O governo do presidente interino Michel Temer (PMDB) analisa dois novos nomes para ocupar a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e, entre eles, está novamente o de um militar do Exército. Estão sendo avaliados os perfis do advogado Noel Villas Bôas, filiado ao PSDB de São Paulo, e filho do sertanista Orlando Villas Bôas. Outro cogitado é o general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, que é assessor de Relações Institucionais do Comando Militar da Amazônia, em Manaus (AM).
O Exército confirmou à agência Amazônia Real a indicação do general Franklimberg Ribeiro de Freitas, que é natural de Manaus e ex-comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva em Roraima. "O general Franklimberg aceitou que seu nome seja avaliado no processo de seleção para presidir a Funai", disse a nota da 5ª. Seção de Comunicação Social do CMA enviada à reportagem nesta quarta-feira (10).
Conforme apurou a reportagem, o nome do advogado Noel Villas Bôas seria o mais cotado para assumir a Funai por ter um perfil "histórico de diálogo com todas as comunidades indígenas", como diz o governo Temer. Além de ser filho mais novo do sertanista Orlando Villas Bôas (1914-2002), um dos criadores do Parque Nacional do Xingu, Noel recebe o apoio do cacique Raoni Metukire, uma das maiores lideranças indígenas do país.
O filho do sertanista também conta com o apoio dos ministros do Meio Ambiente, José Sarney Filho (PV) e do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que é do PSDB, mesmo partido do advogado.
Noel Villas Bôas, 41 anos, é diretor do Instituto Orlando Villas Bôas, que tem como objetivo preservar o acervo dos trabalhos e pesquisas desenvolvidos por seu pai. Conforme informado em sua página numa rede social, ele foi membro do Conselho Indigenista da Funai entre 2000 e 2004. É formado em direito pela Universidade Paulista (Unip) e em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), também em São Paulo. Antes de liderar o instituto que leva o nome do seu pai, Noel trabalhou como assistente jurídico no Tribunal de Justiça paulista. Em 2006 concorreu ao cargo de deputado federal pelo PSDB, obtendo 2.109 votos.
A agência Amazônia Real não conseguiu localizar o advogado Noel Villas Bôas para falar sobre sua indicação para a Funai. A reportagem apurou que Noel e Raoni estão participando do Kuarup, tradicional tradicional ritual de homenagem aos mortos ilustres, celebrado pelos povos indígenas do Alto Xingu, no Mato Grosso.
Procurado, o Ministério da Justiça não confirmou as novas indicações. O cargo de presidente da Funai está vago desde o mês de junho quando o ex-senador João Pedro Gonçalves (PT) foi exonerado. A presidência do órgão é ocupada interinamente por Artur Nobre. Como é de praxe para qualquer cargo público, os nomes de indicados são investigados pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). No caso da Funai, a análise passa pelo Ministério da Justiça e Casa Civil antes de sair a nomeação pela Presidência da República. A reportagem apurou que é esperada para o final deste mês a confirmação de um dos nomes para a Funai.
A polêmica do militar
No mês de julho, após protestos das lideranças indígenas contra indicações de militares à chefia da Funai, o governo Temer recuou da nomeação do general Roberto Sebastião Peternelli Junior, filiado ao PSC. Na ocasião, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que "negociava outro tipo de perfil" e descartou a indicação de um militar para o cargo.
O general Roberto Peternelli foi indicado à presidência da Funai pelo PMDB e PSC, do qual é filiado, e presidido pelo pastor Everaldo Pereira. O PSC integra a bancada ruralista, que é contrária às demarcações de terras indígenas.
A indicação do general Franklimberg Ribeiro de Freitas começou a ser especulada a partir do dia 13 de julho, durante a mobilização nacional Ocupa Funai, ocorrida em vários estados do país, quando várias lideranças contestaram o nome dele.
Na semana passada, o nome de Franklimberg ganhou força quando várias lideranças indígenas começaram a lhe apoiar nas redes sociais, especialmente pela informação de que ele é indígena da etnia Mura, o que não foi confirmado pelo CMA.
À reportagem, o chefe da 5o Seção de Comunicação Social do Comando Militar da Amazônia, coronel Gustavo Evelyn, disse, em resposta por e-mail, que o nome do general Franklimberg está sendo avaliado, mas que se trata "somente de uma indicação entre outros nomes indicados ao referido cargo", e que o general "não teria nada a acrescentar", descartando uma solicitação de entrevista com o militar.
Em contato por telefone, o próprio general Franklimberg respondeu: "recebi orientação para não me manifestar sobre o assunto. Quando tiver qualquer posição, eu falo com você". O general esteve à frente de operações de combate a garimpos ilegais em terras indígenas na Amazônia. Algumas lideranças indígenas dizem que o general é índio Mura, mas o Exército não confirmou essa informação.
A Amazônia Real falou com o indígena Antônio Mota, de 80 anos e liderança do povo Mura, da aldeia Tauara, na Terra Indígena Murutinga, em Autazes (a 110 quilômetros de Manaus) para saber se ele conhecia Franklimberg ou sua família. Mota demonstrou desconhecimento.
"Estou ouvindo este nome agora, porque que você está me falando. Nunca ouvi falar, mas gostaria de saber mais, em que canto ele nasceu. Eu realmente não tenho conhecimento", disse Mota, que é uma das mais respeitadas lideranças indígenas do Amazonas.
Lideranças indígenas ouvidas pela Amazônia Real têm opiniões diferentes sobre o nome do general Franklimberg Freitas.
A indígena Silvia Nobre, do povo Waiãpi, do Amapá, se apresenta como "admiradora" do general. Sílvia é primeiro-tenente do Exército e chefe do Serviço de Reabilitação e Fisioterapia do Hospital Central do Exército, no Rio de Janeiro. "Sou admiradora do trabalho dele. Sei do vasto conhecimento dele em geopolítica, geográfico. Ele conhece as mazelas das regiões mais longínquas onde habitam povos indígenas. Nós indígenas lutamos muito para chegar aonde chegamos e ocupar um lugar de destaque nessa sociedade urbana. Tudo que nós queremos é ajudar nossos parentes. Ele é honrado. Não há nada que macule a imagem dele", disse Silvia Nobre à Amazônia Real.
Para ela, a rejeição do nome de um militar para a presidência da Funai não é unanimidade. Ela diz que a rejeição é preconceito. "Na realidade, é ensinado para eles [indígenas] terem uma outra visão do militar. Ensinaram a ter ódio. Mas não é a realidade", afirmou. Perguntada sobre o que achava do governo militar (1964-1985), ela disse que "não era nascida na época".
"Vi e vejo rotineiramente as Forças Armadas salvando indígenas aonde ninguém consegue ir. Mais do que isso. Existem vários indígenas militares em batalhões de fronteiras que servem às Forças Armadas e têm orgulho de serem militares, pois é respeitada a cultura, a língua", completou Sílvia Nobre.
Durante o período em que serviu em Roraima, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas atuou em operações de logística de combate ao garimpo em terras indígenas, inclusive na Terra Indígena Yanomami. No entanto, seu nome é visto com desconfiança por Dário Yanomami, diretor da Hutukara Associação Yanomami (HAY), devido à relação tensa que os indígenas desta etnia têm com os militares.
Segundo Dário Yanomami, as operações de combate a garimpo e outras irregularidades na Terra Indígena Yanomami contam com apoio de militares apenas depois "de muita pressão". "A gente não tem bom relacionamento com eles. Se a gente os pressionar, eles ajudam. Se não pressionar, é difícil. Quando a gente pede apoio deles, a gente diz: 'vocês são do Exército, vocês têm obrigação de fiscalizar nosso território'. Assim, depois de pressionar, eles ajudam. Mas nem sempre isso acontece. O Exército não tem transporte suficiente. Quem mais nos ajuda é a Funai e a Polícia Federal", disse.
Para Dário Yanomami, filho do líder Davi Kopenawa Yanomami, a escolha do novo presidente da Funai precisa ser feita após diálogo com os indígenas e com suas organizações.
"Isso de o governo convocar generais para presidência tem que ser conversado. A gente não sabe o que passa pela cabeça dele, qual seu posicionamento. Isso é preocupante. A gente conhece o histórico da ditadura militar. Foi muito difícil para a sociedade indígena e não indígena. A gente não pode repetir. Por isso, tem que ter bom relacionamento com a gente, que conheça a realidade, a cultura, as tradições. Que nos respeite e nos defenda", afirmou Dário, que é filho do líder indígena Davi Yanomami, reconhecido internacionalmente.
A reportagem também conversou com Aruã Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó. Aruã foi uma das lideranças que participaram de uma reunião com o ministro da Justiça Alexandre de Moraes no dia 6 de julho. No encontro, onde foram abordados assuntos como marco temporal no processo de demarcação de terras indígenas e CPI da Funai, o governo informou que desistiria de nomear Peternelli para a Funai. Aos jornalistas, Aruã defendeu que um indígena assumisse o órgão.
À Amazônia Real, Aruã Pataxó se colocou contrário à nomeação de um militar, mesmo que seja indígena. "Estive em Brasília com o ministro naquele dia e ficou acertado que um general não assumiria a Funai. Que ficaria com alguém com boa relação com os povos indígenas e que tenha conhecimento administrativo nesta causa. Depois, voltei a Brasília e soube que outro militar estaria sendo indicado. Parece que é até indígena. Sendo general de qualquer coisa, não serve. Mesmo que seja indígena. Ele vai seguir o regimento e a instrução militar. Então, não aceitamos militar para presidente da Funai. Precisamos que seja alguém que tenha bom relacionamento e bom trânsito com povos indígenas. Tem que saber lidar com um público específico", defendeu Aruã Pataxó.
Aruã Pataxó disse que, antes de qualquer nomeação, o governo interino de Michel Temer deve conversar com as lideranças. "Está acontecendo um retrocesso e queremos que o governo dê mais atenção aos indígenas. O ministro disse que seria alguém de bom trânsito com os povos indígenas. Mas a gente sabe que muitas vezes isso é conversa, né?", afirmou.
Azelene Kaingáng, socióloga e uma das reconhecidas militantes do movimento indígena, disse que "finalmente deveria ter um indígena de qualificação comprovada como presidente da Funai".
Azelene salienta que já houve pessoas de todos os perfis imagináveis na Funai, inclusive militar, mas nunca um indígena. "Mas não basta ser indígena. Tem que, acima de tudo, ter a coragem de romper com muitos paradigmas como, por exemplo, o de não conversar com o Congresso Nacional. Se é essa a Casa que legisla em todas as questões, inclusive na questão indígena, por que não abrir um diálogo com os parlamentares? Ter coragem de discutir novos marcos legais para questões polêmicas, como a territorial", disse ela.
A socióloga completa: "Não podemos mais fechar os olhos para as decisões da Suprema Corte brasileira sobre esta questão que judicializa as demarcações pela falta de instrumentos que normatizem partes do processo demarcatório, que levam 30 a 40 anos, às vezes, quando judicializados".
Azelene reconhece a importância do papel militar na proteção territorial brasileira, mas diz ser contra a nomeação do general. "Os povos Indígenas nunca tiveram boas relações com os militares, e nomear um militar para presidir a Funai, seria mais uma vez cortar o diálogo com os povos indígenas, ainda que esse fosse um indígena", afirma.
A fundadora do movimento Frente e Ação Pró-Xingu e da Rede de Ação Indígena, Kuana Kamayuará, do Mato Grosso, também defende o nome do general Franklimberg, após pesquisar sobre ele.
"Encontrei um homem honesto, sério e principalmente comprometido com o que faz e é disso que precisamos. Lutamos por justiça e dignidade para os povos indígenas. Não podemos discriminar um parente indígena só porque ele é militar. Eu sou bacharel em direito, logo serei advogada. É uma profissão como outra qualquer. Eu o apoio porque depois de muitas pesquisas sobre o nome dele, o trabalho dele e a dedicação dele para com os povos indígenas, me dei conta de que ele é a pessoa mais preparada para assumir um cargo tão importante para nós, que é a presidência da Funai", disse Kuana, que se identificou como "mestiça do povo Kamayurá".
Para ela, os militares de hoje não podem pagar pelo erro dos militares do passado. "A grande maioria dos comandantes no período do regime está morta ou são bem velhinhos e aposentados", afirmou Kuana Kamayuará.
http://amazoniareal.com.br/filho-de-sertanista-e-um-general-do-exercito-tem-os-nomes-indicados-para-chefia-da-funai/
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