Boletim Isolados- http://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br - 27/06/2016
O mote do XII Acampamento Terra Livre (ATL), realizado este ano em Brasília, foi: "Pelo direito de viver!", englobando a defesa dos direitos à terra, à saúde e à educação, além do combate ao preconceito e à violência contra os povos indígenas do Brasil. Cerca de mil lideranças do país inteiro compareceram ao evento, pautando as respectivas demandas de seus povos e de suas regiões em plenárias e debates conjunturais.
Há ainda, no entanto, outros tantos povos que também possuem o mesmo direito à vida de maneira tradicional e que, por terem optado pelo isolamento voluntário da sociedade nacional, não se fazem presentes nas diversas manifestações do movimento indígena. Hoje, a garantia formal dos direitos desses grupos é assegurada pelo Sistema de Proteção aos Índios Isolados e de Recente Contato (SPIIRC), executado pelo Estado por meio da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (CGIIRC/Funai), e orientado pela política do não-contato e do respeito à autodeterminação.
O isolamento desses povos é dito voluntário porque a maioria deles sabe da existência da sociedade não indígena, ou pelo menos da existência dos demais povos indígenas - seja por habitarem territórios vizinhos, seja por compartilharem áreas de uso onde ocasionalmente os caminhos se cruzam. Justamente por causa dessa proximidade, os povos já contatados têm um papel importante no trabalho de proteção territorial dos isolados, e sua colaboração é fundamental.
Para esta edição, a equipe do Boletim Povos Isolados na Amazônia aproveitou o Acampamento para conversar com lideranças indígenas de seis diferentes regiões da Amazônia, onde há presença de isolados, para saber como cada uma avalia o trabalho de proteção por parte do Estado, e como são pensadas suas próprias estratégias de ação dentro desse sistema maior.
Confira as entrevistas:
Angela Kaxuyana - liderança do povo Kaxuyana, Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana (PA)
Meu povo pede o direito à garantia do território, o direito à saúde e educação. São geralmente os direitos mais reivindicados não só pelo meu povo, mas por todos os povos indígenas do Brasil.
De modo geral, esperamos que o Estado brasileiro respeite os direitos dos povos indígenas. Apesar do novo governo ser aparentemente anti-indígena, esperamos que não viole os nossos direitos como têm sido violados todos esses tempos.
Sempre falamos que quando os povos indígenas lutam, não é só pelo seu território, mas pelo território de todos os povos, seja nas áreas urbanas, seja em territórios demarcados, seja em processo de contato. Nós, lideranças indígenas que estamos no movimento constante, também reivindicamos a garantia dos direitos territoriais dos povos isolados para que eles continuem no direito de viver da forma que escolheram.
Se eu pudesse não teria feito contato com não-indígenas, também estaria em isolamento voluntário até hoje. Na TI Kaxuyana-Tunayana tem registros de presença, vestígios de vários povos isolados. É uma tarefa difícil para nós que já vivemos o contato e enfrentamos todas as ameaças. Acho que o nosso papel, enquanto povo que já conhece as ameaças, é fazer com que eles tenham a garantia do direito de permanecer onde eles querem.
Nós, povos indígenas que vivemos no entorno ou nas proximidades dos isolados, podemos proteger o território e fazer como se fosse uma barreira de proteção a esse contato com os não-indígenas. O contrário também precisa ser respeitado, caso eles queiram fazer contato, o nosso papel talvez seja de orientar, de auxiliar e mostrar para eles como é o mundo hoje em relação aos direitos dos povos indígenas.
Bruno Caragiu Guajajara - Guardião da Floresta do povo Guajajara, Terra Indígena Rio Pindaré (MA)
Damos prioridade à questão da terra porque não adianta ter um projeto de construção de uma escola ou um posto de saúde se a gente não tiver a terra. Por isso, na nossa região estamos combatendo as invasões. Às vezes saímos de casa e passamos cinco, seis dias protegendo a área para que mais na frente nossos filhos possam andar livremente como antigamente. Por conta desse trabalho, nós guardiões estamos sofrendo ameaças. Algumas lideranças não podem sair da aldeia por conta do medo de represálias.
Tentamos proteger o que resta ainda de mata porque sofremos muitas invasões de pescador, de madeireiro, e no verão aquelas queimadas no Maranhão nos prejudicaram muito. Prejudicou muita gente, principalmente nas TIs Araribóia e Maçaranduba.
Nós também priorizamos a proteção dos isolados. Na TI Caru também tem os isolados Awa Guajá e a gente busca nunca estar diretamente no centro da mata onde eles vivem. No verão passado, o fogo por pouco não atingiu eles. As autoridades devem se atentar não só a nós indígenas Guajajara. Entre nós, quase 100 por cento já fala português, mas os isolados não. Eles não sabem falar português, aí fica difícil ouvir as demandas deles.
Vou contar uma história que um Guajá me contou em 2008. Estávamos na mata e ele me pediu para ficar calado porque ele já tinha passado por ali, foi tomar água num Igarapé e um Guajá brabo, como eles chamam os isolados, foi e deu uma flechada na perna dele. Acho que no contato, tem que ir com calma, fazendo arrodeio até chegar num ponto de diálogo. Quando pegou fogo na TI Caru, estavam botando os Awá Guajá já contatados na equipe de combate ao fogo para, caso houvesse contato, dialogar diretamente com os isolados.
No Maranhão vemos um descaso e uma omissão da Funai tanto com os isolados como com nós Guajajara, Gavião e outras etnias que vivem lá. Fazemos denúncias, pedimos as nossas demandas, mas demora muito e acaba que muitas vezes acaba índio morrendo. Sofremos represálias, ataques e eu acho que existe omissão. Quando levamos no Ministério Público é a mesma coisa e muitas vezes temos que tomar uma decisão radical, se defender por conta própria, demarcar por conta própria. Até hoje lá na minha terra quase que não tem mato porque os indígenas que vivam lá antigamente esperaram muito pela Funai. Hoje quase não tem mata. Nossa área é muito rica em peixe e hoje está quase tudo acabado.
Dario Kopenawa Yanomami - coordenador de Políticas Públicas da Hutukara Associação Yanomami, Terra Indígena Yanomami (RR)
Há muita gente da sociedade não-indígena que ainda não reconhece os povos indígenas brasileiros e por isso é importante divulgar os direitos que estamos reivindicando. Temos muitas preocupações com os grandes empresários, os grandes interesses políticos dos que estão querendo tomar nossa terra. Por isso são importantes as homologações de terras indígenas, a retirada dos garimpeiros, retirada dos fazendeiros. O mais perigoso para nós, Yanomami, é a mineração que prejudica nossa saúde.
Cada povo indígena tem suas situações precárias na saúde, educação e principalmente os invasores que estão se aproximando cada vez mais. Por isso é importante a luta por nossos direitos que já estão no papel, na Constituição Federal que nos garante direitos no artigo 231. Isso as autoridades não reconhecem ainda, eles pensam que os índios não são daqui, não tem conhecimento, não tem o direito de falar, o direito de mostrar sua diversidade. Os povos indígenas querem falar com as autoridades, mas é muito difícil as autoridades nos receberem, ouvirem nossos problemas.
Eu não gosto dessa palavra "índios isolados". Eu falo "povo da floresta", porque ele nasceu lá, ele não quer se mostrar, mostrar sua identidade, seus direitos, mas o que eles precisam é ficar nas suas terras, onde nasceram e vivem até hoje. Essa palavra "índios isolados" surgiu na memória dos brancos, foi a Funai que criou essa palavra "índios isolados", mas não chamaram as lideranças tradicionais para colocar o nome correto. Eu sempre falei "povo da floresta" porque eles são de floresta mesmo.
Eles têm muita vulnerabilidade de saúde. A gente não sabe o que eles estão sofrendo, eles não querem mostrar a cara deles, mas nós Yanomami defendemos o direito deles de viverem na cultura deles. Na minha região, na TI Yanomami, a grande vulnerabilidade são os garimpeiros que estão próximos. Não sabemos quantas pessoas morreram. Alguns garimpos estão próximos e é muito perigoso. Quantas crianças morreram? Quantas pessoas morreram? O que eles estão querendo lá? Isso não sabemos, mas sabemos que eles estão correndo muito risco e cada vez mais os garimpos estão aumentando. Nós indígenas, que já temos contato, podemos divulgar a situação deles para a sociedade não-indígena entender.
O povo da floresta é muito difícil. Alguns moram nas terras Yanomami e há muitos anos deu muito problema entre os Yanomami e o Yauari. Existia uma guerra entre eles e nossos ancestrais. Hoje em dia eles ainda ficam meio chateados porque os pais deles morreram, mas os nossos ancestrais morreram muitos também. O contato é extremamente difícil, a gente não tem como dialogar com eles.
Na minha opinião, eles devem continuar onde estão vivendo agora. Nosso território é grande, aproximadamente nove milhões de hectares de terra Yanomami. Eles podem viver em conjunto conosco, mas não podemos aproximar de onde eles estão. A gente respeita eles.
Varney 'Todah' Kanamari - presidente da Associação dos Kanamari do Vale do Javari (AKAVAJA), Terra Indígena Vale do Javari (AM)
Meu povo pede para o governo deixar os povos indígenas em paz. Demarcar territórios dos outros povos que não estão demarcados. Nosso território já é demarcado, homologado, mas a gente também apoia outros povos.
Os povos isolados ainda não falam português, não sabem o que está acontecendo em Brasília. Não conversamos com eles, mas convivemos com eles e por isso representamos eles. Como sabemos a política do não-indígena, mesmo sem falar com eles, defendemos os direitos dos isolados.
Em 2015 teve conflito com os Karamari. Já sumiu a criança Karamari. Sabemos que foi um dos isolados, mas respeitamos e eles também nos respeitam. Sabemos que fomos nós que mudamos para a região deles, pro outro lado do rio, que a gente não podia invadir. Entendemos isso. Eu sei também porque que o índio isolado já está aparecendo no rio Itacoaí, o fazendeiro, os caçadores, dão tiros para dar medo, para os isolados fugirem e para poder matar a caça deles, para tomar o território deles. Por isso que os isolados estão fugindo e se aproximando da região onde moramos.
Nós mudamos de lugar para evitar o contato com os isolado, para deixar eles viverem do jeito que eles querem viver. Se a gente fizer contato, eles terão de viver assim, lutando para ter direito à saúde, educação, acesso ao benefício social. Não queremos fazer contato com eles para não acontecer mais isso que o governo está fazendo com a gente.
Na minha região, no Vale do Javari, a Funai não está fazendo fiscalização. Não sei se é falta de recurso, não sei se a Funai não quer trabalhar, não quer proteger os isolados. Mas tentamos trabalhar junto com a Funai, somos parceiros. A AKAVAJA sempre chama o apoio da Funai.
Marcílio Batalha Apurinã - vice-coordenador da Federação das Organizações de Comunidades Indígenas do Médio Purus (FOCIMP), Terra Indígena Caititu (AM)
Lutamos pela demarcação, pelo nosso direito de sobreviver, de ter aquele momento infinito sem esbarrar em alguma cerca, algum muro. Viver em nossa terra sem ameaça de coisas dos brancos, de trator, fazendeiro. Que a gente possa por nosso próprio limite, porque antes nós não tinhamos limite, nosso limite era infinito. Podia estar hoje em um canto, depois estava em outro lugar, mas hoje tem que demarcar porque se não for demarcado os pessoal fica tomando nosso espaço.
Mesmo aqueles que não temos contato, estamos brigando por eles também. Para que os territórios deles também sejam protegidos. Os isolados têm o mesmo direito que nós. É o que eu estava falando logo que eu comecei, nosso território era infinito. Nós não sabíamos lutar mas não tínhamos paradeiro, estava aqui hoje e cada dia estava num canto. Se não lutarmos para que seja demarcado o território deles, eles serão exterminados, como tantos de nós também foram.
O papel da Funai é fazer valer o nosso direito no nosso território. Fazer a demarcação, fazer o estudo para que a demarcação saia logo, esse é o trabalho da Funai que queremos que eles façam.
Enquanto não demarca, vamos continuar protegendo. Vamos lutar até o último minuto, porque é da terra que nos sustentamos. Enquanto a Funai não chega, nossa briga é aquela, ninguém sai mas também não deixamos mais ninguém entrar.
Na região que vivemos tem presença de isolados. Já tivemos contato com os Hi-Merimã. No caso de contato é muito perigoso, porque eles também não sabem como somos. Existe o risco de acontecer alguma coisa por causa deles pensarem que vamos ataca-los.
Lucas Salles Kaxinawá - secretário da Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), Terra Indígena Kaxinawá do Rio Jordão (AC)
Onde vivemos os brancos querem acabar com a floresta, querem plantar só uma espécie que não serve para nós. Na floresta onde vivemos, nós precisamos da fruta, de semente, tinta, da caça, do peixe, da água. Tudo isso nos preocupa. Ao contrário do povo branco, nós não queremos dinheiro, só queremos aquele pedacinho de terra onde vivemos. É isso o que nós queremos: ter a garantia da nossa terra para vivermos melhor com nossas famílias.
Temos os parentes nativos (isolados). Chamamos "nativos" porque eles viveram e vivem até hoje isolados. Nós precisamos ajudá-los eles, falar por eles também. Na minha região existe esse grupo que já começou a sair. Lá tem um grupo da Funai que é da Frente de Proteção que protege os nativos. No início do ano passaram 48 dias em contato e tiveram gripe. Começaram a oferecer vacina, mas não sei o que os nativos acharam, isso não era do conhecimento deles.
Agora já começaram a aparecer na minha terra, eles querem vir novamente. Esse povo nativo ainda vive na maloca deles e fazem trabalhos diferentes dos nossos. Eles não andam na cidade, andam nos território deles. Também não sabem o limite deles, andam no nosso território, mas nós estamos querendo garantir os direitos deles porque eles também são nossa família. O povo branco nos encontrou também naquele pedaço, então eles são da nossa família também. Inclusive aqueles que estão na mesma terra, que o povo Jaminawa, conseguiram falar com os isolados, então achamos que é nosso parente e família dos Jaminawa, pois eles conseguiram falar muito bem com os isolados. Foi assim que eles aproximaram, vieram e saíram até na nossa terra e passaram até 48 dias lá com essa equipe da Funai. Meu sobrinho que trabalha com a Funai ficou mais com eles, conversando para ver o que eles estão precisando.
Esse meu sobrinho trouxe a mensagem para nós, eles disseram que a maioria são homens e que eles precisam de mulheres. Também disse que eles sofrem pressão no Peru e que por isso estão vindo para nossa terra. Queremos conversar com eles para eles começarem a fazer as casas deles, ter aldeia como nós Kashinawa temos.
http://boletimisolados.trabalhoindigenista.org.br/2016/06/27/olhares-indigenas-sobre-o-trabalho-de-protecao-aos-isolados/
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