O Globo, Amanhã, p. 22-28 - 09/04/2013
Caminhos da natureza no Sul do Brasil
Parceria entre empresa hidroelétrica, agricultores e ambientalistas começa a dar frutos em Itaipu, onde geração de energia, agricultura e vida selvagem se encontram
ÉRICA MAGNI
Enviada especial
erica.magni@oglobo.com.br
O corredor de biodiversidade que margeia o Parque Nacional do Iguaçu chama a atenção de quem sobrevoa centenas de quilômetros de terras cultivadas por agricultores do Oeste do Paraná. Há dez anos, o tradicional plantio de soja e milho teve que dividir espaço com 43 milhões de árvores, entre elas diversas espécies nativas, como o ipê, que estão voltando a fazer parte da paisagem sulista. As mudas foram replantadas através de programas que visam a restituir muito do que foi perdido em flora e fauna, desde o início das obras da hidrelétrica Itaipu Binacional, em 1982.
Em linha reta, a faixa verde de proteção dessas matas equivale à distância que separa Foz do Iguaçu do Rio de Janeiro (1.321 km). O primeiro passo para a implantação desse corredor foi reavaliar a relação do homem com a terra. A participação de proprietários rurais foi fundamental para o sucesso da empreitada. No entanto, muito ainda precisa ser feito, já que a agroindústria gaúcha não para de crescer e é preciso conciliar esse crescimento com a manutenção e a ampliação do corredor.
- Sensibilizar os fazendeiros foi a parte mais difícil. A cultura rural está diretamente ligada ao espaço físico de plantio, ou seja, quanto mais área plantada, mais colheita. No início realizamos diversos encontros para alertá-los da importância da preservação das áreas que margeiam o rio, a chamada mata ciliar. Outro ponto bastante trabalhado foi o saneamento ambiental das propriedades ao redor - explica Nelton Miguel Friedrich, diretor de Coordenação do Programa Cultivando Água Boa.
O reflorestamento já exibe resultados. O Corredor Ecológico de Itaipu tem 27 quilômetros de extensão e aproximadamente 70 metros de largura. A sua função principal é garantir a diversidade genética e o intercâmbio das espécies, que circulam livremente pelo ambiente onde o uso desenfreado do solo predomina.
De acordo com o diretor, o programa é inspirado em documentos planetários. Entre eles, a Carta da Terra, Agenda 21 e Metas do Milênio, além das recomendações da Conferência Nacional do Meio Ambiente e no princípio da Ética do Cuidado. O trabalho também pretende contribuir com o combate às causas das mudanças climáticas.
Com a volta das árvores, retornaram também as flores e os pássaros. E para dar uma força no processo de reflorestamento, a ajuda das abelhas é fundamental, já que elas são essenciais ao processo de polinização, que consiste em estabelecer o encontro entre os gametas masculino e feminino para produzir a fecundação. As abelhas sem ferrão, mais conhecidas como meliponídeas, são as protagonistas desse processo natural. Elas, que antes já estavam longe do seu habitat, hoje estão voltando, mesmo que ainda timidamente, através das mãos do homem. Um desses reintrodutores se chama Ângelo D'Valoto, que se dedica à criação de abelhas nativas como a Jataí e a Iraí, ambas sem ferrão: - Essas espécies produzem menos mel do que as abelhas africanizadas, mas são mais eficientes na polinização natural. Além disso, o mel delas é mais valorizado, ele tem uma consistência mais líquida, e é muito usado medicinalmente. A criação é bem simples - diz D'Valoto.
De acordo com o apicultor, as abelhas podem ser instaladas em ambientes diversos como ocos de pau, tubos de PVC ou colmeias feitas de madeira construídas especificamente para este fim, chamadas de caixas ou cortiços. As modulares, com espaços distintos para ninhos e potes, facilitam o manejo. - Esses ambientes não devem ser muito altos porque as abelhas preferem trabalhar na horizontal, não na vertical. Estamos introduzindo as caixas em pontos chaves, nas matas ciliares que margeiam o reservatório e suas redondezas - explica.
Segundo Pedro da Silva, diretor da Coofamel (Cooperativa Agrofamiliar Solidária dos Apicultores da Costa Oeste do Paraná), a abelha jataí é o foco dos futuros investimentos da instituição, que com seis anos de atividade, já consolidou a apicultura de abelhas africanizadas na região.
A estimativa é que sejam coletadas aproximadamente 200 toneladas de mel até o final desta estação melífera. Ele afirma que de 40% a 50% da produção dos produtores da cooperativa serão exportadas para os Estados Unidos e países europeus, o que representará cerca de 80 a 100 toneladas de mel brasileiro circulando no exterior.
- A Coofamel atende em torno de mil colmeias da Jataí. É um mel cuja produção é pequena, mas com potencial grande de crescimento - acrescenta Silva.
O grande desafio na gestão da Coofamel, assim como de outras ações do programa, é manter o agricultor e o pecuarista no campo produzindo em harmonia com a fauna e a flora, já que ele seria o guardião dos espaços verdes em expansão.
- Queremos dar a eles as ferramentas necessárias para o desenvolvimento da agricultura familiar, e garantir o sustento e o desenvolvimento nas áreas rurais - diz Leandro Franzen, que é associado à cooperativa, e participa do comitê gestor que organiza as ações realizadas pelos criadores de abelhas.
Os últimos dados de gerenciamento das atividades de apicultura na região apontam que o maior custo de produção é de R$1,60 por quilo de mel, enquanto o preço pago ao apicultor gira entre R$4,22 e R$4,60. A atividade, portanto, consegue obter margem de lucro de aproximadamente 260%.
- Para novos produtores, tendo em vista os investimentos iniciais, a apicultura se viabiliza, geralmente, em um ou dois anos. É uma atividade rentável, que ainda pode gerar lucros com os subprodutos como própolis, cera e geleia real - diz Valdir João Mocellin, apicultor recentemente associado.
Além das abelhas jataís ganharem investimento, a cadeia produtiva de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos também vai receber grande estímulo este ano através do acordo de cooperação firmado entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Itaipu Binacional.
A articulação entre as três instituições quer promover ações para implementar o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. A ideia é que os parceiros contribuam para desenvolver os arranjos produtivos locais, envolvendo a agricultura familiar e as tribos das comunidades avá-guarani Tekoha Añetete, Tekoha Itamarã e Tekoha Ocoy, que vivem no Oeste do Paraná.
- A variedade de etnias que habitam em nossas terras é riquíssima. E é urgente viabilizar acesso aos programas de sustentabilidade e qualidade de vida para todos. Nas comunidades indígenas nos esforçamos para que o legado da relação do homem e o respeito à terra sejam preservados - diz João Carlos Bernardes, que é articulador entre a Itaipu e as comunidades indígenas que vivem no município de Diamante do Oeste.
Outro local importante para o desenvolvimento dos projetos é o Refúgio Biológico Bela Vista, em Foz do Iguaçu, onde são criados animais da fauna local. O parque recebe visitação de estudantes e turistas de todo o país, e também serve se instalação para os viveiros de mudas, cada um com 25 m².
Esses canteiros têm capacidade de produção de mil mudas por mês em média, que são doadas a diversas instituições para implantação de hortas medicinais ou transplantadas para o horto medicinal que também fica dentro do refúgio.
- O viveiro de mudas abastece principalmente o reflorestamento do Corredor Ecológico. Plantamos mais de 70 espécies de árvores como o angico vermelho, gurucaia, canjarana, peroba e outras. Depois de seis meses de plantadas, as mudas já podem ser transportadas para outros lugares. Atualmente, temos cinco pessoas que trabalham só no cultivo das mudas - salienta o coordenador do reflorestamento Jorge Borges.
No horto são cultivadas mais de 140 espécies de plantas medicinais em uma área de dois hectares. Ele fornece mudas para escolas, assentamentos e prefeituras para dar início aos trabalhos de implantação de novos hortos. O cultivo é orgânico, sem uso de agrotóxicos. Há também um ervanário, onde as plantas são processadas, embaladas e armazenadas para serem comercializadas principalmente pela indústria de cosméticos.
A terra que produz remédios também abre espaço para o cultivo de alimentos orgânicos. Mais de 800 agricultores receberam treinamento para produzir sem agrotóxicos ou transgênicos.
E das águas também se obtêm rentabilidade com sustentabilidade. O projeto "Mais peixe em nossas águas" é outra ação que exibe resultados expressivos. No reservatório, 71 pescadores aprenderam a fazer o manejo sustentável do pacu, um dos peixes típicos da região, em tanques-rede. São, ao todo, 600 tanques, cada um com capacidade para produzir até 300 quilos peixe.
- A pesca extrativa é muito sofrida, tanto para o pescador como para o peixe, que não tem o tempo necessário para a reprodução - afirma o criador de peixes Estevam Martins de Souza. Em tanque-rede, numa área de dez metros é possível produzir em média 60 toneladas de peixe a cada oito meses, tempo que a natureza demanda para que os animais possam ser consumidos. Num tanque escoado como num açude, por exemplo, a produção é de apenas 6 a 10 toneladas. Segundo ele, cada gaiola comporta até 250 quilos de peixe, e para sua criação são gastos na alimentação de cada ciclo 500 quilos de ração, o que no final das contas gera um custo de R$ 700 por tanque.
A venda do quilo do pacu gira em torno de R$ 6. Por ciclo, o pescador que possuiu 30 tanques vai lucrar em média R$15 mil em oito meses. Atualmente, só o pacu é criado no sistema de tanque-rede. Porém, os pescadores locais travaram uma luta para que a criação da tilápia seja autorizada nas águas do reservatório, visto que há um acordo entre Brasil e Paraguai proibindo a prática:
- Apesar de o pacu ser um excelente peixe, de carne saborosa e nutritiva, ainda não é famoso nas mesas brasileiras. A tilápia é muito mais conhecida e difundida no meio gastronômico. O comércio final seria mais fácil. Para isso, enviamos um abaixo assinado ao Ministério da Pesca e Agricultura. Vamos ver o que acontece - diz Souza.
O Zoológico dos sobreviventes
Espaço criado em 1982 abriga desalojados pela usina
No Refúgio Biológico Bela Vista vive um casal ilustre que é a sensação entre os visitantes. Juma (18 anos) e Valente (6 anos) são duas onças pintadas, espécie ameaçada de extinção.
Diariamente, cada uma consome três quilos de carne, explica o médico veterinário Wanderlei de Moraes, responsável pelo refúgio:
-A Juma chegou em 2002, bastante debilitada. Foi capturada em armadilha. Estava caçando animais domésticos numa fazenda próxima ao Parque Nacional do Iguaçu. Desidratada, ela tinha infecção no focinho e na gengiva, além dos caninos quebrados. Optamos por mantê-la em cativeiro, considerando que uma onça-pintada vive apenas 10 a 12 anos em vida livre. Presa, a espécie chega a viver em torno de 25 anos.
Com 1.920 hectares para receber milhares de plantas e animais, desalojados durante a construção da Usina Hidraelétrica de Itaipu, o refúgio Biológico Bela Vista, que está localizado entre o Parque Nacional do Iguaçu e a Ilha Grande, desempenha um papel fundamental na preservação do meio ambiente na Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina).
No local também são criados outros animais da fauna nativa, como uma família de macacos-pregos, gambás, cervo-do-pantanal, tamanduá bandeira e aves raras.
Devido ao nascimento e à sobrevivência de 11 harpias, (Harpia harpyja), também chamada gavião-real, o local se consolidou como o promotor do programa de reprodução em cativeiro dessa que é uma das maiores aves de rapina do mundo.
O zoológico surgiu com a operação Mymba Kuera ("pega bicho", em Guarani), que recolheu milhares de animais em 1982, após o desmatamento para a construção das barragens.
O Globo, 09/04/2013, Amanhã, p. 22-28
http://oglobo.globo.com/amanha/caminhos-da-natureza-no-sul-do-brasil-8065477
Mata Atlântica:Conservação e Manejo
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