Após leilão, índios prometem reagir contra exploração de petróleo

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/ - 09/12/2013
O arremate no último dia 28 de novembro pela Petrobras do bloco AC-T-8 da Bacia do Juruá no leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP) deu o sinal de alerta aos povos indígenas dos Estados do Acre e do Amazonas sobre os impactos que poderão ocorrer em suas terras pela exploração de gás e petróleo. O bloco AC-T-8 tem uma extensão de 1.630,01 quilômetros quadrados e está nas proximidades de ao menos três reservas indígenas, inclusive de índios que vivem isolados na floresta amazônica.

Para evitar o que os indígenas classificam de "tragédia" motivada pela "pressão da atividade petrolífera", os cinco povos da Terra Indígena do Vale do Javari, no Amazonas, realizam a partir do dia 15 uma assembleia que pretende reunir 200 lideranças na aldeia Maronal, no município de Atalaia do Norte, a 1.138 quilômetros de Manaus, extremo oeste do Amazonas.

No Acre, as terras indígenas Puyanawa e Nukini ficam, respectivamente, a 10 metros e 39 metros do limite do bloco AC-T-8. Ao norte do bloco, fica a Terra Indígena Vale do Javari. A atividade, segundo os indígenas, deverá impactar diretamente na área dos povos marubo e mayoruna.

A Terra Indígena Vale do Javari, que tem 8,5 milhões de hectares, é habitada por uma população estimada em 5 mil pessoas das etnias marubo, mayoruna, kanamari, kulina, matis e korubo. Há registros de pelo menos 16 grupos indígenas isolados na reserva. Apesar da pressão de invasores, a Terra Indígena é uma das áreas mais preservadas do país. No mês passado, a revista Science divulgou um ranking com os 10 locais de área protegida considerados "insubstituíveis" do Planeta. Quatro estão no Brasil e um deles é o Vale do Javari.

A mobilização dos indígenas contra a exploração de gás e petróleo no entorno de suas terras começou no mês de agosto, quando a ANP anunciou o leilão dos nove blocos da bacia do rio Juruá. Os lotes da Bacia do Juruá abrangem territórios dos Estados do Acre e Amazonas.

Dois meses antes do anúncio, a Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou um ofício com cinco recomendações à ANP. Uma delas destacou a presença de índios isolados na região dos Blocos Exploratórios da Bacia Sedimentar do Acre. A Funai então recomendou que não fosse realizada qualquer atividade de exploração de gás e petróleo na Terra Indígena Vale do Javari em distância menor de 25 quilômetros. O temor dos indígenas, no entanto, é que estes limites não sejam respeitados.

Um parecer técnico do Grupo de Trabalho Interministerial de Atividades de Exploraçao e Produção de Óleo e Gás (GTPEG) instituído pelo Ministério do Meio Ambiente diz que "os blocos ofertados na bacia do Juruá fazem parte do bioma Amazônia e estão quase em sua integralidade dentro de áreas reconhecidas como prioritárias para conservação". O parecer diz também que as áreas dos blocos AC-T-8 e AC-T-9 se sobrepõem à proposta de criação da unidade de conservação federal Campinaranas do rio Ipixuna.

O presidente da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Jader Comapa, da etnia marubo, afirmou ao Amazônia Real que a falta de transparência por parte da ANP em informar sobre o leilão deixou os indígenas muito tempo sem esclarecimentos. Segundo Comapa, somente após os indígenas iniciarem o "processo de reação" é que a ANP começou a se manifestar, especialmente na imprensa nacional, sobre o assunto.

"A gente nem sabia direito o que estava acontecendo. Nada chegava para nós. A ANP fazia tudo escondido. Quando começamos a nos informar, pedimos que o leilão fosse cancelado e não fomos atendidos. Mandamos cartas oficiais, denunciamos em Brasília, a coordenação regional da Funai denunciou. A ANP tentou falar na mídia dizendo que fomos ouvidos, mas não é verdade", disse Jader Comapa.

A alternativa dos indígenas foi recorrer ao Ministério Público Federal. Os indígenas também já se articulam para fazer denúncias em fóruns internacionais.

Conforme Comapa, com a compra do lote AC-T-8, os indígenas querem pressionar a Petrobras agora. "A gente vai partir para cima da empresa. Não queremos que ela faça exploração na área. Vai ser uma catástrofe. A área arrematada e os demais blocos podem estar fora da TI Vale do Javari, mas ali é trânsito de índios isolados", disse.


Enfrentamento

Uma das principais lideranças indígenas daquela região, Clóvis Rufino, também da etnia marubo, reforça que, qualquer atividade próxima da Terra Indígena Vale do Javari, mesmo fora de seus limites, vai afetar as populações indígenas, especialmente os grupo isolados.

"A gente não queria que o leilão acontecesse, mas aconteceu. Então, não dá para ficarmos de braços cruzados vendo mais uma tragédia acontecer. Já temos ameaças de madeireiros e seringueiros e agora isso. Se a gente não discutir agora e reagir, ninguém vai salvar nossas vidas", disse Rufino.

Clóvis Rufino lembrou ainda que os povos indígenas do Vale do Javari têm uma relação de "sofrimento" com a Petrobras, quando a empresa iniciou atividade na área nos anos 80 (suspensa posteriormente).

"A Petrobras causou muito impacto naquela época. Levou doença, morte, não respeitou nossos cemitérios nem os índios isolados. Mas agora, se não quiserem conversar, vão ter que nos enfrentar. Os índios avisaram que quem chegar perto, vão reagir. Vão usar arma e flechar", disse Rufino.

A aldeia Maronal fica a três dias de viagem em motor de 200HP e duas horas em avião monomotor de Atalaia do Norte. A maioria dos indígenas iniciou o deslocamento para a aldeia neste final de semana.


Funai

O coordenador regional da Funai no Vale do Javari, Bruno Pereira, afirmou que, os impactos da atividade de petróleo na Bacia do Juruá vão atingir não apenas os indígenas desta reserva, mas os de outras terras da região. Ele conta que, apesar da "recuada" da ANP após a recomendação da Funai, as ameaças continuam.

"Essa recuada não quer dizer nada. Vai acontecer um impacto social de algum modo. Mas os indígenas já estão mobilizados e a Funai está do lado deles", disse Pereira, para quem a área da Bacia do Juruá é uma "nova fronteira de exploração do país".

Do lado do Acre, a mobilização dos indígenas também já começa a ser desenhada, segundo o chefe de divisão da Coordenação Regional da Funai no Juruá, Jairo Lima.

Conforme Lima, o leilão da ANP surpreendeu a todos. Para ele, ninguém "acreditava" que poderia acontecer devido às recomendações da Funai e à localização geográfica dos lotes, cujo acesso é complexo devido a falta de estradas.

"Agora que o leilão aconteceu, queremos que o governo do Acre e a ANP cheguem nas comunidades e esclareçam. Nós também vamos intensificar os esclarecimentos pois os indígenas deverão iniciar um processo de reação", disse Lima.

O indigenista da Funai se mostra cético sobre a viabilidade de uma atividade petrolífera ser desenvolvida na região por causa da dificuldade de trafegabilidade na BR-364.

"Não sem como os trabalhos serão realizados. A análise que fazemos é que não existe tecnologia para escoar essa produção. Quem vai querer se arriscar? Tanto é que dos nove blocos que estavam para leilão, apenas um foi arrematado", afirmou.


ANP

A assessoria de imprensa da ANP, disse em nota, que com base no parecer da Funai, procedeu o recorte dos blocos AC-T-8, 9, 10 e 11, de acordo com o polígono fornecido pelo órgão. Segundo a ANP, parecer da Funai está na página da 12a. Rodada de Licitações.

"Desses, apenas o bloco AC-T-8 foi arrematado pela Petrobras. A ANP atendeu a todas as recomendações, relativas às áreas em oferta, encaminhadas pelos órgãos estaduais de meio ambiente; pelo grupo de trabalho (GTPEG) formado pelo MMA, Ibama e ICMBio, assim como pela Funai", disse a assessoria.

A assessoria disse ainda que, reunião realizada no dia 28 de novembro na Câmara dos Deputados, da qual participaram indígenas e autoridades, foi marcada exatamente para o dia da 12ª Rodada, o que impediu a ANP de enviar representante. "As tentativas de remarcação não foram atendidas. A ANP continua à disposição para qualquer nova reunião que venha a ser convocada pela Funai", disse a assessoria.



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PIB:Acre

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