Regras para reserva Raposa Serra do Sol não têm extensão automática, decide STF

Valor Econômico, Brasil, p. A2. - 24/10/2013
Regras para reserva Raposa Serra do Sol não têm extensão automática, decide STF

Por Maíra Magro | De Brasília

Ao julgar ontem sete recursos relativos à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as 19 condições fixadas para o caso não se aplicam automaticamente à delimitação de outras terras - mas servem de precedente para orientar situações futuras.

A Advocacia-Geral da União (AGU) pretende aproveitar o julgamento para reeditar a Portaria 303, que estipulou as 19 regras referentes à Raposa Serra do Sol como parâmetros para todas as demais demarcações. Editada originalmente no ano passado, a portaria foi suspensa depois de uma série de protestos de indígenas, e agora pode voltar a valer.

As 19 condições foram fixadas pelo STF em 2009, ao julgar o processo que autorizou a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol. Para a maioria dos ministros, essas regras possibilitaram que cerca de 20 mil índios de cinco etnias ocupassem a área definitivamente, e que os não-índios deixassem o território, aliviando os conflitos fundiários.

Uma das condições impede a ampliação da terra indígena já demarcada. Outras garantem à União o direito de instalar estradas, redes de comunicação, além de bases militares sem necessidade de consulta prévia às comunidades locais. Elas também definem que o usufruto da terra pelos índios não inclui o direito de garimpo, pesquisa e lavra de riquezas minerais sem autorização do Congresso.

Ontem, ao analisar recursos apresentados por índios, produtores rurais, o Estado de Roraima e o Ministério Público, o STF manteve as condições mas esclareceu alguns pontos. A principal conclusão foi que as 19 regras não se estendem a outros casos de forma vinculante.

"A presente ação tem por objeto tão somente a terra indígena Raposa Serra do Sol", enfatizou o ministro Luís Roberto Barroso, que assumiu a relatoria do caso com a aposentadoria do antigo relator, o ex-ministro Carlos Ayres Britto. Ele acrescentou, entretanto, que a decisão pode ter repercussão sobre procedimentos semelhantes em outros tribunais.

A maioria dos integrantes do STF seguiu o voto de Barroso nesse aspecto, com exceção do presidente da Corte, Joaquim Barbosa, e do ministro Marco Aurélio Mello. Para eles, o Supremo "extrapolou" ao definir regras de demarcação. "O tribunal agiu como um verdadeiro legislador", criticou Barbosa.

Ao decidir dessa forma, o STF optou por um meio termo. Enquanto produtores rurais queriam que as 19 condições valessem automaticamente para todos os casos de demarcação, indígenas defendiam a queda das condicionantes, ou que se aplicassem só ao caso específico da Raposa Serra do Sol.

Ao analisar os recursos, o STF também esclareceu que os processos de demarcação não podem ser revistos para ampliar as terras indígenas - mas isso poderia ser feito por novas desapropriações, com pagamento de indenização. A corte definiu ainda que os índios não podem explorar o garimpo economicamente em suas terras, mas podem extrair recursos para fins artesanais. A área da Raposa Serra do Sol é rica em diamante e ouro.

Segundo o STF, cabe aos índios tomar decisões sobre a presença de missionários e templos religiosos em suas terras. Para permanecer no território demarcado, basta integrar a comunidade, independentemente de vínculos de sangue. "Pessoas miscigenadas que vivam na comunidade e que sejam aceitas evidentemente podem permanecer na região. O que interessa é sua comunhão com o modo tradicional dos índios da região", disse Barroso.

O Supremo também esclareceu que os índios não podem impedir a passagem de pessoas por estradas que atravessam a área demarcada. As escolas municipais ou estaduais que funcionam nas reservas devem continuar operando normalmente, desde que respeitem as leis federais sobre currículo e educação indígena.

Os ministros ressaltaram que todas as ações pendentes envolvendo terras na área indígena deverão ser julgadas pelas instâncias locais do Judiciário, levando em conta decisão do STF.


Medidas para demarcação opõem governo e Congresso

Governo e Congresso, especialmente a bancada ruralista, discutem há meses regras para definir a demarcação de terras indígenas. Na última reunião, no começo de outubro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu publicar em "mais ou menos" 15 dias uma portaria que vai alterar as regras para demarcação das terras indígenas. O ministro, porém, não deu detalhes de quais seriam as alterações, que foram prometidas inicialmente para maio.

Em abril, a ministra Gleisi Hoffmann afirmou em audiência pública que o governo editaria portaria que retirava os poderes da Fundação Nacional do Índio (Funai) - os ruralistas acusam o órgão de favorecer os índios nas demarcações. A mudança estudada pelo governo é dividir o processo de análise entre vários departamentos. Além da Funai, opinariam também a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Ministério de Desenvolvimento Agrário.

No Congresso, um grupo de parlamentares quer instalar uma comissão para discutir a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/13, que transfere a decisão para o Congresso. Para o governo, essa não é uma solução para o problema porque contrariaria as cláusulas pétreas da Constituição e não resolve o tensionamento existente", disse.

Na reunião do início de outubro também ficou acertado que o governo faria uma proposta (até 22 de outubro) de regulamentação do artigo 231 da Constituição Federal, que versa sobre as terras de direito dos índios. Isso não aconteceu. Os representantes do agronegócio já têm sua própria proposta para o tema, o Projeto de Lei 227/12, mas o governo considera que o texto defende apenas o setor e ignora o direito dos índios, aumentando a tensão entre as partes.

Na ocasião, parte da bancada ruralista, já desconfiava da promessa do ministro. "Tenho certeza que o governo não vai apresentar nenhuma proposta dia 22 porque não quer o debate", afirmou no começo de outubro o deputado Moreira Mendes (PSD-RO). O grupo negocia desde fevereiro a instalação da PEC 215 e há anos a mudança na demarcação, mas até agora as negociações não avançaram.


Valor Econômico, 24/10/2013, Brasil, p. A2

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http://www.valor.com.br/brasil/3314940/medidas-para-demarcacao-opoem-governo-e-congresso

Índios:Terras/Demarcação

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