A impressionante história do índio Yanahin e suas fotos (Parte 2)

Os Divergentes- https://osdivergentes.com.br - 09/03/2017
Contei no texto anterior, a impressionante história do índio Yanahin Matala, nascido na aldeia Waurá, no Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso. Eu disse de como os amigos fotógrafos Evandro Teixeira, Igo Estrela e Rogério Reis e a esposa Maíra, e eu o conhecemos, quando fomos documentar a festa do Quarup, em 2012. No capítulo de ontem discorri sobre o nosso personagem, aquele que nos levou em seu possante Toyota da pista do Posto Leonardo à aldeia Yawalapiti - do cacique Aritana e seu irmão Piracumã. Relatei que o Yanahin, apaixonado por fotografia, trocou a direção do jipe por uma câmara digital.

E como eu soube disso? Ora, um belo dia, um ano depois de nossa ida à aldeia Yawalapiti, adivinhe quem fez contato comigo no FaceBook, adicionando-me como amigo? Yanahin, o próprio. Aquele índio fissurado em fotografia e que pedira meu endereço de e-mail. Como não havia me esquecido de tal personagem tão diferente, comemorei e perguntei-lhe na janelinha de chat como ia a vida no Xingu. Respondeu-me:

- Brito, sensacional. Vida nova. Estou feliz com minha Canon 60D, digital. Dois zooms. Equipamento usado, mas bom. O suficiente para me permitir fazer essas fotos que acabei de enviar para seu e-mail. Queria que você as avaliasse.

Caramba! A princípio pensei tratar-se de uma brincadeira do amigo Evandro, sempre armando situações pilhéricas. Na mesma hora abri minha caixa de mensagens do Gmail. E lá estavam várias fotos de autoria do mais novo fotógrafo do Brasil. Provavelmente o primeiro índio colega de profissão, o Yanahin Matala Waurá.

Como o Yanahim me havia pedido avaliação de suas imagens, não neguei meu modesto auxílio. Observei cada uma de suas fotos. Algumas com acerto e outras com problema de foco e luz. Atendi, então, a seu pedido para orienta-lo à distância, por meio do FaceBook. Isso mesmo, e por e-mail. Porém, indaguei-lhe como ele conseguira acesso à Internet. E sua resposta qual não foi:

- Brito, amigão, acesso a rede por três maneiras. A primeira na cidade, em Canarana, e a segunda no Posto Leonardo, que é a sede da Funai no Xingu. Mas as conexões lá são lentas. Por isso prefiro conectar-me em minha aldeia. É limpa, veloz e segura.

Danado aquele Yanahin. Arranjou uma maneira de as antenas de satélite de sua aldeiazinha no coração do distante Parque do Xingu oferecerem não somente sinal de tevê, mas também de Internet. Com ajuda de seu irmão Apapauá, professor de biologia, formado na Faculdade do Índio de Barra do Bugre, em Mato Grosso, conseguiu instalar equipamento que lhe possibilitou alcançar a rede mundial de computadores.

E foi usando a comunicação pela Internet que passei bom tempo orientando o Yanahin. Dei palpites e sugestões para abordagem de um tema em que ele era, e é, privilegiado pela presença permanente e ter um olhar digamos diferente dos fotógrafos forasteiros, como os amigos Rogério Reis, Igo Estrela, Evandro Teixeira, eu mesmo e outros mais.

Porém, intrigou-me um detalhe: de que maneira Yanahin dispunha de energia elétrica para pôr em funcionamento seu computador e, sobretudo, manter carregadas as baterias de sua câmara digital?

- Simples. Conseguimos com o pessoal do ISA-Instituto Socioambiental, um conjunto de placas solares com capacidade para armazenar energia para os aparelhos eletrônicos de nossa aldeia, a Piyulaga Waurá. Aqui nunca falta luz, porque aproveitamos o brilho do sol.

Bem, com nosso Yanahin agora dispondo de condições para realizar seu sonho de fazer fotografias, passei dialogar com ele regularmente pelo Face.

Ressaltei a importância de ele registrar as cenas do dia-a-dia das aldeias. Os velhos, as mulheres, as festas, os guerreiros, as crianças, o trabalho nas roças, as construções, a comida, os costumes, a pesca nos rios e lagoas. Enfim, tudo que pudesse transformar em imagem. O fiz entender que tinha chance ímpar de captar referências para estudo sobre os índios.

Ao longo do tempo, porém, à medida que ia me enviando e-mails, percebi que somente as minhas "aulas" à distância eram insuficientes para a prática de um ofício que envolve técnica, processo de certa forma complexo. Orientei ao Yanahin que buscasse ajuda também com o Renato Soares, um dedicado fotógrafo que há anos retrata a vida dos povos do Xingu e que está sempre presente nas aldeias.

Bom eu dizer que enfatizei sempre a sua liberdade para retratar o que bem desejasse, o ângulo, o momento, o enquadramento, tudo segundo seu ponto de vista. Tive, em minhas "aulas" via Internet, o cuidado e cautela para não deixar contaminar seu olhar com uma possível interferência direta minha. Me adstringi a continuar lhe dando ânimo para realizar seu trabalho, sem influência intrínseca no conteúdo. Nada de alterar a direção do que Yanahin queria comunicar com a pureza do seu enxergar, seu conceito de estética. Chamava sua atenção para dosar a quantidade de fotos internas, dentro das ocas, com as externas, na praça das tabas.

Torço para que seu trabalho interesse a alguma entidade, fundação, universidade, grupo de estudos, de sociólogos, instituto de antropologia, algo assim. Deveria transformar-se em livro. Ou exposição, massa de trabalho para etnólogos, por exemplo.

O certo é que daquele Quarup de 2012 até hoje muita coisa mudou. A começar pelo destino do próprio Yanahin. Deixou de ser motorista e tornou-se um baita fotógrafo. Piracumã, o sábio irmão do cacique Aritana Yawalapiti, faleceu, vitima de um infarto. O lendário Takumã, chefe dos Kamaiurá, outra aldeia próxima do Posto Leonardo, também morreu. E aquele frívolo Yanahin Matala deu novo rumo à sua vida.

Depois do "empurrão" que lhe demos na tribo do cacique Aritana, de posse de uma Canon 60D com dois zooms usados, mas bons, e com acesso à Internet em sua aldeia, Yanahin estava realizando o antigo sonho de ser fotógrafo. Ampliou seus contatos com pessoas para ajuda-lo.

- Minha escolaridade é pouca, só fiz o ensino fundamental, na escolinha do Posto Leonardo. Não tenho suficiente fluência na língua portuguesa para escrever e por isso pedi ao Hugo Meirelles, da Funai, que elaborasse um projeto junto ao Ministério da Cultura, que concede bolsa de estudo na área de antropologia.

Com os quarenta mil reais que recebeu da bolsa de cultura, Yanahin equipou-se melhor. Comprou câmara nova, com zoom zerado. Dedicou-se com afinco às fotos. Um belo dia apareceu em sua aldeia uma equipe de jornalistas da Coreia.

Ficaram encantados com a desenvoltura do nosso personagem e a qualidade de suas imagens. Convidaram-no para apresentar suas fotografias num encontro de cultura de raças em Seul. O mesmo aconteceu com o pessoal da Rádio e TV da França.

E lá foi o nosso Yanahin mostrar suas fotos longe do Brasil. Esteve também no Paraguai. E só não foi para os Estados Unidos porque não lhe foi concedido visto no passaporte.



https://osdivergentes.com.br/orlando-brito/impressionante-historia-do-indio-yanahin-e-suas-fotos-parte-2/
PIB:PIX

Áreas Protegidas Relacionadas

  • TI Xingu
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.