Em recente decisão no Mandado de Segurança no 1.835-5, o STJ entendeu ser ilegal a decretação da interdição de área indígena pelo Ministro da Justiça na Portaria que declara como de posse permanente e usufruto exclusivo indígena determinado território. O MS foi impetrado pelas empresas usineiras Rio Vermelho Agropastoril Mercantil S/A, Destilaria Miriri S/A e Usina Central Nossa Senhora de Lourdes S/A, todas representadas pelo advogado Oscar Dias Correia, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e Ministro da Justiça durante o governo Sarney.
O objetivo do mandado de segurança é tornar insubsistente a Portaria do Ministério da Justiça que, em 1/6/92, declarou com o de posse permanente dos índios Potiguara aproximadamente 4.500 hectares da área indígena denominada Jacaré de São Domingos, localizada no Município de Rio Tinto, na Paraíba.
A decisão contradiz a jurisprudência predominante nos tribunais brasileiros, que afirma não ser o MS a via judicial adequada para discutir tais questões, as quais dependem de produção e análise substancial de provas - o que só é possível por meio de um procedimento ordinário. Os ministros integrantes da 1ª Seção daquele Tribunal admitiram a documentação apresentada pelas usineiras, na tentativa de demonstrar a sua posse sobre a área em questão, como prova preconstituída suficiente dos fatos e fundamentos por elas sustentados, contra os quais, na opinião dos ministros, não se insurgiram o Ministro da Justiça, sequer o Ministério Pública Federal. Isto porque, do processo administrativo de demarcação não participaram as empresas usineiras, não tendo sido levados em consideração os eventuais tíiulos, a despeito do 6o do Art. 231 da Constituição Federal, que estabelece a nulidade de pleno direito de todos eles.
A decisão é grave além de equivocada pois, embora partas da premissa de que na Constituição Federal "a propriedade privada distanciou-se do seu conceito tradicional... ficando excepcionado o direito adquirido do particular", termina por concluir que o Art. 231 da Constituição Federal pressupõe a verificação da ocupação tradicional pelos índios por meio de uma ação judicial demarcatória que, absurdamente, teria prazo de 5 anos nos moldes do Art. 67 das Disposições Constitucionais Transitórias, quando não de uma discriminatória para examinar a legitimidade dos títulos e "depois dizer se as terras pertencem aos particulares ou aos índios".
E em sendo assim, não poderia o Executivo interditar determinada área enquanto durasse a discussão judicial sobre ela, tudo isso em nome da "paz social" já que os "princípios destinados aos relacionamentos com as nações indígenas" não podem ser entendidos de modo a "semear a discórdia ou o desajuste social ou, com o sacrifício da cidadania, a duras lidas, semeada pela Constituição Federal".
ALVO: A INTERDIÇÃO
O grande alvo da discussão durante o julgamento foi, no entanto, o item da Portaria ministerial que se referia à interdição da Área Indígena Jacaré de São Domingos. Entenderam os ministros que interdição de área indígena só se justifica em caráter excepcional, não existindo base legal para a previsão do Decreto no 22/91, que a incorpora ao processo administrativo de demarcação. Neste sentido, afirmam que "os aspectos culturais e o reconhecimento do direito dos índios à posse permanente das terras por eles habitadas" independem da proibição de acesso à área por terceiros.
Se, por um lado, os direitos indígenas não estão realmente condicionados a qualquer ato administrativo, posto que anteriores e originários conforme concebidos na Constituição, por outro, é claro que os doutos julgadores deixaram de considerar a obrigação também constitucional da União de proteger as terras indígenas, bem como de garantir aos índios o usufruto exclusivo dos recursos naturais nelas existentes.
INTERDIÇÃO DISTORCIDA
Desses conceitos decorre, obviamente, a necessidade de proibir o ingresso, o trânsito e a permanência de terceiros não-autorizados nas áreas declaradas com o de posse permanente de determinada comunidade indígena, sem o que não é possível proteger ou garantir exclusividade. Tal proibição nada mais é, na prática, que a tão com batida Interdição que, portanto, advém do próprio dispositivo constitucional - só não vê quem não quer.
as considerações dos ministros prosseguem durante o julgamento do MS, não se sabe se por engano ou erro consciente, interpretando de maneira absurda e única os dispositivos constitucionais e fazendo letra morta dos maiores avanços alcançados pelo constituinte de 1988.
O que dizer, por exemplo, da afirmativa de que "em face da garantia do direito de propriedade - o qual, por sua vez, é uma garantia da Constituição - não poderia... a FUNAI levantar dados e o Sr. Ministro declarar, desde logo, como terra tradicionalmente ocupada pelo índios" determinado território? E do comentário de que é nisso "que consiste... o arbítrio do Sr. Ministro da Justiça ao declarar, de pronto, numa Portaria, que toda essa documentação (referindo-se aos títulos apresentados pelas usineiras), legitimamente registrada em cartório, até prova em contrário, não tem nenhum valor jurídico. A constituição garante esse direito de propriedade até prova em contrário"?
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Ora, trata-se aqui de inversão total do ônus da prova, despejando sobre os índios a obrigação de provar que Já estavam antes dos usineiros, fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e quem mais se dispuser a usurpar-lhes os direitos. É temerário perceber que os ilustres ministros resolveram ignorar a garantia constitucional expressa quanto aos direitos originários dos índios às suas terras, colocando em risco todo o processo de demarcação no país, consolidado a custa de imensos esforços nos últimos quatro anos.
O Ministério Público Federal já apresentou imbargos de Declaração ao STJ, a fim de esclarecer o que considera serem pontos obscuros na decisão proferida pelos ministros. Prepara também um Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal já que tal decisão fere matéria constitucional e, por isso, precisa ser revista.
Esperamos que o STJ, corte encarregada da guarda de nossa Constituição em última instância, mantendo-se inclusive fiel aos seu próprio entendimento jurisprudencial, reforme totalmente a decisão em questão, reconhecendo os direitos indígenas e a legalidade do ato do Ministro da Justiça, para remeter às vias ordinárias todas as demais questões.
PIB:Nordeste
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