Invasão de hotel foi por 'Ibope', diz cacique

FSP, Cotidiano, p. C5 - 15/04/2013
Invasão de hotel foi por 'Ibope', diz cacique
Estabelecimento de luxo foi a 47ª propriedade invadida pelos índios tupinambás desde fevereiro do ano passado
Dono do Fazenda da Lagoa, no sul da Bahia, fechado por passivo ambiental, relata danos e saque de roupas e TVs

(NELSON BARROS NETO) ENVIADO ESPECIAL A UNA E A ILHÉUS

"Excuse me, please", disse o cacique Val Tupinambá, 35, ao pegar o telefone do escritório da Funai (Fundação Nacional do Índio), no centro antigo de Ilhéus (BA), para fazer ligações a políticos.
Era tarde da última quinta-feira e ele pedia passagens aéreas para viajar a Brasília.
Quatro dias antes, havia comandado a invasão de 70 tupinambás a um hotel de luxo na vizinha Una, no sul da Bahia, com praia privativa e diárias acima de R$ 1.000.
Apesar dos telefonemas, Val (ou Valdenilson Oliveira dos Santos) ficou sem passagens, já que não prestou contas de uma viagem anterior.
Candidato derrotado a vereador nas últimas duas eleições (primeiro pelo PC do B e depois pelo PDT), ele vestia calça jeans e camiseta da grife Osklen, marca que mantém uma loja no hotel invadido.
Ainda no escritório da Funai, repetia que precisava checar os e-mails e, pelo celular, pedia aos tupinambás que se preparassem com seus "adereços" para a visita da Folha à tribo naquela noite.
Val brinca: "Está tudo índio". Ele é professor de uma escola indígena e dono de um restaurante de beira de estrada no qual uma moqueca de peixe sai por R$ 15.
Diante da reportagem, os telefonemas continuam. Num deles explica o motivo da invasão ao hotel de luxo.
"A ocupação foi para dar uns Ibope, né, para ver se o ministro [da Justiça] nos recebia", disse. "Mas não foi aquela farra que ficou parecendo, viu?", completou.
Os indígenas pedem pressa ao governo federal no processo de demarcação de uma terra indígena na região. A invasão ocorreu justamente para chamar a atenção do Planalto à demanda.
Na região de Ilhéus vivem cerca de 8.000 tupinambás.
"Ainda estamos contabilizando os prejuízos. Houve saques de bebidas alcoólicas, roupas, duas pranchas de surfe e oito TVs, além de danos a estruturas físicas do empreendimento", diz Arthur Bahia, sócio do hotel.
HOTEL SEM LICENÇA
Desocupado na última quarta-feira, o hotel está fechado desde meados do ano passado. "Ele fica dentro de uma unidade de conservação, e eles [proprietários] não possuem licença ambiental do Ibama", diz Paulo Cruz, do Instituto Chico Mendes, órgão do governo federal responsável pelo embargo.
Embora a Garça Azul Empreendimentos Turísticos e Imobiliários --controladora do hotel-- tenha depois solicitado a licença federal, o órgão diz que o processo está sob análise técnica, sem prazo definido para conclusão.
"Eles estão numa área sensível, sim, que tem manguezal, restinga, praia", afirma Cruz". A empresa diz não há passivo ambiental.
A operação do hotel vinha acontecendo graças a uma licença de funcionamento do município de Una. A prefeita, Diane Rusciolelli (PSD), diz que trabalha pela reabertura do hotel, que "emprega 30 habitantes".
A empresa que administra o hotel diz que não há passivo ambiental e que só aguarda a liberação da licença.
DE ÔNIBUS
Sem passagem aérea, Val seguirá de ônibus para a capital federal, numa viagem de um dia e meio. Ele acredita que, na próxima sexta, o Ministério da Justiça concederá a demarcação das terras.
"Seremos donos de direito, e os fazendeiros serão indenizados", afirma o cacique.
Antes da viagem, na tribo, um ritual com danças e cantos para a reportagem: "Quem fala mal da gente, a gente corta a língua e arranca os dentes". Em seguida: "É Deus no céu e os índios na terra".Bem


A contragosto, índio vira símbolo de ação na Bahia

DO ENVIADO A UNA E A ILHÉUS

Marcelo dos Santos Calazans, 21, não gostou de ter virado uma espécie de símbolo da invasão dos tupinambás ao hotel Fazenda da Lagoa, em Una, entre domingo e quarta passada.
Uma foto na Primeira Página da Folha, na qual aparece deitado na cama de um dos bangalôs enquanto assiste TV a cabo, foi replicada pela imprensa baiana, e até a versão brasileira da rede britânica BBC o procurou. "Não é coisa boa para a gente", disse ele, ainda na 8ª série e pai de um bebê de um ano e meio.
Sua mulher também é índia, mas o pai era "homem branco, um policial". A mãe passou a viver com um irmão do cacique Val Tupinambá. Corintiano, trabalha como pescador e vende coco. Diz que as pessoas têm preconceito quando "gente como ele" tem acesso a "coisas boas da vida".
O tupinambá divide com outros 11 uma casa invadida na fazenda Acuípe, que dizem pertencer ao grupo Votorantim. Procurada, a empresa não quis se pronunciar sobre o assunto.
Nenhum dos tupinambás da região vive em ocas. A moradia dos mais distantes do litoral são de taipa, parede de barro e de piaçava.
Líder do sindicato rural de Ilhéus, Milton Andrade reclama da insegurança jurídica que existe na área. E afirma que, como pano de fundo, existe "um esquema da Funai, financiado por ONGs internacionais".

FSP, 15/04/2013, Cotidiano, p. C5

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/103983-invasao-de-hotel-foi-por-ibope-diz-cacique.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/103984-a-contragosto-indio-vira-simbolo-de-acao-na-bahia.shtml
PIB:Leste

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