FSP, Poder, p. A9 - 10/04/2015
Evangélico é acusado de explorar índios e fazer proselitismo
Segundo Ministério Público, missionário manteve 96 indígenas em condições análogas à escravidão no Pará
Religioso teria ligação com grupo expulso de tribo nos anos 90 por tentar impor a cultura cristã e trazer doenças
JOSÉ MARQUES DE BELÉM
Um missionário evangélico foi denunciado pelo Ministério Público Federal em Santarém (PA) porque, impossibilitado de pregar para os índios da etnia zo'é no território da tribo, convenceu parte deles a ir à fazenda de um amigo para orarem e, ao mesmo tempo, trabalharem na colheita de castanha.
Em troca, os zo'é ganhavam panelas, roupas velhas, redes e outros utensílios.
Segundo a Procuradoria, o religioso, Luiz Carlos Ferreira, e o dono do castanhal, Manoel Oliveira, mantiveram 96 indígenas em condição análoga à escravidão, com o agravante de terem cometido crime contra os costumes -previsto no Estatuto dos Índios.
Ferreira é acusado de praticar "proselitismo religioso", o que violaria o direito à "manutenção de culturas próprias". A Justiça ainda não aceitou a ação.
O missionário evangélico é dissidente da Missão Novas Tribos do Brasil, que, embora tenha descoberto os zo'é nos anos 1980, foi expulsa pela Funai da tribo em 1991. O órgão federal afirma que o grupo, além de tentar impor a cultura cristã, trouxe doenças aos nativos.
A tribo zo'é é considerada de recente contato, que ainda cultiva tradições e tem dificuldades em se comunicar em português.
Sua principal característica é uma madeira que usam na altura do queixo.
A discussão sobre a presença dos missionários na tribo virou um imbróglio jurídico e foi parar no Supremo Tribunal Federal, que decidiu em favor da Funai.
Após a expulsão do grupo evangélico, Ferreira passou a fazer parte da Igreja Batista. O Ministério Público, porém, alega que ele, extraoficialmente, ainda é membro da missão e chegou a erguer uma capela na fazenda.
"Havia um acordo do missionário com o castanheiro. Os índios eram trazidos para a colheita e viravam alvo fácil para o missionário", diz o procurador Luís de Camões Boaventura, autor da ação.
O Ministério Público foi provocado após vistoria da Funai que afirma ter encontrado os zo'é em barracões precários, com pouca comida, bebendo água contaminada por fezes de porcos e sem atendimento médico.
IMPACTO RELIGIOSO
Apesar disso, os índios voltaram ao local ano a ano, nos três meses da colheita. Em três vistorias, feitas entre 2010 e 2012, foram encontrados membros da tribo no castanhal. E a desconfiança é que a prática se repetia há algum tempo.
Para o coordenador da Funai que cuida de índios isolados e de recente contato, Carlos Travassos, a dupla se aproveitou da "falta de conhecimento dos zo'é sobre os nossos códigos sociais".
Ele diz que o órgão condena o "proselitismo religioso" porque pode haver "impacto negativo" para as tribos.
Outro lado
À polícia, acusados negaram ter recrutado nativos
DE BELÉM
A Folha não conseguiu localizar o missionário Luiz Carlos Ferreira e o fazendeiro Manoel Oliveira.
Em depoimento à polícia, Oliveira disse que os índios estavam lá por vontade própria.
Ferreira, também ao depor, negou ter recrutado os indígenas e afirmou que sua atuação religiosa não tem ligação com o trabalho na fazenda.
A Igreja Batista de Santarém disse que o missionário se desligou há alguns anos da instituição e que, por isso, não comentaria o caso.
Procurada, a Missão Novas Tribos do Brasil não quis se manifestar sobre a denúncia do Ministério Público Federal.
Em seu site, a entidade diz explicitamente que tem o propósito de evangelizar índios e que sofre oposição de antropólogos e da igreja Católica.
FSP, 10/04/2015, Poder, p. A9
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/215353-evangelico-e-acusado-de-explorar-indios-e-fazer-proselitismo.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/215354-a-policia-acusados-negaram-ter-recrutado-nativos.shtml
PIB:Amapá/Norte do Pará
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