Comunidades indígenas do Amapá são pioneiras na criação de protocolos de consulta

Procuradoria-Geral da República/Ministério Público Federal - PGR/MPF - www.pgr.mpf.mp.br - 16/11/2015
Para garantir a efetividade do direito à consulta prévia, garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do trabalho, indígenas da terra Wajãpi elaboraram seu próprio protocolo de consulta, que estabelece regras de como devem ser feitas as consultas pelo governo nos projetos que impactem a comunidade e o seu modo de vida. O resultado do trabalho dos Wajãpi foi apresentado durante o seminário "O Direito dos povos e comunidades tradicionais à consulta prévia", realizado pelo MPF/AP e o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e pelo Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina) nessa quinta-feira, 12 de novembro, em Macapá.

O representante da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão no Amapá, que trata de povos indígenas e comunidades tradicionais, procurador da República Thiago Almeida destacou o pioneirismo da etnia na discussão do tema e elaboração dos seus próprios protocolos. "Tudo isso acontece pela iniciativa dos Wajãpi de honrar seu protocolo de consulta em um momento em que isso ainda era pouquíssimo conhecido entre as próprias comunidades e a grande persistência de mostrar ao mundo esse trabalho".

O protocolo de consulta é dividido em três fases. Em um primeiro momento, a comunidade se reúne com governo, com a presença de assessores da comunidade e parceiros, como o MPF e Funai, para receber informações sobre o assunto que será objeto da consulta. Depois, o assunto é discutido internamente na comunidade para tirar dúvidas, receber informações independentes e estabelecem a decisão do grupo. A última etapa compreende reuniões entre o governo e os Wajãpi para apresentar condições para aceitar a proposta ou sugestão de modificações. "A consulta só termina quando se chega a um acordo entre indígenas e governo", explica um dos representantes da etnia Jawaruwa Wajãpi.

O protocolo será usado pela primeira vez no início do próximo ano em um debate com o Incra e o Estado do Amapá, para resolver mudanças quanto ao limite de um dos assentamento e de uma unidade de conservação próximos à TI. "Só conseguimos iniciar essa consulta com apoio do Ministério Público Federal", ressalta a liderança Roseno Wajãpi. O procurador-chefe da PR/AP, Felipe de Moura, ressaltou que o trabalho dos Wajãpi é um exemplo a ser seguido, não só no estado, mas no país, "Esse passo na frente é uma semente que lançamos e esperamos inspirar novas comunidades a fazerem o mesmo".

Consulta prévia - Para a subprocuradora-geral da República e coordenadora da câmara de populações indígenas e comunidades tradicionais, Deborah Duprat, o direito à consulta prévia, livre e informada ainda é um processo novo e em construção, mas já ameaçado, que deve ser fortalecido. "A Convenção 169 fortalece a voz dos povos, é um instrumento que vai empoderar os grupos. É o instrumento que coloca os grupos no domínio de suas vidas, mas é mais que isso, é um instrumento de participação, a voz não é dada só internamente, cada um não vai só definir sua vida em seus territórios, mas pode participar das discussões no país".

A criação dos protocolos próprios de consulta surgiu da necessidade dos povos e comunidades de ver suas decisões incorporadas nos projetos que os afetam. Grupos e organizações indigenistas, então, se debruçaram sobre o processo e começaram a pensar como isso poderia ser feito. "O primeiro passou foi entender a Convenção 169, para avançar na concretização de um direito", explicou o representante doIepé Luís Donisete Grupioni.

Para o especialista, foi necessário entender como os povos e comunidades acham adequado conversar com o estado, que tem que estar disposto a travar diálogos transparentes, de boa fé e respeitando as decisões que são tomadas pelas comunidades. "Por traz do protocolo de consulta vem forte a ideia de protagonismo e autonomia desses povos e, isso tem que estar na base dos processos de consulta. Os processos não podem ser impostos pelo estado, tem que ser negociados", define.

Outras experiências - Seguindo o pioneirismo do povo Wajãpi, a etnia Munduruku iniciou a construção dos seus próprios protocolos de consulta. De acordo com Jairo Munduruku, um dos representantes da etnia, o protocolo seguirá um padrão para garantir integralmente os direitos do seu povo. "E o povo espera que governo respeite as decisões que serão tomadas por nós". Entre as regras a serem seguidas, o líder destacou que a decisão será sempre coletiva, envolvendo todas as aldeias Munduruku (alto, médio e baixo Tapajós). Além disso, as reuniões com o governo não podem ser em datas que atrapalhem as atividades da comunidade, respeitando as temporadas de roça, caça, colheita.

Os índigenas do Xingu, onde está sendo construída a usina de Belo Monte, iniciou a capacitação para a criação do seu próprio protocolo de consulta, que deve estar pronto em 2016. "Estamos tentando colocar um cadeado na nossa terra", observou o representante da Associação da Terra Índigena do Xingu. A TI é cercada por 11 municípios e dezenas de fazendas agropecuárias. As comunidades tradicionais de Montanha Mangabal, em Itaituba, no Pará, também iniciou processo para criação de seu protocolo de consulta, baseado nos anseios e características locais.

Para o procurador da República em Santarém Camões Boaventura, "não há um modelo definitivo de protocolo de consulta, mas cinco perguntas devem ser feitas para nortear esse processo: Quem são esses povos? Onde estão? Como se organizam? Como se realizam as reuniões? Como se dão as decisões?"

Regras internas - Para dar voz à comunidade e capacitar os povos para dialogar com agentes externos de forma igualitária e conhecer melhor o potencial de sua comunidade, o arquipélago de Bailique, a 12 horas de barco de Macapá, estabeleceu suas próprias regras internas. O projeto desenvolvido com apoio da Rede Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA), criou regras que refletem as características tradicionais da comunidade e como ela se relaciona interna e externamente. O grupo criou uma metodologia que pode servir de norte para a implementação do instrumento em outras comunidades.


PROTOCOLO WAJÃPI


Conheça os principais pontos


O QUÊ: Povo indígena estabelece regras sobre como o governo deve consulta-lo.

PORQUÊ: A Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, prevê que as populações indígenas e povos tribais sejam consultados antes da tomada de decisões que afetem esses povos

QUANDO: O protocolo é acionado quando o governo, em qualquer uma de suas esferas, está interessado em realizar algum projeto que pode afetar o direito da comunidade. A consulta deve ser feita quando a decisão sobre o projeto ainda pode ser mudada.

COMO: O governo deve, de boa fé, consultar os povos. As propostas devem ser bem explicadas, sem suprimir pontos positivos e negativos. As informações e falas do governo têm que ser traduzidas para a língua Wajãni . A decisão dos povos será, preferencialmente, por consenso e, excepcionalmente, por votação. O MPF acompanhará todas as reuniões com o governo e ajudar no monitoramento dos termos dos acordos fechados com governo.

ONDE: As reuniões serão realizadas sempre na Terra Indígena.

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PIB:Amapá/Norte do Pará

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