Étnogênese e identidade étnica

O Progresso (MS) - http://www.progresso.com.br/not_view.php?not_id=44823 - 09/03/2010
Ao abordar o tema da etnogênese e da identidade étnica, devo advertir ao caro leitor que não sou um expert no tema em debate, que é eminentemente antropológico, por isso, enfoco o mesmo, com auxilio de estudiosos no assunto, olhar de especialista em Direito Indigenista e forte sentimento de índio.
Inicialmente cumpre destacar que: a tradição legalista e o forte senso comum sobre o que deve ser um índio (naturalidade e imemorialidade) têm funcionado como sérios obstáculos à implementação de avanços teóricos e jurídicos no reconhecimento de povos indígenas resistentes. Eis que do etnocídio, conduta delituosa da qual resulta a vitimização, a destruição de etnia ou grupo étnico, (já debatido em outro escrito de nossa lavra) surge sua contrapartida inevitável, qual seja, a etnogênese.
No processo de etnogênese, os membros do grupo étnico geram os próprios sinais diacríticos. Nem sempre, entretanto, é o próprio grupo quem determina os traços culturais a serem utilizados na elaboração de sua etnicidade. Trata-se de uma tentativa de fazer a sua própria história de dentro para fora e, ao mesmo tempo, buscar mover-se além das condições impostas sobre o grupo. Partindo desse pressuposto, afasta-se da perspectiva das teorias da aculturação e da transfiguração étnica. Para Darcy Ribeiro "os índios do Nordeste eram apenas resíduos do que outrora fora uma rica cultura indígena, devastada pela frente de expansão pastoril".
O que se denominam de "emergências", "ressurgimentos", ou "viagens da volta" pelos leigos, é na verdade designações alternativas, o que, de forma mais clássica e estabelecida, a antropologia designa por etnogêneses. Esse é o termo, ainda assim conceitualmente controvertido, usado para descrever a constituição de novos grupos étnicos, e como já dito, contrapõe-se o processo hostil e etnocída da diáspora.
Para a professora Manoela Carneiro da Cunha, A cultura original de um grupo étnico, na diáspora ou em situações de intenso contato, não se perde ou se funde simplesmente, mas adquire uma nova função, essencial e que se acresce às outras, enquanto se torna "cultura de contraste" este novo princípio que a subentende, a do contraste, determina vários processos. A cultura tende ao mesmo tempo a se acentuar, tornando-se mais visível, e a se simplificar e enrijecer, reduzindo-se a um número menor de traços que se tornam diacríticos, daí a resistência de 510 anos .
O conceito de etnicidade aparece com mais força teórica à medida que movimentos étnicos se fragilizam com os conceitos de conceitos de aculturação, assimilação e transfiguração étnica, especialmente nos contextos em que a identidade étnica é assumida e manipulada. A etnicidade tornou-se não só a base para a mobilização dos grupos étnicos, mas também a base para reivindicações políticas sociais e econômicas.
Na identificação de um grupo indígena enquanto tal, e com os Guarani/kaiowá e Terena que habitam as Aldeias de Dourados MS não é diferente, o senso comum recorre aos chamados traços culturais e fenotípicos para estabelecer quem é ou não índio. E necessário, portanto, esclarecer que a cultura e a fenotipia, por si só, não ajudam a definir um grupo étnico, ao contrário, tomam muitas vezes confusa a identificação do mesmo. A cultura em vez de ser o pressuposto (coditio sine qua non) de um grupo étnico, é de certa forma e deve ser produto deste.
Os traços fenotípicos apenas nos dão a idéia de que a definição de um grupo étnico pertence à Biologia, relacionando grupo étnico a grupo racial. Barreto Filho leciona que para os antropólogos o que conta efetivamente como critério definidor é a autoidentificação étnica, isto é, que uma dada coletividade se autoidentifique como indígena, sendo indígenas todos os indivíduos que são por ela reconhecidos enquanto membros de um grupo étnico determinado (Barreto Filho, 1996, p. 13).
A declaração dos Direitos do índio da ONU nos seus Artigos 3 diz: Os povos indígenas têm direito à livre determinação. Em virtude desse direito, determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. 4 - Os povos indígenas no exercício do seu direito a livre determinação, têm direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como os meios para financiar suas funções autônomas. Grifei.

*É índio residente na Aldeia Jaguapirú, Advogado, pós-graduado em Direito Constitucional, Coordenador Regional do ODIN/MS (Observatório Nacional de Direitos Indígenas no MS).
PIB:Mato Grosso do Sul

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