Estudo inédito avalia as perdas e ganhos de emissão do carbono na Amazônia e faz um alerta: é preciso apoiar os povos indígenas, que são os principais guardiões da floresta
Um novo estudo científico comprova a importância das Terras Indígenas para a manutenção dos estoques de carbono, que ajudam a regular o clima e evitar que o aquecimento da Terra seja ainda mais intenso. Os dados inéditos foram publicados nesta segunda-feira (27) na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
O estudo identificou que as Terras Indígenas (TIs) e as áreas naturais protegidas (ANPs) na Amazônia são menos propensas à perda líquida carbono do que regiões desprotegidas. Isso ocorre porque a liberação de carbono resultante de degradação em TIs e ANPs é, em grande parte, compensada pelo crescimento da vegetação florestal – algo que não se verifica em terras sem proteção.
De toda a biomassa estimada para região amazônica — 73 bilhões de toneladas de carbono — 58% ou 41,1 bilhões de toneladas de carbono encontram-se dentro de Territórios Indígenas e áreas protegidas.
Participaram desse estudo cientistas, especialistas em política e líderes indígenas do Woods Hole Research Center (WHRC), da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), da Rede Amazônica de Informação Socioambiental (Raisg) e do Fundo de Defesa Ambiental (EDF). A Raisg é um consórcio de oito organizações não governamentais de seis países da Pan-Amazônia (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela).
No artigo publicado hoje na Proceedings of the National Academy of Sciences, os pesquisadores analisaram o impacto da degradação/perturbação em quatro categorias de terras na Amazônia: TIs, ANPs, outras terras (sem proteção) e sobreposições entre TIs e ANPs.
“Nosso trabalho mostra que as florestas sob a administração de povos indígenas e comunidades locais continuam a ter melhores resultados de carbono do que as terras sem proteção, o que significa que seu papel deve ser fortalecido para que os países da bacia amazônica consigam manter esse recurso globalmente importante, ao mesmo tempo em que cumprem seus compromissos sob o Acordo Climático de Paris ”, avalia Wayne Walker, autor principal do estudo e cientista do Woods Hole Research Center.
Perdas e ganhos
O estudo aponta que, durante o período de 2003 a 2016, a região amazônica era uma fonte líquida de carbono para a atmosfera, liberando cerca de 1.290 milhões de toneladas de carbono (MtC) - quando considerados perdas e ganhos. As trajetórias de emissões de carbono durantes esses anos mostram aumentos entre 2012 e 2016 para todos os países amazônicos e categorias de terra, especialmente fora de TIs e ANPs.
Das quatro categorias de terras consideradas pelo artigo, as TIs tiveram a menor perda líquida de carbono (-0,1%). Nas ANPs, essa redução foi de -0,6% e, em outras terras sem proteção, de -3,6%. Os autores defendem que o crescimento contínuo de florestas em territórios indígenas permitiu que essas terras compensassem as emissões de degradação/perturbação. Ainda assim, 47% da perda total de carbono na Amazônia foi atribuída à degradação/perturbação. “Esse é um percentual preocupante, dada a importância que as florestas tropicais têm no fornecimento de serviços ecossistêmicos, além de seu papel na captura e armazenamento de carbono”, diz Carmen Josse, coautora do relatório e diretora científica da Fundação EcoCiencia, do Equador.
Áreas fora de TIs e ANPs (ou seja, "outras terras") foram responsáveis por cerca de 70% das perdas totais de carbono e quase 90% da variação líquida. Por outro lado, TIs e ANPs representaram apenas 10% da variação líquida, com 86% das perdas nessas terras compensadas por ganhos com o aumento da floresta.
Quase 90% dos Territórios Indígenas da Amazônia têm alguma forma de reconhecimento legal, mas os autores do estudo observam que as concessões do governo para mineração e extração de petróleo se sobrepõem a quase 25% de todas as terras reconhecidas, aumentando substancialmente sua vulnerabilidade.
"Nossa pesquisa revela o que os povos indígenas da Amazônia estão relatando aos seus líderes", conta Tuntiak Katan, autor e vice-coordenador da Coica. “Os governos estão enfraquecendo as proteções ambientais, violando as leis existentes, os direitos indígenas à terra e incentivando a impunidade no Estado de Direito. A situação está colocando em risco a existência de nossos povos e territórios, que contêm as florestas mais densas em carbono do mundo."
O estudo tem uma conformação inédita, pois contou com um acompanhamento de representantes indígenas associados na Coica. Os pesquisadores querem que as lideranças das centenas de etnias assumam uma voz nas discussões sobre o combate às mudanças climáticas e utilizem o novo estudo como base para argumentação
Paulo Moutinho, autor e pesquisador sênior do IPAM, afirma que os resultados sugerem uma ameaça potencial à saúde econômica da região: "É fundamental que os governos dos países amazônicos prestem atenção ao risco potencial para suas economias por não preservar suas áreas protegidas de desmatamento ilegal.”
"Nossas descobertas sugerem que as TIs e ANPs foram mais eficazes do que outros tipos de áreas em manter intacto o estoque geral de carbono", diz Carmen. “Na maioria dos países, as TIs estavam com emissão zero líquida ou quase nula. Porém, com o desmatamento fora das TIs e das ANPs crescendo rapidamente, nossas descobertas sobre o impacto da degradação e da perturbação sugerem que um apoio significativo e sustentado aos povos indígenas é agora uma prioridade urgente”, completa.