Usina força saída de índias de 'Bye Bye Brasil'

FSP, Poder 2, p. 7 - 30/08/2014
Usina força saída de índias de 'Bye Bye Brasil'
Mãe e filha da etnia xipaia que foram personagens do filme rodado em 1978 terão de deixar moradia por causa de Belo Monte
Moradoras de Altamira serão retiradas de casa antes de o reservatório da hidrelétrica inundar o entorno do rio Xingu

LUCAS REIS ENVIADO ESPECIAL A ALTAMIRA (PA)

A caravana mambembe interrompe a viagem pela Amazônia, em 1978, ao encontrar uma família indígena perdida, que pede carona até Altamira (PA), marco da rodovia Transamazônica.
"Depois que os brancos chegaram, minha aldeia se acabou", relata o cacique.
A história se repete no interior do Pará 36 anos depois da passagem da trupe fictícia de Lorde Cigano (José Wilker) e Salomé (Betty Faria), personagens de "Bye Bye Brasil" (1979), de Cacá Diegues.
Mãe e filha, índias que participaram das filmagens, serão retiradas de onde vivem há 30 anos por causa da usina de Belo Monte. A casa será inundada pelo reservatório da hidrelétrica.
"A gente é acostumada a ter o rio por perto. Como vai ser agora?", diz Maria Antônia Xipaia Curuaia, 52, ao lado da mãe, Maria Xipaia, 87.
Sentadas na varanda de casa, elas observam o que sobrou da vista do rio Xingu, um vão no muro da frente.
"Era tão bonito aqui, não tinha casa na frente, só rio. A gente se banhava, lavava roupa, a água era limpa. Agora não dá", afirma Maria, a mãe.
Maria tinha 50 anos, e Maria Antônia, 15, quando Diegues chegou à cidade, de 20 mil habitantes à época, para iniciar o seu novo filme.
O roteiro conta a saga da caravana Rolidei, que viajava para apresentar espetáculos de mágica e música.
Frustrado pela popularização da TV, o personagem de Wilker, aceita a dica de um caminhoneiro: Altamira, na metade da Transamazônica, era o novo "eldorado".
O filme retratava as mudanças em curso e a imbricação entre moderno e arcaico pelo no interior do país.
A presença de xipaias, curuaias e jurunas no Médio Xingu remete ao século 17. Eles sofreram impacto da exploração da borracha e de intervenções do regime militar, com a Transamazônica e distribuição de terras a colonos.
Maria e Maria Antônia já viviam em Altamira na época do filme. Os 13 índios que aparecem são parentes, exceto o cacique, um ator.
"Não tínhamos TV, tudo era novidade. A cidade parou. Ficamos tímidos, eles falavam o que fazer e pronto. O José Wilker contava da vida na cidade e perguntava como era aqui", diz Maria Antônia.
Passada a gravação, a equipe pagou os índios. "Meu pai repartiu o dinheiro. Eu dormia em rede, comprei cama e colchão", completa.
Para Diegues, o filme foi premonição do que estava acontecendo e do que ainda aconteceria no país. "Infelizmente, o pior da premonição continua nas invasões de terras indígenas, na eliminação deles e de seus valores", diz.
O reassentamento de índios não aldeados integra exigências que a Norte Energia, concessionária responsável pela obra, deve cumprir --fora da área urbana, outros índios sofrerão impacto. Segundo a empresa, cerca de 5.000 famílias da cidade serão realocadas em novos bairros.
Alguns índios da família retratada voltaram à aldeia, a 50 km da cidade. Os mais velhos morreram, e outros vivem até hoje em Altamira.

FSP, 30/08/2014, Poder 2, p. 7

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/183101-usina-forca-saida-de-indias-de-bye-bye-brasil.shtml
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