Juiz Federal anula Portaria Declaratória da T. I. Toldo Chimbangue II
Em 25 de março último, o Juiz Titular da 1.ª Vara da Seção Judiciária Federal em Chapecó-SC, Dr. Roberto Fernandes Júnior, julgou procedente a AÇÃO POPULAR n.o 2003.72.02.000654-4, proposta em fevereiro de 2003 por Airton da Silva Vargas e outros contra a UNIÃO FEDERAL e a FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI. A Sentença declarou nula a Portaria n.o 1.535, do Ministro da Justiça, que em de 18 de novembro de 2002 havia declarado de ocupação tradicional KAINGANG a superfície de 975 hectares denominada TOLDO CHIMBANGUE II, localizada em Chapecó - SC. O Juiz ordenou ainda a suspensão, desde a data da publicação da sentença, dos efeitos da portaria, a fim de assegurar a continuidade da posse de todos os ocupantes não-indígenas da área, bem como determinou à União e à Funai absterem-se de indenizar tais ocupantes por eventuais benfeitorias derivadas de ocupações de boa-fé.
Em síntese, o Juiz Fernandes Jr. reconhece, a partir do laudo histórico-antropológico realizado pela Funai, que quando do início do projeto de colonização européia no local (séc. XIX), os Kaingang já ocupavam as terras em questão, tendo sido então substituídos pelos colonos. No entanto, sua decisão baseia-se na compreensão de que só seriam terras indígenas aquelas que estivessem sob posse direta dos índios na data da promulgação da Constituição Federal (05.10.1988).
Para o Cimi, a decisão é extremamente preocupante. Primeiro porque revela uma compreensão de determinado segmento do Judiciário, extremamente distanciada dos avanços dos institutos jurídicos consagrados na Constituição de 1988. Em sua decisão o Juiz Fernandes Jr. sequer considera que a CF/88 trate os direitos territoriais indígenas como direitos ORIGINÁRIOS, portanto anteriores ao processo de colonização e de formação do próprio Estado brasileiro. Assim fazendo, o Juiz interpreta às avessas o sentido do art. 231 da Constituição, dando a entender que este veio a consolidar, para os índios, a perda de suas terras. Na verdade o art. 231 da CF/88 veio para reparar este erro histórico, e não para consolidá-lo.
Segundo, a sentença reflete um certo pavor antiindígena, provocado por um clima de terrorismo contra esses povos, que tem sido fomentado não só no Oeste Catarinense mas em outras regiões do país. A afirmação do Juiz Fernandes Jr. de que com as demarcações "destruir-se-iam os prédios, as fábricas (...) porque as demarcações fatalmente atingirão as zonas urbanas, como por exemplo está ocorrendo no estado de Roraima...", além de não refletir a realidade dos fatos, é de muita gravidade pois serve de estímulo a campanhas de intolerância contra os Povos Indígenas, via de regra encabeçadas pelo latifúndio, pelo empresariado rural, pelas empresas mineradoras e madeireiras, todos assentados no interesse sobre as terras indígenas e suas riquezas naturais. Não por acaso, a sentença enfatiza os interesses de empresas como a Sadia e a Seara Alimentos.
Trata-se portanto de uma decisão que deve ser vista e analisada num contexto nacional de negação sistemática dos direitos indígenas, em curso seja através de decisões judiciais impeditivas do andamento das demarcações, seja através de interpretações restritivas ao texto constitucional, seja através de proposições legislativas que visam derrubar os direitos conquistados no texto constitucional de 1988.
O Cimi espera agora que a União Federal e a Funai interponham o recurso de apelação contra a sentença e que esta venha a ser reformada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre (RS).
PIB:Sul
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- TI Toldo Chimbangue II
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