Sertanista José Meirelles foi impedido pela Funai de acompanhar Sebastião Salgado em viagem no Acre

Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br - 11/04/2016
O fotógrafo brasileiro mundialmente conhecido Sebastião Salgado iniciou um novo projeto no Brasil para valorizar a cultura indígena. O trabalho prevê a realização de exposição de fotografias e edição de um livro para as escolas e universidades. Para viabilizar o projeto na Amazônia, ele viajou no mês de março até o Estado do Acre onde pretendia registrar um grupo de índios isolados e contatados em 2014. Mas, uma decisão de funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) barrou o acompanhante de Salgado, o renomado sertanista José Carlos Meirelles, e esta parte da viagem foi cancelada.

Sebastião Salgado foi convidado pelo ex-governador e senador Jorge Viana (PT-AC) para fotografar os índios recém-contatados, denominados de "povo do rio Xinane", na Terra Indígena Kampa do Rio Envira. Partiu do senador também o convite para José Meirelles, 68 anos, acompanhar o fotógrafo.

Meirelles tem 41 anos dedicados ao trabalho do indigenismo brasileiro, sendo 35 anos como servidor da Funai, de onde saiu em 2010. Atualmente, Meirelles é assessor da Assessoria Indígena do Governo do Acre e participou do contato oficial com o "povo do rio Xinane".

O sertanista afirma que o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa (também do PT), tinha anuência dos convites de Jorge Viana. Mas seu nome foi vetado na viagem com Salgado por subordinados de João Pedro, os coordenadores Carlos Lisboa Travassos, chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), e Leonardo Lênin Santos, chefe da Frente de Proteção Etnoambiental do Alto Rio Envira, minutos antes de embarcar com o fotógrafo para a base dos índios isolados, no último dia 12 de março.

"Passei uma semana arrumando o material da viagem. Tinha fretado o barco, um batelão. Comprado combustível, contratado cozinheira. Uns 45 minutos do segundo tempo, era madrugada, eu estava arrumando a minha mala para a viagem, quando recebi uma ligação do Salgado dizendo que não ia mais viajar. Ele me pediu mil desculpas. Só lamentei que ele não ia mais fotografar os índios isolados. Ele é um cara conhecido, e talvez o trabalho que ele fizesse lá ia dar uma visibilidade aos parentes isolados que estão um pouco esquecidos pela Funai, por todo mundo. E futuramente ele poderia conseguir alguma coisa para os isolados, mas enfim quem sabe ele volta lá em outra oportunidade", disse Meirelles à reportagem.

A viagem ao Alto Rio Envira de Sebastião Salgado e sua equipe começaria pela cidade de Feijó, a 345 quilômetros de Rio Branco e duraria cerca de 15 dias. Depois ele iria para a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, onde vivem os índios Ashaninka, partindo de barco da cidade de Marechal Thaumaturgo, a 560 km da capital. A assessoria do governo do Acre disse que o fotógrafo viajou para uma aldeia dos índios Ashaninka, que era o segundo trecho do cronograma da viagem inicial de Salgado no Acre.

A Amazônia Real vem tentando entrevistar desde o dia 15 de março o presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, e os coordenadores Carlos Travassos e Leonardo Lênin para ouvir deles a versão sobre o impedimento do sertanista José Carlos Meirelles na viagem com o fotógrafo Sebastião Salgado, mas eles não responderam às perguntas enviadas por e-mails, como exigiu a Funai.

A assessoria de imprensa do senador Jorge Viana confirmou que ele convidou o fotógrafo Sebastião Salgado e o sertanista José Carlos Meirelles para viajar à Terra Indígena Kampa do Rio Envira, mas disse que não iria comentar sobre o cancelamento da viagem à base da Funai, onde vivem os índios recém contatados.

A reportagem também procurou ouvir a versão do fotógrafo Sebastião Salgado sobre o episódio envolvendo o sertanista José Meirelles. Enviou perguntas à agência Amazonas Images, em Paris. A assessoria respondeu que recebeu a demanda da reportagem, mas no momento Salgado estava ausente, e sem possibilidades para responder ou atender a qualquer pedido de entrevista.


Salgado estava autorizado, diz Funai


Na última quinta-feira (7/04), a assessoria de imprensa da Funai, em Brasília, informou por telefone à Amazônia Real que o fotógrafo Sebastião Salgado estava autorizado para viajar à base da Frente de Proteção Etnoambiental do Alto Rio Envira, mas que José Carlos Meirelles não tinha permissão.

A assessoria não esclareceu o motivo do impedimento do sertanista e se ele foi comunicado da exigência de autorização. Também não informou se o fotógrafo viajará no segundo semestre para a base dos índios recém contatados, como chegou a ser divulgado pela imprensa de Rio Branco. Ou se visitará outra etnia, como os Suruwahá, no sul do Amazonas, no município de Lábrea, por um convite do próprio Travassos, como apurou a reportagem. Os índios Suruwahá também são considerados de recente contatos.

Para ingressar em reservas indígenas no país, pesquisadores, jornalistas e convidados de instituições públicas e privadas precisam seguir normas do regulamento da Funai para obter as Autorizações de Ingresso em Terras Indígenas. O processo administrativo prevê a anuência prévia dos representantes dos povos indígenas envolvidos, conforme dispõe os artigos 6o e 7o, da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A documentação (cópias dos originais de RG, CPF, atestado médico e fotos, entre outros) solicitada deve ser encaminhada à Funai no prazo mínimo de 30 antes do período previsto para o ingresso nas reservas.

A Funai não informou se o sertanista José Carlos Meirelles precisaria seguir esse trâmite, já que ele trabalha na Assessoria Indígena do Governo do Acre, que mantém convênio com a fundação. Também não disse se Salgado seguiu o mesmo procedimento, já que ele foi convidado primeiro pelo senador Jorge Viana. Segundo a assessoria da Funai, o fotógrafo estava com a situação regular para adentrar em terras indígenas.


O "Velho do rio"


Paulista de Ribeirão Preto, José Carlos Meirelles é um renomado sertanista brasileiro. No início dos anos 70, ele fez o primeiro contato com o povo Awá (Guajá), no Maranhão. Começou o trabalho no indigenismo no Acre ao lado do também respeitado sertanista José Porfírio Carvalho, coordenador do programa de proteção dos índios Waimiri-Atroari, no Amazonas.

Meirelles foi um dos fundadores da Coordenação de Índios Isolados da Funai, uma iniciativa do sertanista Sydney Possuelo, e coordenou a Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira, criada em 1987. Quando montou a base de fiscalização na confluência dos rios Xinane e Envira, na fronteira do Brasil com o Peru, Meirelles deu início às grandes expedições de proteção e monitoramento dos índios isolados contra a invasão de madeireiros, plantadores de coca e fazendeiros. Para proteger o território da Terra Indígena Kampa do Rio Envira, ele navegou tanto nos rios que ganhou o apelido das comunidades de "Velho do rio".

Numa das expedições da época, a equipe de Meirelles foi atacada por índios isolados, também conhecidos como "brabos", e para impedir que seu sogro morresse, o sertanista atirou em um índio, o que causou um grande trauma em sua vida pessoal e profissional. Em 2004, também em uma expedição, a equipe de Meirelles foi atacada pelos isolados e ele foi atingido por uma flecha no pescoço.

Exímio escritor, o sertanista, recentemente, escreveu sobre o episódio e agradeceu ter sobrevivido graças ao empenho dos irmãos petistas Jorge e Tião Viana. À época, Jorge Viana era governador do Acre, e Tião senador da República. A pedido dos Viana, o Exército destacou um helicóptero que estava em Porto Velho (RO) para resgatar Meirelles no meio da floresta no município de Feijó. Daí a forte amizade entre Meirelles, Jorge e Tião.

"Tião, que é médico, embarcou com uma enfermeira e tudo que podia ser usado em primeiro socorro. Fui medicado e no dia seguinte o helicóptero me deixou em Tarauacá onde um avião tipo UTI aérea me esperava. Fui transladado para Rio Branco e internado", contou o sertanista em sua rede social do Facebook.


O contato com o povo do Xinane


Em 29 de junho de 2014, o sertanista José Carlos Meirelles estava na equipe de funcionários da Funai que oficializou o contato com os índios isolados e indígenas Ashaninka, na Aldeia Simpatia, na Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira.

"Quando eu trabalhei nesta ocasião na Frente, eu estava trabalhando como assessor do Governo do Acre. Nunca pediram autorização para mim. Agora que não precisam mais, fazem isso. Não sei o que esse pessoal pensa da vida", lembrou Meirelles.

O sertanista disse que não foi comunicado por Carlos Travassos sobre pedido de autorização para ingressar na Terra Indígena Kampa do Rio Envira para acompanhar o fotógrafo Sebastião Salgado.

"Eu sou funcionário do Governo do Acre. E há um convênio do Governo do Acre com a Funai. Quando o senador me convidou, eu perguntei ao Carlos Travassos se ele tinha gente para acompanhar o Salgado. Ele disse que não tinha ninguém. O Jorge então me convidou. Eu alertei ao Jorge para tomar cuidado, que o pessoal da Frente não gostava de mim. E deu no que deu", disse Mireilles.

Ele se diz vítima de perseguição do chamado "novo indigenismo da Funai", em que a maior parte dos servidores são jovens concursados.

"Sou persona non grata (expressão em latin que significa pessoa não agradável ou não bem-vinda) para os novos indigenistas da Funai. Isso todo mundo sabe. Eu sou, os outros sertanistas são, o Marcelo Santos é, o Antenor (Vaz) e o Sydney (Possuelo). O novo indigenismo que chegou agora é assim, veio primeiro o chefe de Frente um tal de Guilherme e passou um tempo. Deixou a frente fechada por três anos, agora tem um tal de Leonardo Lenin, que está indo embora. Esse é o novo indigenismo, chega, faz um monte de coisa, e vai embora. E os índios que se danem", afirmou Meirelles.


A rede de intriga no novo indigenismo


A viagem de Sebastião Salgado para fotografar os índios isolados do Acre foi divulgada pela primeira vez no dia 7 de março no blog do jornalista Altino Machado. Àquela altura já era de conhecimento do presidente da Funai, João Pedro Gonçalves de que o sertanista José Carlos Meirelles iria acompanhar o fotógrafo e sua equipe ao Alto Rio Envira.

No dia 10 de março, em Brasília, Salgado almoçou com o João Pedro Gonçalves. Como apurou a reportagem, no cardápio teve uma iguaria amazônica: o peixe tambaqui com açaí e farinha ovinha. No almoço estava presente também o coordenador Carlos Travassos. À noite, o jantar com o mesmo grupo aconteceu na casa do senador Jorge Viana. Meirelles já estava organizando a viagem.

Salgado e Travassos já se conheciam. Em 2013, ele fotografou os índios Awá, no Maranhão. O coordenador de Índios Isolados participou da viagem. O resultado do trabalho de Salgado tornou conhecida a luta dos Awá pela proteção do território, invadido por posseiros e madeireiros, no mundo todo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos exigiu respostas do governo brasileiro para a proteção da etnia.

Para iniciar o trabalho com os índios isolados e os Ashaninka no Acre, Sebastião Salgado desembarcou com sua equipe em Rio Branco no dia 11 de março. Pela manhã, ele tomou um café com o governador Tião Viana, com o senador Jorge Viana e o sertanista José Carlos Meirelles, na sede do governo, como mostra a foto abaixo. À tarde a assessoria de imprensa do governo divulgou uma nota falando apenas da viagem a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, dos índios Ashaninka.

Conforme a nota, Salgado disse que o projeto era para mostrar toda a nobreza dos povos indígenas da Amazônia. "Nós somos o único país no mundo que possui 13% do seu território indígena, e temos o privilégio de conviver com a sua pré-história humana. Queremos que as próximas gerações cuidem mais da nossa raça", disse o fotógrafo ao governador, durante o café.

Na parte da tarde, ainda no dia 11 de março, os rumos da viagem aos índios recém-contatados mudaram. A Amazônia Real apurou que, apesar de ter almoçado e jantado com Salgado, em Brasília, não foi o coordenador Carlos Travasso que comunicou ao fotógrafo sobre o impedimento de Meirelles na viagem. A tarefa coube ao seu subordinado, o coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental do Alto Rio Envira, Leonardo Lênin Santos. Ele teria entregado uma carta ao fotógrafo explicando a situação de Meirelles. "Eu não li essa carta. Sei que ficou muito chato o Sebastião Salgado vir aqui para fazer um trabalho com os índios isolados e não fazer. Eu lamentei muito por ele não ir mais lá (na base dos isolados) ", disse o sertanista

A reportagem apurou que ao barrar José Carlos Meirelles na viagem com Salgado, Leonardo Lênin Santos estava na condição de demissionário do cargo de coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental do Alto Rio Envira, que assumiu em 2014, pois ele já tinha pedido a exoneração à Presidência da Funai.

Em Brasília, no dia 16 de março, a informação era a de que Carlos Travassos estava saindo em férias, podendo no retorno ser nomeado para outro cargo. Ele assumiu a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) por indicação do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, de quem é afilhado.

Na véspera da viagem de Salgado com Meirelles, no dia 11 de março, o presidente da Funai, João Pedro estava incomunicável no interior do Amapá, disse um assessor. Quando ele retornou, não respondeu as demandas enviadas pela Amazônia Real. Desde então, a Funai permanece num silêncio ensurdecedor sobre o caso Salgado/Meirelles/Rio Envira.

O sertanista José Carlos Meirelles também atribuiu o motivo de seu impedimento à viagem ao Alto Rio Envira com Sebastião Salgado às críticas que faz ao atual trabalho da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, chefiada por Carlos Travassos. A coordenação é criticada de má gestão em conflitos, como dos índios Matís e Korubo, na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas.

"O problema é o seguinte, quando entrou o João Pedro na Presidência da Funai, eu, e os sertanistas Marcelo Santos, o Sydney, o Carvalho, dissemos ao João Pedro que o problema com os índios isolados era de gerenciamento muito ruim. Essa casa vai cair, e o teto de vidro vai cair na sua cabeça. Fizemos uma crítica construtiva. Não existe monitoramento e vigilância das terras dos índios isolados em canto nenhum. Esses meninos não são acostumados ao trabalho dentro do mato. O trabalho que trabalhamos durante anos para acontecer, demos sangue, demos a vida, eles não deram a mínima, tudo foi para o espaço. O Carlos e o Leonardo ficaram profundamente incomodados com isso. E aí cortaram o diálogo totalmente comigo. Foi isso que aconteceu. Mas, nunca tive uma desavença com eles", afirmou o sertanista José Carlos Meirelles.


Fotógrafo registrou o povo Ashaninka


Na última sexta-feira (8), a Apiwtxa Associação Ashaninka do Rio Amônia divulgou uma notícia sobre a viagem do fotógrafo Sebastião Salgado à Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, que fica no município de Marechal Thaumaturgo, a 560 quilômetros de Rio Branco. Assim, a reportagem da Amazônia Real obteve a informação precisa sobre o paradeiro do fotógrafo no Acre.

Segundo a nota da Apiwtxa, Salgado Salgado, 72 anos, visitou durante três semanas, entre de 14 de março a início de abril, a comunidade indígena Ashaninka para dar continuidade ao novo projeto em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a ONG inglesa Survival International.

A Associação diz que o projeto resultará na publicação de um livro sobre as culturas indígenas brasileiras. Segundo a nota, Sebastião Salgado afirma que o novo projeto tem a intenção de contribuir com a valorização dos povos indígenas brasileiros e suas culturas e busca mudar a realidade indígena no Brasil, combatendo a discriminação e modificando a visão do brasileiro em relação aos indígenas.

"Durante a visita o fotógrafo Sebastião Salgado fez vários registros sobre a cultura Ashaninka do Rio Amônia, fotografando os principais grupos familiares da comunidade, bem como sua indumentária e produção de artesanato. Foi a primeira vez que Sebastião Salgado visitou uma comunidade Ashaninka. O fotógrafo se demonstrou admirado pela organização comunitária da Apiwtxa. O projeto levará em torno de três anos para ser concluído e Sebastião Salgado pretende fotografar inúmeras comunidades indígenas no Brasil. Além da publicação de um livro sobre as culturas indígenas brasileiras, está planejada a produção de um kit de exposições que deverá circular por escolas e universidades", diz a nota da Apiwtxa, encerrando assim a viagem de Sebastião Salgado ao Acre.



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PIB:Acre

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