Potiguara: a luta contra os invasores

Correio da Paraíba (João Pessoa - PB) - 20/06/1989
Os fndios Pankararu, Pankarare e Xucurus que compareceram sexta-feira última ao i Encontro Poti­guara de Resistência e Luta em Baía da Traição, revelaram um problema em comum: todos estão à procura de reviver suas tradições e de achar um resultado justo para uma conta de subtrair. Quando a matemática esbarra neste ponto, deduz-se que a situação dos Potiguara é extrema­mente grave: seus problemas com os invasores somam a cada dia, mas as soluções para impedí-los de perder as terras que ocupam dimi­nuem assustadoramente.
Tangidos do Litoral norteriograndense na época dos pioneiros europeus, os Potiguara foram reco­nhecidos como donos da reserva de Baía da Traição em 23 de novembro de 1700, por ato da Carta Régia as­ sinada por D. Pedro, de Portugal.Mas, de lá para cá, os 32.220 hecta­res dos limites originais de suas ter­ras caíram para 20.820 hectares. Os 11.400 hectares que os potiguara reclamam como uma fatia de terras arrancada de seu quinhão, são ocu­padas hoje por terceiros, pouco in­comodados com as leis de proteção aos índios.
- Antigamente os invasores eram pessoas de fora. Atualmente a ex
propriação de terras e a exploração da mão de obra indígena também
é feita por poucos fndios , aponta o professor Frans Moonen, do Cen­tro de Ciências Humanas da UFPb, que há 20 anos estuda os problemas potiguara. Autor da monografia Os Indios Potiguara de São Miguel de Baía da Traição, Passado, Presente e Futuro, Moonen não hesita em declarar que "pessoas da própria comunidade indígena estão convertidas em capitalistas selva­gens, a explorar recursos territoriais e humanos da rkserva potiguara".
A observação de Moonen é pro­cedente. Qualquer visitante das 21
aldeias da reserva potiguara, nota que os remanescentes perderam, ao
longo de 288 anos, seus laços culturais: e que vivem como brancos, embora em permanente estado de penúria, a carecer de tudo, inclusive
de assistência médica. Entre os cin­co mil remanescentes, há uma
doença comum, o calazar, responsável por razoável índice de mortalidade. O fato de alguns poti­guara terem hoje energia elétrica e água encanada em suas aldeias surge aos olhos do visitante como a lenda do passarinho em sua gaiola de ouro, mas sem liberdade nem alimentação.
Um exemplo claro dessas defi­ciências é a Aldeia São Francisco, a sete quilômetros de Bafa da Traição.Ali, cerca de 500 remanescentes enfrentam dificuldades que o homem moderno já considera ultrapassadas. Os acessos são ruins e pioram com a chuva. Curumins de 12 e 14 anos jogam baralho nas bodegas improvi­sadas da aldeia., A alimentação bá­sica é farinha í de mandioca. Peixe e feijão, que eles dispunham com fartura em outros anos, atualmente são comprados a preços extorsivos.
Os potiguara são hábeis pescado­ res, mas faltam-lhes meios até para
desenvolver a pesca artesanal.
- A situação dos potiguara é ex­tremamente grave. Se hoje eles se privam de suas atividades básicas, também ficam tristes em observar que dos 20.820 hectares restantes da reserva, a maioria está invadida por plantadores de cana-de-açúcar, dispara Moonen. Para ele, os fa­zendeiros e plantadores irão se apo­derar totalmente da reserva, numa fração de tempo. Ele defende a idéia de que a reação aeve partir, inicial­mente, dos 'próprios potiguara.Os índios, na sua opinião, devem se reor­ganizar politicamente, sem interferên­cia de pessoas alheias à comu­nidade. "O importante nisto tudo é acabar com a influência dos caciques-da-cana", diz Moonen, numa alusão aos plantadores e às empre­sas agroindustriais que ele afirma te­rem se instalado em terras potigua­ra.
Os potiguara já tentaram a sua reorganização política. O primeiro cacique eleito na década de 40 foi Manoel Santana, logo substituído por seu filho, Daniel, que por se encon­trar doente legou a chefia a seu pri­mogênito, Heleno Santana dos Santos. Este, divide o poder com o atual cacique geral, João Batista Faustino, reconhecido como o ver­dadeiro chefe Potiguara. O 3o caci­que eleito antes de Heleno e Batista, Pedro Ciríaco, alcançou uma atua­ção notável, mas passou o cargo para Severino Fernandes da Silva, que, entre 81 e 84, reivindicou a de­marcação definitiva dos limites da reserva.
Batista e Heleno são os caci­ques gerais. Outras aldeias têm lí­deres, submetidos à autoridade tribal de Batista e Heleno. Elias Soares da Silva, líder da aldeia de Camunipin, nos limites de Bafa da Traição com Rio Tinto, denunciou, na sexta-feira, que o Calazar é o flagelo de seu po­vo. Manoel Eufrásio Rodrigues, da aldeia de São Miguel, recentemente proibiu a "descaracterização do ce­mitério Indígena", hoje invadido por túmulos de mármore. José de Lima, da aldeia Jacaré, e João Joca, de Grupiúna, reclamam da falta de meios de subsistência dos paren­tes, o termo genérico que os poti­guara usam para identificar qualquer índio das 21 aldeias da reserva ou que não pertençam a ela.
Lideres menores como Genival Francisco Bernardo, da aldeia Estiva Velha e João Leandro Soares, de Tamataia, não têm queixas diferen­tes. Mas um dos líderes não tem queixa alguma dos problemas poti­guara: é Raquel, da aldeia do Gale­go, a cinco quilômetros de Baía da Traição, que mora em razoável casa de alvenaria, tem automóvel, moto e trator, e planta abacaxi e cana-de-açúcar. A sua boa vida ele credita a um "trabalho honesto". Mas há quem diga que Raquel (Antonio Barbalho da Silva), arrenda terras potiguara a usineiros em nome da comunidade e usufrui sozinho dos lucros. Este as­sunto foi tratado no encontro de sexta-feira, com flagrante timidez.
Elias, o líder de Camurupin, ad­mite abertamente que arrenda terras à Destilaria Agican, para o plantio da cana-de-açúcar. Mesmo assim, re­conhece que o dinheiro do arrenda­mento não chega para resolver os
problemas da aldeia. Tonhô, um artesão da aldeia do Galego, não usufrui do lucro desse arrendamento e engorda o orçamento familiar con­feccionando arcos, flechas, pulsei­ras e bordunas, para vender por preços insignificantes. "No verão a procura é maior", explica.
Outros potiguara que não têm a habilidade de Tonhô nem de Raquel, vivem
precariamente da pesca ou da agri­cultura.
No cômputo geral dos problemas indígenas, todas as aldeias potiguara se consideram gêmeas. Em São Mi­guel, por exemplo, a menos de um quilômetro de Baía da Traição, os remanescentes não têm água enca­nada e andam muito para irem até a feira. Há seis meses não funciona o motor que puxa água de um poço artesiano, embora a vice-prefeita do municfpio, Iraçy Cassiano do Nas­cimento, seja uma potiguara, do Forte do Tambá.




ÍNDIOS BUSCAM SUA IDENTIDADE

Ultimamente, talvez para resgatar alguma coisa que ainda exista da sua aparente pureza racial, os potiguara se negam a contrair matrimô­nio fora da reserva. Quem advoga muito está causa é Eufrásio, líder de São Miguel, um mestiço cuja auten­ticidade indíqena foi posta à prova em Brasflia, por funcionários da Funai. Ele provou sua condição de índio exibindo o retrato de sua avó, com marcantes traços fisionômicos potiguara. No encontro Potiguara, só o cacique João Batista Faustino lem­brou de tudo isso. Eliane Potiguara, uma carioca que promoveu o En­contro, emprestou ao evento o as­pecto de um simpósio.
- A força da mulher indígena é justa e leal. A mãe de família sabe a dor e o sofrimento do parto. Os ín­dios do Brasil necessitam de suas terras. Se no Brasil há um dirigente incapaz, que eie saia e nos deixe governar, colocou Quitéria Binga, líder dos Pankararu de Pernambuco, presente no encontro. Ao exibir-se uma dança ritual de sua aldeia, Binga demonstrou que nem tudo está perdido na cultura Pankararu: os dançarinos evocam "guerreiros e caboclos nesta cantoria, mas miscigenam o enredo com pontos de macumba e candoblé. Aqui, os Pankararu deixam transparecer o que hoje é o seu povo: um intercruzamento racial, com fortes características do índio, branco e negro.
O Toré, a dança ritual dos poti­guara, é um pouco diferente: 15 dan­çarinos fazem um cfrculo em tomo de três músicos, que tocam maracás, pífanos e tambores. Ao som do maracâ, eles se ajoelham e fazem prece. Depois, todos se levantam e iniciam a dança. O sinal é o toque de um pífano, entre grave e fanhoso. Batista, o cactque, puxa um refrão: "quem tocou a lança fina/íoi a flor da maravilha". E todos respondem o estribilho, girando o copo à direita e à esquerda, com ligeira e intermediá­ria flexão.
Há quem admita que o Toré, um resquício Jas tendas e culturas poti­guara, Afiglnalmente contava o con­tato dos primeiros índios com euro­peus. Seriam contatos pioneiros dos potiguara com marinheiros da armada de Vespúcio, que teria aportado a sua armada em frente ao Monte do Tambá, em 1501..
- Nossos índios estão longe de se organizarem. O Encontro da última sexta-feira refletiu isso muito bem'. observou o professor de Bio­logia Jair César de Miranda Coêlho, da Universidade Autônoma da Pa­raíba. Para ele "os fndios nâo têmainda reconhecidos seus direitos na nova Constituição e o que se viu, na aldeia São Francisco, não passou de outra invasão da Legião Estrangeira do Sul, que veio organizar o Encontro".
Segundo Jair, os visitantes habi­tuais dos potiguara se admiraram de uma Eliane Potiguara, da ABI do Rio, e de um Tiuré, ambos há anos ausentes da reserva, comportaram-se como turistas, diante do Toré. O importante, rebate Jair, ô que a se­ mente foi plantada: "os índios de Baía da Traição são os verdadeiros donos da terra, pois alí já se encon­travam desde os tempos de Cabral.
PIB:Nordeste

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