Povos indígenas de Pernambuco ocupam Gerências Regionais de Educação

Cimi- http://www.cimi.org.br/ - 22/04/2014
Em Pernambuco, mais de 1600 indígenas dos 12 povos do Estado ocuparam na manhã de hoje (22) as Gerências Regionais de Educação (GRE) dos municípios de Arcoverde, Floresta e Salgueiro. Um documento que elenca os problemas e irregularidades na oferta da educação indígena no Estado foi protocolado por representantes dos povos indígenas ainda nessa tarde no Ministério Público Federal (MPF) em Serra Talhada.

"O Estado tem se omitido sistematicamente na oferta da educação escolar indígena e tem nos forçado a estar insistentemente ocupando as Gerências Regionais, nos obrigando a fechar nossas escolas e a comprometer a aprendizagem de nossos estudantes", diz trecho do documento.

A mobilização é pela reforma na educação indígena, que enfrenta o caos em Pernambuco. Motoristas e professores que começaram a trabalhar em 2014 não têm contratos e não recebem pagamento desde o início do ano letivo. "Enviamos para a Secretaria de Educação a demanda pela contratação dos novos profissionais, mas até agora não autorizaram. Em todo o Estado são 30 professores e 100 motoristas sem receber nada, estavam trabalhando por amor mesmo, para não deixar as crianças sem aula" conta Francisca Kambiwá, que junto com os povos Kapinawá, Xukuru, Tuxá e Fulni-ô ocupa a GRE do município de Arcoverde, no sertão pernambucano.

Na maioria das cerca de 200 escolas indígenas do Estado não há merendeiras ou auxiliares de serviços gerais, obrigando pais e professores a se organizarem para preparar a merenda e fazer a limpeza. "Tem escolas que há dois anos enfrentam essa situação. Não fosse a organização das comunidades, não existiria educação indígena. O governo quer impedir os nossos alunos de ir para a escola", declara a cacique Dorinha Pankará.

Além de questões estruturais, como as deficiências e atrasos no pagamento do transporte escolar, o ensino indígena em Pernambuco ainda não disponibiliza a formação continuada dos professores e não tem material didático específico e diferenciado para os diferentes povos, conforme determina a legislação.

Os indígenas estão articulados para que ocorra uma audiência pública com a presença do governador do Estado de Pernambuco, João Lyra Neto e o secretário de Educação, José Ricardo Wanderley Dantas de Oliveira. "O secretário havia prometido estar presente na reunião com o Conselho de Educação Escolar Indígena, que aconteceu na semana passada. Mas novamente não havia nenhum representante com expressão política suficiente para levar nossas demandas para instâncias superiores", disse Edilene Bezerra, do povo Truká. "Por isso não vamos desocupar as sedes das Gerências até que atendam às nossas reivindicações. Estamos unidos pela reforma da educação indígena em Pernambuco", acrescenta Jaime Bezerra Sobrinho, coordenador de oito escolas indígenas na região do município de Salgueiro.

O Ministério Público Estadual chegou a celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no ano de 2008 com o governo do Estado, que se obrigava a regularizar a contratação de professores e funcionários para as escolas indígenas e a realizar concurso público para o magistério indígena até 2009. Porém, cinco anos depois, nenhuma das cláusulas foi cumprida.

No documento encaminhado ao MPF na tarde de hoje, os indígenas elencam a série de violações cometidas contra os povos de Pernambuco. Leia abaixo a íntegra da denúncia:


Carta Denúncia dos Povos Indígenas de Pernambuco


A: Sua Senhoria Procuradora de Justiça de Pernambuco

Drª Natália Soares


Senhora Procuradora: Nós, Povos Indígenas de Pernambuco: Xukuru, Pesqueira; Kapinawá, Buique e Tupanatinga; Kambiwá, Ibimirim e Inajá; Tuxá, Inajá; Pankararu e Entre Serras Pankararú, Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, Pankaiuká, Jatobá, Fulni-ô, Águas Belas; Pankará, Carnaubeira da Penha; Atikun, Canaubeira da Penha e Salgueiro, Pipipã, Floresta e Truká, Cabrobó e Orocó, vimos por meio desta denunciar o Estado de Pernambuco, no que diz respeito ao atendimento e oferta da educação escolar indígena.

Desde 1999, quando da publicação da Resolução 03 e do parecer 14, do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica, respectivamente, que a oferta da educação escolar indígena passou a ser responsabilidade dos estados, podendo ser feita em parceria com os municípios, quando aceito pelos povos indígenas diretamente interessados. Os povos indígenas em Pernambuco foram unânimes em optar em ter a educação escolar indígena ofertada pelo Estado de Pernambuco. No entanto, desde a publicação do decreto de estadualização de nossas escolas que nossos povos têm travado uma verdadeira batalha para que o Estado de Pernambuco respeite o que manda a legislação e garanta o nosso direito a uma Educação Específica, Diferenciada e Intercultural. O Estado tem se omitido sistematicamente na oferta da educação escolar indígena e tem nos forçado a estar insistentemente ocupando as Gerências Regionais, nos obrigando a fechar nossas escolas e a comprometer a aprendizagem de nossos estudantes.

A baixo, elencamos os pontos que consideramos ser uma violação aos direitos dos nossos povos:

01- Não foram criadas as normas e ordenamentos jurídicos próprios para as escolas indígenas;

02- Não foi criado na secretaria, um espaço que seja responsável pelos encaminhamentos das demandas apresentadas pelos povos indígenas;

03- Não há elaboração e publicação de material didático específico e diferenciado;

04- Não estar havendo investimento na construção de escolas indígenas, para atender a demanda nova, nem antiga da educação escolar indígena, bem como da educação especial e educação infantil;

05- O governo tem fechado o diálogo com os povos indígenas, enquadrando a oferta da educação escolar indígena, nos mesmos moldes da educação regular, no que diz respeito à contratação de merendeiras, auxiliares e vigias para as escolas indígenas;

06- Não tem demonstrado preocupação em discutir uma política de transporte para nossos povos, comprometendo o funcionamento das nossas aulas, com sistemáticos atrasos nos pagamentos, obrigando os motoristas a pararem e consequentemente, ao fechamento das escolas; não há um orçamento definido e específico para o transporte indígena;

07- De forma deliberada, o governo tem esvaziado o conselho Estadual de Educação Escolar indígena, ausentando-se das discussões e se eximindo da construção da política de educação escolar indígena;

08- O Estado de Pernambuco não tem promovido a formação continuada dos nossos professores e quando o tem, o faz de forma fragmentada, dividindo os povos, o que causa em nós um total desconforto, já que optamos por estar juntos em todos os espaços de discussão que diga respeito à educação escolar indígena;

09- Não tem sido garantida a nossa participação nos espaços de controle social, como no Conselho do Fundeb, da merenda escolar, no conselho de normatização do Estado de Pernambuco;


Percebendo, portanto, esta negligência, com o governo se eximindo de sua responsabilidade atribuída pela legislação acima citada, é que recorremos a sua senhoria, na ânsia de poder ter, a partir da sua valorosa atenção, por parte do Estado, um diálogo permanente e profícuo, que o faça respeitar nossos direitos a uma verdadeira educação específica, diferenciada e intercultural, promotora do Bem Viver dos nossos povos.


Povos Indígenas de Pernambuco - Arcoverde, 22 de abril de 2014.



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