FSP, Poder, p. A6 - 26/01/2015
Justiça manda governo compensar fazendeiros por ocupações de índios
Decisão tenta resolver disputa em Mato Grosso do Sul e prevê arrendamento a valores de mercado
Ministério da Justiça e produtores afirmam que irão recorrer; defesa de indígenas aprova medida
JOSÉ MARQUES DE SÃO PAULO
Iniciada após a Guerra do Paraguai (1864-1870), a disputa de terras entre índios e fazendeiros em Mato Grosso do Sul segue sem solução.
Neste mês, a 2ª Vara Federal em Dourados (MS) determinou que sejam demarcadas sete terras, englobando cerca de 40 aldeias guaranis. Enquanto não são indenizados, os produtores seriam pagos, a preço de mercado, pelo uso das terras usadas por índios.
Caso haja descumprimento, o dinheiro será bloqueado do Orçamento da União, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, responderá por crime de responsabilidade. O ministério informou que recorrerá da decisão.
A intenção da pasta é resolver o problema em mesas de negociação --ou de "diálogo", como dizem os índios.
A decisão responde a termo de compromisso celebrado --mas nunca cumprido-- em 2007, entre a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o Ministério Público Federal.
A demarcação envolve, por exemplo, os 14 mil guarani-kaiowá da reserva de Dourados e os que ocuparam fazendas da área. Como outras etnias, eles foram expulsos pela União e realocados em reservas ou acampamentos.
OUTRAS DEMARCAÇÕES
Para o procurador que entrou com a ação, a sentença pode nortear outras demarcações no país (leia ao lado).
O Ministério da Justiça, por sua vez, diz ser "impossível" que estudos necessários se realizem no prazo e que a imposição pode criar novos atritos. "[A decisão] não soluciona nem pacifica", diz Marcelo Veiga, assessor da pasta.
A Famasul (Federação de Agricultura e Pecuária de MS) "analisa a possibilidade de recorrer" e diz que os fazendeiros "não foram questionados" sobre receber por arrendamento. Para Gustavo Passarelli, advogado da entidade, invasores devem ser retirados.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que defende indígenas, é favorável. "É uma falácia criminosa dizer que mesas vão ser solução. Não se negocia direito dos índios", defende o coordenador da entidade, Flávio Carvalho.
O Ministério da Justiça diz que pretende conduzir novas demarcações após concluir o impasse da terra indígena Buriti, em Sidrolândia (MS). A área, com cerca de 30 propriedades rurais, ficou conhecida quando o indígena Oziel Gabriel foi morto numa reintegração de posse em 2013.
No fim de 2014, União e proprietários fizeram acordo para que tudo seja decidido em conciliação, após avaliação dos terrenos por peritos. Veiga, do ministério, considera a possibilidade de desapropriação para os fazendeiros que não fecharem acordo. Ele espera que a situação se resolva ainda neste ano.
Para procurador, ação impede que União se omita
DE SÃO PAULO
Procurador do Ministério Público Federal em Dourados (MS), Marco Antônio Delfino de Almeida entrou na Justiça para obrigar o governo a demarcar sete terras indígenas no centro-sul do Estado.
Descrente da possibilidade de uma solução negociada para o problema, ele classifica as reuniões como "desperdício de tempo e dinheiro" e critica promessas não cumpridas do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), a quem chama de "alto mandatário".
Folha - Como andam as negociações de demarcação?
Marco Delfino - A União não pode se eximir de um papel central no processo, ainda mais quando houve declarações públicas de altas autoridades federais, que vieram a MS em 2013 e disseram que a solução se daria em 90 dias. Quase dois anos depois, muito pouco avançou.
O que essa decisão da Justiça Federal tem de novo?
Ela foge ao caso específico. Aponta que a União tem de responder pela omissão na demarcação e que a forma de reparar a mora nesse processo é que os índios permaneçam nos locais e os proprietários sejam indenizados.
O Ministério da Justiça vai recorrer da decisão.
Isso mostra a incoerência do governo federal. Um alto mandatário diz "eu só não executo mais porque não tenho segurança jurídica". Aí uma decisão judicial estabelece um norte e mesmo assim haverá recurso. É a demonstração clara de que o governo não está comprometido com uma decisão. Ele tenta, ao mesmo tempo, atender aos indígenas e aos produtores rurais e fica, efetivamente, sem fazer nada.
A negociação avança?
Entendo que não. Inclusive porque a gente nem participa mais da mesa.
Vocês estão fora?
Não, mas a mesa já não se reúne regularmente. Ela acabou enfocando apenas o caso da terra indígena Buriti, mas em relação aos guarani-kaiowá o avanço foi zero. Apesar da palavra forte, me parece que foi apenas desperdício de tempo e dinheiro. Nenhum encaminhamento foi realizado, apesar das inúmeras reuniões. (JM)
FSP, 26/01/2015, Poder, p. A6
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/205560-justica-manda-governo-compensar-fazendeiros-por-ocupacoes-de-indios.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/205563-para-procurador-acao-impede-que-uniao-se-omita.shtml
PIB:Mato Grosso do Sul
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