Seminário em Brasília aponta falhas do planejamento energético brasileiro

MPF- http://www.mpf.mp.br - 12/12/2016
Com a participação de ribeirinhos e indígenas afetados por barragens nos rios Xingu, Tapajós, Madeira, Teles Pires, Tapajós, Juruena e Tocantins, um seminário em Brasília apontou várias falhas graves no planejamento do setor energético brasileiro e debateu saídas para o modelo de grandes barragens longe dos centros consumidores. O seminário Hidrelétricas na Amazônia contou com a presença de representantes do governo brasileiro, entidades ambientalistas, pesquisadores e o Ministério Público Federal (MPF).

O procurador regional da República Felício Pontes apontou o desrespeito à consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como a ilegalidade inaugural de todo planejamento energético atual. Nenhuma usina construída ou planejada respeitou o direito de consulta até hoje. "Das 40 hidrelétricas previstas no Plano Decenal de Energia [na Amazônia], todas elas atingem ou populações indígenas, ou populações quilombolas, ou populações tradicionais de modo geral", alertou.

"Não somos contra o desenvolvimento, mas há formas de produzir energia sem acabar com a natureza, nossa mãe", disse Gilliarde Juruna, cacique da aldeia Muratu, a mais próxima da barragem principal da usina de Belo Monte. Sofrendo os impactos mais graves da obra, os indígenas passaram a receber energia elétrica no ano passado. Mas as tarifas são tão altas que todos estão endividados. "O mínimo era essa energia ser de graça, mas nem isso. A usina acabou com tudo da nossa vida, o rio, os peixes, a paz e ainda por cima está acabando com o nosso bom nome, porque agora somos devedores", disse Gilliarde.

Antônia Melo, liderança do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, levou contas de luz de atingidos por Belo Monte para o Congresso Nacional. A tarifa no Pará, que é um dos maiores exportadores de energia, está entre as mais caras do país. Atingidos por Belo Monte estão recebendo contas de luz que podem chegar a R$ 1 mil.

"O processo de licenciamento dessas obras é cosmético", disse Maurício Torres, pesquisador da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), após o representante do Ibama apresentar um organograma sobre o licenciamento. "Todos os licenciamentos começam já com a data do leilão definida, como vocês podem considerar que há participação social se o processo já começa com a decisão final pronta?", questionou.

Para Ivo Poletto, da Frente por uma Nova Política Energética, considera o sistema energético brasileiro inaceitável e suicida, pela persistência no modelo de grandes barragens e distribuição centralizada. "Governos brasileiros foram estúpidos em não aproveitar a tempo o potencial solar. Deveríamos hoje ser líderes mundiais em energia solar", disse Danicley Aguiar, do Greenpeace. Para ele, as hidrelétricas na Amazônia são mau negócio para o Brasil e o mundo, porque o excesso de barragens pode levar o bioma, que é fundamental para o equilíbrio hídrico do continente sul americano.

Rogério Hohn, do Movimento dos Atingidos por Barragens, afirmou que as tarifas de energia no Brasil são objeto de especulação constante. "É caso de polícia o que fazem com o consumidor", disse. "Se a energia hidráulica é a mais barata, como apregoado pelo setor, por que o país tem uma das tarifas mais altas do mundo?", perguntou.

A presidente do Ibama, Suely Araújo, participou da abertura do seminário e afirmou comprometimento do órgão em assegurar direitos de povos indígenas e tradicionais.

Além dela, falaram durante os debates representantes do Ministério de Minas e Energia e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O representante do BNDES, Edmar Raimundo, defendeu as diretrizes socioambientais do banco, mas recebeu duras críticas dos atingidos presentes.

"Se vocês levassem a sério regras socioambientais já teriam deixado de financiar aquelas usinas", afirmou Iremar Ferreira, atingido pelas barragens de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira. Antônia Melo, do Xingu, pediu ao banco que auditasse os R$ 4,2 bilhões que a Norte Energia diz ter investido em programas socioambientais na região atingida por Belo Monte.

E Raimunda Gomes, que morava no rio Tocantins, foi atingida pela usina de Tucuruí na ditadura, migrou para o Xingu e acabou desalojada novamente, cobrou respeito: "Eu achei que desenvolvimento era ter uma vida melhor, era ter um transporte, mesmo pagando, era ter uma cidade limpa, e isso não aconteceu na nossa cidade. O que aconteceu foi que a gente perdeu nossa atividade pesqueira, perdeu nosso transporte, então isso não é desenvolvimento". "Quando eu vejo o sr dizer que teve esse monte de dinheiro, esse dinheiro foi usado pra nos matar, matar a nossa cultura. Ô dinheiro amaldiçoado, esse", disse.

Edmar Raimundo apresentou as diretrizes socioambientais do BNDES que, segundo ele, foram reformuladas em 2010 com a adoção de algumas restrições, entre elas a proibição de qualquer intervenção no sítio da obra sem emissão de licença de instalação (nas usinas do Madeira, o banco não exigiu a licença) e financiamentos dos investimentos socioambientais previstos no licenciamento ambiental.

O seminário Hidrelétricas na Amazônia marcou também o lançamento do filme Belo Monte: depois da inundação, do documentarista Todd Southgate.



http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/seminario-em-brasilia-aponta-falhas-do-planejamento-energetico-brasileiro
Energia:UHE Amazônia

Áreas Protegidas Relacionadas

  • TI Paquiçamba
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.