V ENCONTRO DO GRUPO DE TRABALHO PARA PROTEÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA DA SERRA DO DIVISOR E ALTO JURUÁ (BRASIL - PERU)

V ENCONTRO DO GRUPO DE TRABALHO PARA PROTEÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA DA SERRA DODIVISOR E ALTO JURUÁ (BRASIL - PERU) - 17/09/2005
Lideranças indígenas do Acre e Ucayali se reuniram para discutir compromissos
comuns, alianças, atividades madeireiras ilegais e integração fronteiriça
De 15 a 17 de setembro de 2005, na aldeia Apiwtxa, estiveram reunidos
lideranças dos povos Ashaninka, Kaxinawá, Kulina, Mastanawa, Sharanawa, Nukini
e Katukina que vivem em territórios situados na região fronteiriça do Estado do
Acre, Brasil, e Departamento de Ucayali, Peru, bem como membros de organizações
da sociedade civil e representantes de órgãos dos governos de ambos os países.


Sediada e organizada pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa), a
reunião contou com o respaldo do Grupo de Trabalho (GT) para Proteção
Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá - Brasil/Peru, iniciativa
que, no Vale do Juruá acreano, tem, desde abril de 2005, reunido organizações
indígenas e do movimento social, órgãos dos governos federal e estadual e as
cinco prefeituras municipais.
Alinhada com as preocupações do referido GT, a pioneira iniciativa de
Apiwtxa teve por objetivo abrir um processo continuado de diálogo e de
intercâmbio de experiências entre povos indígenas na fronteira Acre-Ucayali, a
partir da avaliação das políticas de desenvolvimento e integração em curso
nessa região, das conseqüências sociais e ambientais da extração madeireira no
lado peruano e das estratégias de gestão territorial postas em prática por
esses povos. Visou ainda delinear compromissos e agendas comuns que, por meio
de estratégias e iniciativas próprias, da articulação entre as organizações
indígenas e do comprometimento dos poderes públicos de ambos países, assegurem
a participação desses povos na definição e execução de políticas de
desenvolvimento, abram novas alternativas de gestão e vigilância dos
territórios indígenas e protejam a biodiversidade das florestas da região.

Uma série de antecedentes levou à decisão de realização desta reunião
neste momento histórico.

1. As profundas implicações sociais e ambientais das atividades
madeireiras sobre as populações e a biodiversidade das terras indígenas e do
Parque Nacional da Serra do Divisor;

2. A percepção de que as iniciativas tomadas por Apiwtxa, desde 1999, no
sentido de obrigar diferentes órgãos do governo federal a cumprir suas
atribuições constitucionais na vigilância dos limites de sua terra indígena e
da nação brasileira, precisam ser ampliadas para compromissar os governos e
diferentes grupos da sociedade civil do lado peruano,
3. As ações iniciadas a partir de 2004 por um consórcio de instituições
brasileiras e peruanas no âmbito do Projeto "Conservação Transfronteiriça da
Região da Serra Divisor (Brasil-Peru)";
4. Os três encontros promovidos pelo GT para Proteção Transfronteiriça da
Serra do Divisor e Alto Juruá - Brasil/Peru, desde abril de 2005, nas quais a
preocupante situação na fronteira vem sendo objeto de avaliação e
posicionamentos conjuntos vêm sendo tomados sobre os rumos desejados para o
desenvolvimento e a integração na região.

5. Os entendimentos travados pelos Governos do Estado do Acre e do
Departamento do Ucayali, desde 2003, com vistas à integração entre essas duas
regiões. A reunião realizada em Apiwtxa está em consonância com a Ata de
Compromissos fruto da Reunião Técnica para a Conservação da Biodiversidade
Fronteiriça Ucayali-Acre, ocorrida em Pucallpa em julho de 2005, que estabelece
a criação de um Fórum e a ativa participação dos povos indígenas na discussão
da situação desses povos face à integração, extração madeireira e outras
atividades ilícitas nos territórios indígenas e nas unidades de conservação
dessa região de fronteira.

6. Uma série de contatos preliminares iniciados pelas lideranças de
Apiwtxa, desde março de 2005, com líderes Ashaninka das comunidades nativas dos
rios Enê, Juruá, Vacapistea, Tamaya e alto Amônia, que resultaram no desejo de
fortalecer esse intercâmbio, realizar uma reunião mais ampla e conhecer de
perto as experiências inovadoras de gestão ambiental desenvolvidas na aldeia
Apiwtxa.

7. Os últimos acontecimentos concentrados na Aldeia Sawawo, de revolta da
população indígena, provocando a mobilização de cerca de 50 guerreiros
Ashaninka dispostos a avançar em direção aos acampamentos de madeireiros
ilegais com clara intenção de confronto direto. Este confronto seria certamente
desigual, podendo ocasionar mortes de ambos os lados, o que precipitou o
adiantamento da reunião do GT transfronteiriço e a apressar a articulação das
instituições regionais.

A reunião exigiu uma complexa logística, envolvendo várias formas de
deslocamento (aéreo, fluvial, terrestre) para que líderes das comunidades
nativas e representantes das instituições se fizessem chegar a Apiwtxa, vindas
desde Esperanza e Pucallpa, os altos rio Juruá e Amônia, no Peru, e das cidades
de Rio Branco, Tarauacá e Cruzeiro do Sul, além de aldeias situadas em vários
rios do Vale do Juruá acreano.
A programação teve início no dia 15, com as boas-vindas e a apresentação
dos participantes, seguida do esclarecimento, por parte das lideranças de
Apiwtxa, dos objetivos e das expectativas do encontro. Na parte da tarde, as
lideranças das comunidades nativas do lado peruano, em falas organizadas por
bacia (Tamaya, Yurua, Sheshea, Purus e Amônia), relataram a situação em que
vivem, tratando dos seguintes temas: território, recursos naturais, identidade,
educação, saúde, organização comunitária e seus projetos de futuro ('planes' de
vida).
No dia 16, pela manhã, realizaram suas exposições as organizações
indígenas que trabalham no Acre (OPIAC, AMAAIAC, OPIRJ, ASPIRH, AKAC, ASKAPA),
os representantes da Reserva Extrativista do Alto Juruá, e dos órgãos
governamentais municipal e estadual, Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de
Marechal Thaumaturgo e Secretaria dos Povos Indígenas do Estado Acre, bem como
das demais instituições presentes (Defensoria del Pueblo/Oficina Ucayali,
WWF-Yuruá, Fundação Nacional do Índio e Comissão Pró-Índio do Acre). A parte da
tarde teve início com a apresentação pelas lideranças Ashaninka de um histórico
da Apiwtxa e das várias mobilizações que, nos últimos 20 anos, foram
necessárias à libertação dos patrões madeireiros, à regularização da terra
indígena e à implementação de modelos inovadores de gestão ambiental e
vigilância territorial. O restante da tarde esteve reservada aos comentários e
novos relatos de situação feitos por líderes Ashaninka do lado peruano. A
partir do depoimento do cacique Antonio Pianko, as lideranças Ashaninka no Peru
apresentaram relatos da atual situação de pressão social e ambiental que vivem
em suas áreas, da submissão às clausulas de contratos desiguais assinados com
madeireiras ilegais e a vulnerabilidade aos impactos causados por sua atuação.


No terceiro dia do encontro, as lideranças indígenas concentraram suas
atenções na identificação de agendas e compromissos comuns, bem como na
construção de uma pauta de recomendações direcionada aos governos de ambos
paises.
Tendo em vistas as apresentações e discussões havidas durantes os três
dias do encontro, chegou-se a uma ampla pauta de compromissos mutuamente
assumidos entre os povos indígenas e uma série de recomendações endereçadas
pelos povos indígenas peruanos aos órgãos de governo e a organizações
não-governamentais de ambos os paises. Estes compromissos e recomendações estão
expostas à continuação:
COMPROMISSOS COMUNS
1. Dar prosseguimento aos canais de diálogo e intercâmbio de experiências
entre povos indígenas e outros povos da floresta, dos dois lados da fronteira
Brasil-Peru.

2. Colaborar na identificação e implementação de estratégias de
aproveitamento produtivo sustentável dos territórios indígenas, de maneira a
garantir fontes de subsistência e de comercialização e a abrir alternativas à
exploração madeireira realizada de forma ilegal.

3. Buscar garantir a presença e participação informada de representantes
indígenas nas reuniões técnicas do Fórum para a Integração Acre-Ucayali para
discussão da integração e do desenvolvimento fronteiriço, de maneira a
incorporar as demandas e projetos indígenas nas políticas resultantes, que
devem priorizar investimentos econômicos, ambientais e sociais para a
conservação da biodiversidade e a garantia dos direitos territoriais indígenas,
e que não tenham como ponto de partida a discussão em torno da construção da
estrada Pucallpa-Cruzeiro do Sul.
4. Defender políticas de segurança jurídica e de vigilância dos
territórios ocupados por povos indígenas, inclusive aqueles em isolamento
voluntário, que vivem ao longo da fronteira Brasil-Peru.
O QUE OS POVOS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DO VALE DO JURUÁ E AS DEMAIS
ORGANIZAÇÕES DO GT PARA PROTEÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA OFERECEM AOS POVOS INDÍGENAS
DO LADO PERUANO

1. Dar ampla divulgação a demandas e reivindicações dos povos indígenas
que vivem na fronteira peruana para a proteção do seu território, dos seus
direitos e sua identidade.
2. Disposição de assinar uma carta em conjunto endereçada à Comissão de
Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), instituição na qual
será buscado proteção aos territórios e à vida dos povos indígenas, inclusive
dos que se encontram em isolamento voluntário e dos povos da floresta que
habitam em ambos os lados da fronteira Acre-Ucayali.
3. Oferecer aos povos indígenas peruanos da faixa de fronteira a
experiência e conhecimento acumulados pelas organizações brasileiras, por meio
de cursos de capacitação e intercâmbios, com critérios de seleção, oferecidos
pelo GT e OPIAC, AMAAIC, CPI-ACRE, ASATEJO, ASAJURUÁ, OPIRJ, Secretaria de Meio
Ambiente e Turismo de Marechal Thaumaturgo, SEPI.

4. Desenvolver, manter e fortalecer a articulação com lideranças
indígenas
peruanas para a ampliação de sua participação nas discussões quanto à proteção
da biodiversidade, dos direitos e das condições de vida das populações que
vivem na faixa de fronteira.
5. Fazer respeitar os limites da fronteira Brasil-Peru.
COMPROMISSOS DOS POVOS INDÍGENAS PERUANOS DA ZONA DE FRONTEIRA NO ÂMBITO
DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO

1. Com relação aos TERRITÓRIOS

· Defender os territórios dos povos indígenas;
· Cooperar com os processos de saneamento físico legal desses
territórios;

· Apoiar a processos de exclusão das concessões florestais sobrepostas
nos
territórios dos povos indígenas.

2. Com relação aos RECURSOS NATURAIS
· Proteger a biodiversidade e uso sustentável dos recursos naturais de
nossos territórios e reservas comunais;
· Combater a extração ilegal de madeira;
· Constituir Comitês de Vigilância Comunal;
· Constituir uma Frente de Defesa, que compreenda as bacias dos rios
Purus, Juruá, Amônia, Tamaya e Sheshea.

3. Com relação à ORGANIZAÇÃO COMUNAL
· Fortalecimento de organizações comunais de base local;
· Articular as bases comunais com suas organizações federativas:
FECONAPU,
ACONADISH, ACONAMAD e ARPAU;
· Fortalecer as organizações dos professores indígenas EBI-ANAMEBI;
· Promover e fortalecer alianças com povos e organizações indígenas tanto
do Estado peruano quanto do Brasil.

PROPOSTAS DE COMPROMISSO PARA O ESTADO PERUANO

· Demandar uma maior presença do Estado peruano em zonas de fronteira;
· Exigir do Estado a implementação de mecanismos eficazes para garantir
os
territórios dos povos indígenas;
· Implementar políticas públicas viáveis em favor dos povos indígenas com
ênfase em saúde, educação e recursos naturais; · Implementar mecanismos eficazes de consulta e participação informada
dos
povos indígenas, e medidas administrativas e projetos econômicos que possam
afeta-los, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT);
· Exclusão das concessões florestais superpostas aos territórios
indígenas;
· Suspensão das concessões minerais e petrolíferas nas bacias dos rios
Abujao, Callería e Amônia e nas Reservas Territoriais Isconahua e Murunahua;
· Viabilizar a implementação de projetos produtivos alternativos e
sustentaveis à atividade florestal madeireira;
· Exigir reconhecimento dos Comitês de Vigilância Comunal, de base local,
e da Frente de Defesa Fronteiriço, por parte do Estado peruano.

PROPOSTAS DE COMPROMISSO PARA AMBOS OS ESTADOS (BRASIL - PERU)
· Implementar uma política comum bifronteiriça para conservação do meio
ambiente e biodiversidade, e efetiva proteção aos direitos dos povos indígenas,
que incorpore a plena participação desses povos, desde a concepção à
implementação;

PROPOSTA DE COMPROMISSO DAS ONGs DE AMBOS OS PAÍSES
· Oferecer apoio técnico e financeiro a estes compromissos assumidos
pelos
povos indígenas; · Difusão de demandas dos povos indígenas através dos meios de
comunicação
a fim de gerar fatos políticos;

RECOMENDAÇÕES GERAIS PARA ACRE E UCAYALI
· Assegurar o cumprimento de compromissos assumidos quanto à efetiva
participação dos diferentes atores (Estados, povos indígenas e sociedade civil)
no marco do processo de integração engendrado pelos Governos de Ucayali e
Acre;
· Garantir uma efetiva articulação entre as ações da Secretaria Técnica
Acre-Ucayali com as propostas do Fórum para a Integração Ucayali-Acre; · Ambos os governos devem facilitar recursos financeiros e logísticos
para
viabilizar a participação das organizações indígenas nas reuniões do Fórum para
a Integração.
Aldeia Apiwtxa, Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, Marechal Thaumaturgo,
Acre, Brasil, 17 de setembro de 2005.
Assinam:

BRASIL
Associação Ashaninka do Rio Amônia - Apiwtxa; Secretaria Extraordinária
dos Povos Indígenas do Acre - SEPI; Organização dos Professores Indígenas do
Acre - OPIAC; Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do
Acre - AMAAIAC; Comissão Pró-Índio do Acre - CPI Acre; Organização dos Povos
Indígenas do Rio Juruá - OPIRJ; Associação dos Povos Indígenas do Rio Humaitá -
ASPIRH; Associação dos Produtores e Criadores Kaxinawá da Praia do Carapanã -
ASKPA; Aldeia Ashaninka Morada Nova do Rio Breu; Associação Agroextrativista do
Rio Tejo - ASATEJO; Associação Agroextrativista do Rio Juruá - ASAJURUA;
Fundação Nacional do Índio - FUNAI; SOS Amazônia; Secretaria de Meio Ambiente e
Turismo de Marechal Thaumaturgo

PERU
Defensoria del Pueblo - Ucayali; Comisión de Derechos Humanos de Purus;
Organización Regional de Pueblos Ashaninkas de Ucayali - ARPAU; Asociación de
Profesionales Bilíngües Indigenas de Yurua - APROBY; Word Wildlife Found de
Yurua

Bacia do Yurua
Comunidad Nativa de Sawawo; Comunidad Nativa Nueva Shahuaya; Comunidad
Nativa Dulce Gloria; Comunidad Nativa Breu; Comunidad Nativa Paititi; Comunidad
Nativa Coshireni.
Bacia do Sheshea
Comunidad Nativa Capiroshari.
Bacia do Tamaya
Comunidad Nativa Alto Tamaya; Comunidad Nativa Nueva Califórnia de
Shatanya; Comunidad Nativa Cametsari Quipatsi

Bacia do Purus
Comunidad Nativa Shalom de Shambuyacu; Comunidad Nativa Catay; Comunidad
Nativa Conta; Comunidad Nativa Cantagallo
PIB:Acre

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