Pluralismo na Sapucaí

O Globo, Opinião, p. 15 - 18/01/2017
Pluralismo na Sapucaí
Enredos podem exaltar o agronegócio da mesma forma que defendero índio

por Fábio Fabato

Ao exaltar o índio brasileiro, sua importância em nossa formação e também a proteção às terras de origem, o enredo da Imperatriz Leopoldinense - escola de samba octacampeã da folia carioca - não ataca o agronegócio e, sim, presta um serviço histórico ao país. No ano passado, quando homenageou a dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano, o samba da agremiação verde e branca trazia versos como "no amanhã hei de colher, o que hoje for plantar", que diretamente sinalizam o valor dos trabalhadores ligados ao campo.
De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o setor agropecuário representa cerca de 50% das exportações totais do país, número inegavelmente expressivo e já celebrado em temáticas de inúmeras escolas. A Unidos de Vila Isabel, por exemplo, foi a campeã em 2013 na carona de uma apresentação que versava justamente sobre o tema. O samba-enredo naquela ocasião, ganhador do Estandarte de Ouro, integra o set list das melhores rodas de bambas cariocas.
Ora, democrática e inclusiva por essência, a festa do carnaval abraça a diversidade, sem censura, encantada por ritos e ritmos de gênese africana. Escola de samba é, sem exagero, o marco civilizatório da integração e da multiarte, espécie de divã em que o Brasil processa suas questões, exalta aspectos e valores, canta para subir com todos os males e ganha fôlego para seguir até o fim do ano. Portanto, da mesma forma que, na avenida, podemos exaltar as conquistas do agronegócio, é vital falarmos de proteção indígena, dívida de alma em prol de quem é perseguido desde as naus cabralinas.
O tema da Imperatriz Leopoldinense representa um belíssimo libelo de proteção aos povos do Xingu (reserva no Centro-Oeste brasileiro, resultado de vários anos de trabalho e luta dos irmãos Villas-Bôas), formados por tribos e grupos linguísticos hoje ameaçados de sumir do mapa. Sejamos francos: como negar a relevância de uma proposta dessa natureza?
Composto por 12 agremiações em seu grupo de elite, o carnaval carioca permite o olhar artístico-popular do país a partir de diferentes prismas - do rememorar histórico, passando pela exaltação ufanista, e até mesmo a crítica de cunho político-social - esta que teve em Joãosinho Trinta e Fernando Pinto, carnavalescos já falecidos, dois ícones. Inegavelmente, o enredo da Imperatriz, a primeira agremiação do Rio a criar um departamento cultural para pensar o legado dos desfiles, põe o dedo na ferida de um problema que é real, mas sem detratar qualquer setor. Muito pelo contrário: está preocupada com a transmissão de saberes e brasilidade, característica inerente ao processo de formação e transformação do espetáculo.
Uma agremiação que representa com maestria o miscigenado subúrbio carioca, e que ostenta 11 estrelas na bandeira para simbolizar estações de trem, se reconhece ancestralmente em carnavais que jogam os holofotes no Brasil grande e integrado. Viva o índio brasileiro! A Imperatriz não quer briga, apenas tocar seu tamborim.
Fábio Fabato é jornalista

O Globo, 18/01/2017, Opinião, p. 15

http://oglobo.globo.com/opiniao/pluralismo-na-sapucai-20789435
PIB:PIX

Áreas Protegidas Relacionadas

  • TI Xingu
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.