Autoridades de RR contestam bloqueio de estrada por índios

FSP, Poder, p. A12-A13 - 09/04/2017
Autoridades de RR contestam bloqueio de estrada por índios

MARCELO TOLEDO
ENVIADO ESPECIAL A PRESIDENTE FIGUEIREDO (AM) E A BOA VISTA (RR)

Todos os dias, às 18h30, índios da etnia vaimiri-atroari no Amazonas e em Roraima pegam correntes e interrompem o tráfego de veículos num trecho de 125 km da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista.
Criada nos anos 70 pelo Exército como forma de proteger motoristas de possíveis ataques dos índios, a prática se perpetuou e, com a conclusão do asfaltamento na década de 90, o controle passou a ser feito pelos próprios indígenas, que fecham a rodovia por 11 horas diariamente.
O sistema é cada vez mais combatido por produtores rurais, caminhoneiros e governo de Roraima, que tentam há anos, sem sucesso, a abertura em tempo integral da rodovia.
Funai (Fundação Nacional do Índio) e entidades indigenistas defendem a medida adotada pelos vaimiri-atroari, etnia que quase foi dizimada entre as décadas de 70 e 80.
A alegação oficial para o fechamento diário é evitar atropelamentos de animais como onças, jacarés, queixadas, cobras, macacos, pacas, antas e tatus, assim como permitir aos indígenas caçar à noite. O tráfego é vetado para caminhões e carros de passeio, das 18h30 às 5h30 do dia seguinte. Veículos com carga perecível passam até as 22h. Já os com carga viva, de emergência e ônibus não têm restrição.
A Folha esteve duas vezes na terra indígena. Praticamente sem acostamento e em meio a mata fechada, a BR-174, logo no início da terra vaimiri-atroari, exibe um outdoor indicando a morte de 10,3 mil animais desde 1997 no trecho -entre 70 e 80 por mês, atualmente-, além de pedidos aos motoristas para evitarem parar os veículos, filmar e fotografar.
"Isso atrasa muito as viagens e a entrega das cargas", reclama o caminhoneiro Wendel Azevedo Palhares, 38, que faz o trajeto Manaus-Boa Vista três vezes na semana.
Com a restrição, ele janta numa casa que virou restaurante em Presidente Figueiredo (AM), dorme no caminhão e, meia hora antes da abertura, vai para o local para tentar evitar filas -até 60 caminhões formam filas duplas antes da liberação do tráfego.
Construída e controlada pelo Exército a partir dos anos 70, a BR-174 tem 780 km de extensão entre as duas capitais. Dos 125 km que cortam a terra indígena, pouco mais de 70 km ficam em Roraima e o restante, no Amazonas.
Os vaimiri-atroari são um povo indígena com cerca de 2.000 pessoas, que vivem numa área de 2,58 milhões de hectares (3,61 milhões de campos de futebol padrão Fifa).
Dados do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) apontam para a existência de 3.000 índios à época da construção da estrada, número que caiu para 332 em 1983.
Procurador-geral de Roraima, Cláudio Belmino Rabelo Evangelista disse que nenhuma legislação permite que os indígenas fechem a BR.
"Não há regulamentação legal, acordo ou documento que valide que façam isso. Não têm nenhum direito, pelo contrário, usurpam a função da Polícia Rodoviária Federal e geram problema econômico para o Estado, reduz fluxo de mercadorias. É a única via de ligação de Roraima com o restante do país."
A terra indígena foi homologada por decreto do ex-presidente José Sarney (PMDB) em 1989, com exclusão da faixa de domínio da BR-174.
O secretário do Índio do Estado, Dilson Ingarikó, disse pregar negociação entre as partes. Segundo ele, os índios querem uma indenização que possa envolver a proteção da fauna e beneficiar a comunidade.


Indígenas foram massacrados, argumenta defensor de restrição

A restrição ao tráfego da BR-174 é defendida por Egydio Schwade, 81, um dos fundadores do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
"Os motivos que levaram a ditadura a fechar a área não foram tão nobres quanto os vaimiri-atroari têm hoje. O fechamento foi para não entrarem jornalistas, antropólogos e pessoas ligadas ao movimento indígena na área. Só era permitido entrar a Funai. Foi para isolar os índios."
O fechamento diário por 11 horas da rodovia, na avaliação de Schwade e da Funai, contribui para o crescimento populacional da etnia e deve ser mantido, como forma de garantir segurança dos indígenas e proteger os animais.
Segundo entidades indigenistas, os índios não foram ouvidos quando a rodovia surgiu. O caso foi levado em 2014 à Comissão Nacional da Verdade por índios, que afirmaram que morreram famílias inteiras após serem atingidas por bombas lançadas de aviões e por incêndios em aldeias nos anos 70, à época da abertura da BR-174.
Segundo a Funai, o Exército, que foi contratado para fazer as obras no trecho que corta a terra indígena, entregou nos anos 90 as chaves dos cadeados usados na interdição aos índios, que assumiram a função diária.
"A Funai apoia a manutenção das barreiras por meio do programa vaimiri-atroari, resultado de um convênio mantido com a Eletronorte para compensar e mitigar os impactos da hidrelétrica de Balbina", diz nota da fundação.
De acordo com a Funai, a manutenção das barreiras é defendida enquanto aguarda-se o julgamento de ações no STF que questionam a medida. "[A restrição] Se dá não só pela segurança dos índios, mas da estrada. Há muita violência, alto índice de contrabando e tráfego de drogas. A rodovia fechada à noite ajuda a própria Polícia Rodoviária Federal", disse Marcelo Cavalcante, coordenador que responde pela frente etnoambiental do programa vaimiri-atroari e servidor da Funai.
Segundo ele, o fluxo noturno no trecho seria pequeno ""cerca de 50 caminhões, enquanto a média no período em que fica aberta chega a 600"" e o "risco é muito maior que o prejuízo de trafegar 125 km numa terra indígena".
A estrada tem monitoramento em cinco pontos, com quatro câmeras cada e, por mês, são recolhidos até mil quilos de lixo deixados por veículos no trecho vaimiri-atroari, segundo ele.
A PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Roraima informou ser contra e combater toda forma de fechamento ou obstrução de estradas.
Já o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), que administra a rodovia, e o Ministério dos Transportes afirmaram tratar-se de "um conflito de direitos constitucionalmente assegurados, estando de um lado os indígenas e sua terra homologada e o direito à livre locomoção em território nacional".
O Exército informou que entregou o controle da estrada para o Dnit após a conclusão e asfaltamento, nos anos 90. "Governos pensam apenas nos quatro anos de mandato, enquanto a luta indígena é para preservar o local para gerações futuras", afirmou Schwade.


Relação entre índios e governo é conflituosa

O embate entre o governo de Roraima e os índios da etnia vaimiri-atroari envolvendo o fechamento de um trecho da BR-174 é só mais um capítulo de uma relação conflituosa.
Em dezembro de 2015, a então presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou em Boa Vista que Roraima, enfim, faria parte do sistema interligado nacional de energia elétrica.
Com isso, o Estado, até hoje o único fora do sistema, deixaria de depender de energia fornecida pela Venezuela e de termelétricas, que geraram apagões constantes em Roraima.
Faltou combinar com os índios. Parte das linhas de transmissão cortariam a terra indígena vaimiri-atroari e os índios não permitiram que isso ocorresse.
Os indígenas contestaram a emissão de licença prévia ambiental para a construção de 125 km de linhas de transmissão dentro do seu território.
Deputados e o governo de Roraima procuraram o presidente Michel Temer (PMDB) neste mês para tentar uma solução.
A governadora Suely Campos (PP) afirmou que seriam instaladas 250 torres dentro da terra indígena, todas na faixa de domínio da BR-174, que corta a área da etnia dos vaimiri-atroari.
Ela afirmou que se reuniu com os indígenas, que querem uma compensação financeira para autorizar a obra.
Colaborou DANILO VERPA, enviado especial a Presidente Figueiredo

FSP, 09/04/2017, Poder, p. A12-A13

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/04/1873923-autoridades-de-rr-contestam-bloqueio-de-estrada-por-indios.shtml
PIB:Roraima/Mata

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