquezas minerais. É o que se dá na reserva de Raposa da Serra do Sol.
Segundo mapas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2005, há, naqueles limites, 26 áreas ativas de garimpo de diamante - todas ilegais, pois a exploração mineral em terras indígenas é proibida, por falta de regulamentação do artigo 231 da Constituição, que condiciona a pesquisa em áreas demarcadas à autorização do Congresso Nacional.
Os dados são do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e não foram mais atualizados. O DNPM revela que há diversos garimpos em atividade na reserva controlados ilegalmente por índios. O Estado, que tem esses dados, confessa, no entanto, não saber onde ficam esses garimpos, nem poder autuá-los.
As riquezas, que, sem prejuízo dos royalties que caberiam aos índios, deveriam ser do país, acabam sendo negociadas diretamente com estrangeiros. Estão fora do PIB, fora de qualquer controle tributário. Não é casual que as ONGs estrangeiras defensoras dos índios queiram mantê-los dissociados do Estado brasileiro. O discurso é de defesa, generoso, mas a prática é antiga - e desonesta.
No passado, os europeus que aqui chegavam trocavam preciosidades por espelhos, apito e outras quinquilharias. Hoje, a contrapartida é mais sofisticada - laptops, celulares, automóveis e até jatinhos -, mas a desproporção permanece.
E é o país que paga a conta. Não se quer que os índios, habitantes originais do território, sejam expurgados ou que se repitam os excessos do conquistador europeu em tempos passados. É preciso assisti-los, mas dentro de limites que não os tornem artificialmente estrangeiros num país em que figuram como cidadãos, para o mal e para o bem. Orlando Villas-Boas avisou.
CB, 10/12/2008, Opinião, p. 19
PIB:Roraima/Lavrado
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