Os fndios Pankararu, Pankarare e Xucurus que compareceram sexta-feira última ao i Encontro Potiguara de Resistência e Luta em Baía da Traição, revelaram um problema em comum: todos estão à procura de reviver suas tradições e de achar um resultado justo para uma conta de subtrair. Quando a matemática esbarra neste ponto, deduz-se que a situação dos Potiguara é extremamente grave: seus problemas com os invasores somam a cada dia, mas as soluções para impedí-los de perder as terras que ocupam diminuem assustadoramente.
Tangidos do Litoral norteriograndense na época dos pioneiros europeus, os Potiguara foram reconhecidos como donos da reserva de Baía da Traição em 23 de novembro de 1700, por ato da Carta Régia as sinada por D. Pedro, de Portugal.Mas, de lá para cá, os 32.220 hectares dos limites originais de suas terras caíram para 20.820 hectares. Os 11.400 hectares que os potiguara reclamam como uma fatia de terras arrancada de seu quinhão, são ocupadas hoje por terceiros, pouco incomodados com as leis de proteção aos índios.
- Antigamente os invasores eram pessoas de fora. Atualmente a ex
propriação de terras e a exploração da mão de obra indígena também
é feita por poucos fndios , aponta o professor Frans Moonen, do Centro de Ciências Humanas da UFPb, que há 20 anos estuda os problemas potiguara. Autor da monografia Os Indios Potiguara de São Miguel de Baía da Traição, Passado, Presente e Futuro, Moonen não hesita em declarar que "pessoas da própria comunidade indígena estão convertidas em capitalistas selvagens, a explorar recursos territoriais e humanos da rkserva potiguara".
A observação de Moonen é procedente. Qualquer visitante das 21
aldeias da reserva potiguara, nota que os remanescentes perderam, ao
longo de 288 anos, seus laços culturais: e que vivem como brancos, embora em permanente estado de penúria, a carecer de tudo, inclusive
de assistência médica. Entre os cinco mil remanescentes, há uma
doença comum, o calazar, responsável por razoável índice de mortalidade. O fato de alguns potiguara terem hoje energia elétrica e água encanada em suas aldeias surge aos olhos do visitante como a lenda do passarinho em sua gaiola de ouro, mas sem liberdade nem alimentação.
Um exemplo claro dessas deficiências é a Aldeia São Francisco, a sete quilômetros de Bafa da Traição.Ali, cerca de 500 remanescentes enfrentam dificuldades que o homem moderno já considera ultrapassadas. Os acessos são ruins e pioram com a chuva. Curumins de 12 e 14 anos jogam baralho nas bodegas improvisadas da aldeia., A alimentação básica é farinha í de mandioca. Peixe e feijão, que eles dispunham com fartura em outros anos, atualmente são comprados a preços extorsivos.
Os potiguara são hábeis pescado res, mas faltam-lhes meios até para
desenvolver a pesca artesanal.
- A situação dos potiguara é extremamente grave. Se hoje eles se privam de suas atividades básicas, também ficam tristes em observar que dos 20.820 hectares restantes da reserva, a maioria está invadida por plantadores de cana-de-açúcar, dispara Moonen. Para ele, os fazendeiros e plantadores irão se apoderar totalmente da reserva, numa fração de tempo. Ele defende a idéia de que a reação aeve partir, inicialmente, dos 'próprios potiguara.Os índios, na sua opinião, devem se reorganizar politicamente, sem interferência de pessoas alheias à comunidade. "O importante nisto tudo é acabar com a influência dos caciques-da-cana", diz Moonen, numa alusão aos plantadores e às empresas agroindustriais que ele afirma terem se instalado em terras potiguara.
Os potiguara já tentaram a sua reorganização política. O primeiro cacique eleito na década de 40 foi Manoel Santana, logo substituído por seu filho, Daniel, que por se encontrar doente legou a chefia a seu primogênito, Heleno Santana dos Santos. Este, divide o poder com o atual cacique geral, João Batista Faustino, reconhecido como o verdadeiro chefe Potiguara. O 3o cacique eleito antes de Heleno e Batista, Pedro Ciríaco, alcançou uma atuação notável, mas passou o cargo para Severino Fernandes da Silva, que, entre 81 e 84, reivindicou a demarcação definitiva dos limites da reserva.
Batista e Heleno são os caciques gerais. Outras aldeias têm líderes, submetidos à autoridade tribal de Batista e Heleno. Elias Soares da Silva, líder da aldeia de Camunipin, nos limites de Bafa da Traição com Rio Tinto, denunciou, na sexta-feira, que o Calazar é o flagelo de seu povo. Manoel Eufrásio Rodrigues, da aldeia de São Miguel, recentemente proibiu a "descaracterização do cemitério Indígena", hoje invadido por túmulos de mármore. José de Lima, da aldeia Jacaré, e João Joca, de Grupiúna, reclamam da falta de meios de subsistência dos parentes, o termo genérico que os potiguara usam para identificar qualquer índio das 21 aldeias da reserva ou que não pertençam a ela.
Lideres menores como Genival Francisco Bernardo, da aldeia Estiva Velha e João Leandro Soares, de Tamataia, não têm queixas diferentes. Mas um dos líderes não tem queixa alguma dos problemas potiguara: é Raquel, da aldeia do Galego, a cinco quilômetros de Baía da Traição, que mora em razoável casa de alvenaria, tem automóvel, moto e trator, e planta abacaxi e cana-de-açúcar. A sua boa vida ele credita a um "trabalho honesto". Mas há quem diga que Raquel (Antonio Barbalho da Silva), arrenda terras potiguara a usineiros em nome da comunidade e usufrui sozinho dos lucros. Este assunto foi tratado no encontro de sexta-feira, com flagrante timidez.
Elias, o líder de Camurupin, admite abertamente que arrenda terras à Destilaria Agican, para o plantio da cana-de-açúcar. Mesmo assim, reconhece que o dinheiro do arrendamento não chega para resolver os
problemas da aldeia. Tonhô, um artesão da aldeia do Galego, não usufrui do lucro desse arrendamento e engorda o orçamento familiar confeccionando arcos, flechas, pulseiras e bordunas, para vender por preços insignificantes. "No verão a procura é maior", explica.
Outros potiguara que não têm a habilidade de Tonhô nem de Raquel, vivem
precariamente da pesca ou da agricultura.
No cômputo geral dos problemas indígenas, todas as aldeias potiguara se consideram gêmeas. Em São Miguel, por exemplo, a menos de um quilômetro de Baía da Traição, os remanescentes não têm água encanada e andam muito para irem até a feira. Há seis meses não funciona o motor que puxa água de um poço artesiano, embora a vice-prefeita do municfpio, Iraçy Cassiano do Nascimento, seja uma potiguara, do Forte do Tambá.
ÍNDIOS BUSCAM SUA IDENTIDADE
Ultimamente, talvez para resgatar alguma coisa que ainda exista da sua aparente pureza racial, os potiguara se negam a contrair matrimônio fora da reserva. Quem advoga muito está causa é Eufrásio, líder de São Miguel, um mestiço cuja autenticidade indíqena foi posta à prova em Brasflia, por funcionários da Funai. Ele provou sua condição de índio exibindo o retrato de sua avó, com marcantes traços fisionômicos potiguara. No encontro Potiguara, só o cacique João Batista Faustino lembrou de tudo isso. Eliane Potiguara, uma carioca que promoveu o Encontro, emprestou ao evento o aspecto de um simpósio.
- A força da mulher indígena é justa e leal. A mãe de família sabe a dor e o sofrimento do parto. Os índios do Brasil necessitam de suas terras. Se no Brasil há um dirigente incapaz, que eie saia e nos deixe governar, colocou Quitéria Binga, líder dos Pankararu de Pernambuco, presente no encontro. Ao exibir-se uma dança ritual de sua aldeia, Binga demonstrou que nem tudo está perdido na cultura Pankararu: os dançarinos evocam "guerreiros e caboclos nesta cantoria, mas miscigenam o enredo com pontos de macumba e candoblé. Aqui, os Pankararu deixam transparecer o que hoje é o seu povo: um intercruzamento racial, com fortes características do índio, branco e negro.
O Toré, a dança ritual dos potiguara, é um pouco diferente: 15 dançarinos fazem um cfrculo em tomo de três músicos, que tocam maracás, pífanos e tambores. Ao som do maracâ, eles se ajoelham e fazem prece. Depois, todos se levantam e iniciam a dança. O sinal é o toque de um pífano, entre grave e fanhoso. Batista, o cactque, puxa um refrão: "quem tocou a lança fina/íoi a flor da maravilha". E todos respondem o estribilho, girando o copo à direita e à esquerda, com ligeira e intermediária flexão.
Há quem admita que o Toré, um resquício Jas tendas e culturas potiguara, Afiglnalmente contava o contato dos primeiros índios com europeus. Seriam contatos pioneiros dos potiguara com marinheiros da armada de Vespúcio, que teria aportado a sua armada em frente ao Monte do Tambá, em 1501..
- Nossos índios estão longe de se organizarem. O Encontro da última sexta-feira refletiu isso muito bem'. observou o professor de Biologia Jair César de Miranda Coêlho, da Universidade Autônoma da Paraíba. Para ele "os fndios nâo têmainda reconhecidos seus direitos na nova Constituição e o que se viu, na aldeia São Francisco, não passou de outra invasão da Legião Estrangeira do Sul, que veio organizar o Encontro".
Segundo Jair, os visitantes habituais dos potiguara se admiraram de uma Eliane Potiguara, da ABI do Rio, e de um Tiuré, ambos há anos ausentes da reserva, comportaram-se como turistas, diante do Toré. O importante, rebate Jair, ô que a se mente foi plantada: "os índios de Baía da Traição são os verdadeiros donos da terra, pois alí já se encontravam desde os tempos de Cabral.
PIB:Nordeste
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