Barragens do Tapajós - 4: Hidrovias e os Munduruku

Amazônia Real (Manaus - AM) - www.amazoniareal.com.br - 20/07/2015
Barragens inundam cachoeiras que dificultam a navegação, e as eclusas associadas às barragens permitem a passagem de barcaças para transporte de commodities, principalmente a soja. O Brasil possui extensos planos para a navegação (por exemplo, [1, 2]) e essas barragens permitiriam a abertura da hidrovia do Tapajós, planejada para levar soja de Mato Grosso para portos em Santarém, Santana e Barcarena, assim dando acesso ao rio Amazonas e ao oceano Atlântico [1, 3].

Uma barragem adicional, que não é mencionada no "eixo energia" do plano, seria necessária para concluir a hidrovia: a de Chacorão, no rio Tapajós (por exemplo, [39]). Essa obra também não aparece entre as barragens listadas nos PDEs 2011-2020, 2012-2021 e 2013-2022 [4-6]. Por outro lado, a UHE Chacorão figura no estudo de viabilidade [7] e na avaliação ambiental integrada (AAI) das barragens do Tapajós ([8], p. 60). Além disso, as eclusas dessa barragem são indicadas como "prioritárias" no Plano Nacional Hidroviário (PNH) ([9], p. 22). A UHE Chacorão permitiria que barcaças atravessassem a cachoeira de Chacorão.

Chacorão inundaria 18.700 ha da TI Munduruku [3]; no caso das UHEs de São Luiz do Tapajós e Jatobá, os reservatórios alagariam terras do povo Munduruku que não foram ainda oficialmente designadas como uma TI [10, 11]. Note-se que o reconhecimento de TIs no Brasil encontra-se essencialmente paralisado há alguns anos, reportadamente devido a ordens superiores, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não nega (e.g., [12]). Uma pergunta tem sido se essa paralisação visa, entre outros objetivos, facilitar a inundação de áreas habitadas por povos indígenas que ainda não foram reconhecidas como TIs, como no caso dos Munduruku ao longo do rio Tapajós, mais especificamente daqueles que vivem na área das represas planejadas de São Luiz do Tapajós e Jatobá. A resposta dessa pergunta ficou clara em um vídeo de Maria Augusta Assirati, presidente interina da Funai, em lágrimas quando ela tentava explicar para um grupo de Munduruku em setembro de 2014 que a papelada para a criação da sua reserva estava completamente pronta para a assinatura dela e que se encontrava na mesa dela há mais de um ano, mas que "outros orgãos do governo começaram a discutir a proposta" por causa dos planos hidrelétricos [13]. Ela foi substituída como chefe da FUNAI nove dias depois, com a papelada ainda não assinada e, posteriormente, ela confirmou a interferência [14, 17].

NOTAS

[1] Brasil, PR (Presidência da República). 2011. PAC-2 Relatórios. PR, Brasília, DF. Disponível em: http://www.brasil.gov.br

[2] Fearnside, P.M. 2001. Soybean cultivation as a threat to the environment in Brazil. Environmental Conservation 28(1): 23-38. doi: 10.1017/S0376892901000030 Versão em Português disponível em: http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2006/Soja-Amazonia%20500%20anos.pdf

[3] Millikan, B. 2011. Dams and Hidrovias in the Tapajos Basin of Brazilian Amazonia: Dilemmas and Challenges for Netherlands-Brazil Relations. International Rivers Technical Report. International Rivers, Berkeley, California, E.U.A. 36 p. http://www.bothends.org/uploaded_files/inlineitem/41110615_Int_Rivers_report_Tapajos.pdf

[4] Brasil, MME (Ministério das Minas e Energia). 2013. Plano Decenal de Expansão de Energia 2022. MME, Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Brasília, DF. 409 p. Disponível em: http://www.epe.gov.br/PDEE/20140124_1.pdf

[5] Brasil, MME (Ministério das Minas e Energia). 2011. Plano Decenal de Expansão de Energia 2020. MME, Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Brasília, DF. 2 vols. Disponível em: http://www.epe.gov.br/PDEE/20111229_1.pdf

[6] Brasil, MME (Ministério das Minas e Energia). 2012. Plano Decenal de Expansão de Energia 2021. MME, Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Brasília, DF. 386 p. Disponível em: http://www.epe.gov.br/PDEE/20120924_1.pdf

[7] CNEC (Consórcio Nacional dos Engenheiros Consultores). 2014. Estudo de Viabilidade do AHE São Luiz do Tapajós. CNEC, São Paulo, SP. 11 Vols. + anexos.

[8] Grupo de Trabalho Tapajós & Ecology Brasil (Ecology and Environment do Brasil). 2014. Sumário Executivo: Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Tapajós. 2580-00-AAI-RL-0001-01. Abril 2014. Ecology Brasil, Rio de Janeiro, RJ 109 p. http://www.grupodeestudostapajos.com.br/site/wp-content/uploads/2014/04/Sumario_AAI.pdf

[9] Brasil, MT (Ministério dos Transportes). 2010. Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário. MT, Secretaria de Política Nacional de Transportes, Brasília, DF. 33 p. http://www2.transportes.gov.br/Modal/Hidroviario/PNHidroviario.pdf

[10] Ortiz, F. 2013. Índios Munduruku vão à Brasília contra usinas no Tapajós. OEco 12 de dezembro de 2013. http://www.oeco.org.br/noticias/27850-indios-munduruku-vao-a-brasilia-contra-usinas-no-tapajos

[11] Lourenço, L. 2014. MPF processa União e Funai por demora na demarcação de terra indígena no Pará. Agência Brasil. 27 de maio de 2014. Disponível em: http://amazonia.org.br/2014/05/mpf-processa-uni%c3%a3o-e-funai-por-demora-na-demarca%c3%a7%c3%a3o-de-terra-ind%c3%adgena-no-par%c3%a1/

[12] CIMI (Comissão Indigenista Missionária). 2014. Enquanto Funai admite orientação para paralisar demarcações, relatório demonstra efeitos da política governista. Amazônia.org 19 de julho de 2014 http://amazonia.org.br/2014/07/enquanto-funai-admite-orientacao-para-paralisar-demarcacoes-relatorio-demonstra-efeitos-da-politica-governista/[20/07/2014 15:36:27].

[13] Amigos da Terra-Amazônia Brasileira. 2014. Funai admite pressão e condiciona demarcação à hidrelétrica. Notícias, 26 de novembro de 2014. Disponível em: http://amazonia.org.br/2014/11/funai-admite-press%C3%A3oe-condiciona-demarca%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-hidrel%C3%A9trica/

[14] Aranha, A. 2015. "A Funai está sendo desvalorizada e sua autonomia totalmente desconsiderada", diz ex-presidente. Publica Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo 27 de janeiro de 2015. Disponível em: http://apublica.org/2015/01/a-funai-esta-sendo-desvalorizada-e-sua-autonomia-totalmente-desconsiderada-diz-ex-presidente/

[15] Fearnside, P.M. 2014. Análisis de los Principales Proyectos Hidro-Energéticos en la Región Amazónica. Derecho, Ambiente y Recursos Naturales (DAR) & Centro Latinoamericano de Ecología Social (CLAES), Lima, Peru. 55 p. doi: 10.13140/RG.2.1.3609.8083 http://www.dar.org.pe/archivos/publicacion/147_Proyecto_hidro-energeticos.pdf.

Versão em Português disponível em: http://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2013/Barragens%20na%20Amazônia_Série_Amazônia%20Real.pdf

[16] Fearnside, P.M. 2015. Amazon dams and waterways: Brazil's Tapajós Basin plans. Ambio. doi: 10.1007/s13280-015-0642-z. http://link.springer.com/article/10.1007/s13280-015-0642-z.

[17] Isto é uma tradução parcial atualizado de [16]. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1). Parte deste texto foi traduzido e adaptado de [15]. Uma versão deste texto será incluída em um compendio organizado por International Rivers sobre as barragens na bacia do Tapajós. Agradeço a P.M.L.A. Graça, D. Alarcon, I.F. Brown pelos comentários.



Philip M. Fearnside fez doutorado no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM) desde 1978. Membro da Academia Brasileira de Ciências, também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis através de http://philip.inpa.gov.br.

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PIB:Tapajós/Madeira

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