Histórias bem-sucedidas para abrandar um pouco nosso cotidiano tão sofrido

G1 - http://g1.globo.com/natureza - 04/07/2017
Histórias bem-sucedidas para abrandar um pouco nosso cotidiano tão sofrido

Segunda-feira, 03/07/2017, às 10:53, por Amelia Gonzalez

Ando agoniada com tantas histórias doloridas que se tem noticiado. É forte a sensação, quando me sento para escrever, que acabo por engrossar a lista das mazelas, uma lista quase inesgotável hoje em dia. Há quem busque, inclusive, numa esfera transcendental, explicações para o momento: estaríamos vivendo uma era de Saturno, por isso a impressão de que andamos fazendo movimentos circulares, como os anéis do planeta, sem sair do lugar. A autorização, dada pelo STF, de que Aécio Neves, alvo de investigações, volte a exercer o cargo de senador é um desses descalabros que nos faz ter a sensação de círculo vicioso.
Dialogo melhor com a realidade. E cismo em acreditar que há outras soluções que passam a léguas das cadeiras poluídas dos poderes políticos. E, como no último post eu contei a história de indígenas que estão sofrendo na pele os impactos do desenvolvimento, agora vou dar a vocês, caro leitores, algumas razões para acreditar que é possível viver de outra forma, mesmo sob um sistema político, econômico e financeiro já caduco e adoecido.
Fato é que tem muita gente, fora do circuito dos grandes centros, encontrando formas de preservar tradições, manter florestas, rios e matas, garantir terra para quem precisa dela e ainda gerar renda para agricultores familiares. A diferença para o sistema vigente majoritário é que essas pessoas não têm ganância para acumular capital. Sua riqueza é de outra natureza.
"O pequi tem muito valor pra nós e nós sabemos disso", relata uma indígena da aldeia K?sêdjê na série de minidocumentários "Xingu, histórias dos produtos da floresta" que estão disponíveis na internet. Da pequena fruta se extrai o óleo que é vendido nacionalmente. Do Xingu até um mercado de grande porte de São Paulo, por exemplo. O projeto, que tem apoio do Instituto Socioambiental (ISA), "traz uma alternativa econômica para agricultores familiares e indígenas ao mesmo tempo em que mostram o valor da floresta em pé em uma região de fronteira agropecuária, que vive a constante pressão da expansão da agricultura em grande escala", segundo a reportagem especial de Marina Yamaoka e Rogério Assis feita para o site da organização.
Foi em 2011 que o óleo do pequi começou a ser produzido na aldeia. E para isso foi preciso aliar alguma tecnologia à sabedoria indígena, com a construção de uma mini-usina, que deu mais agilidade ao trabalho que era feito manualmente.O pequi precisa de temperaturas baixas para manter o perfume quando se extrai dele o óleo, e por isso as mulheres catavam a fruta na madrugada.
"Quando instalamos o ar-condicionado, melhoramos a qualidade do óleo que se tornou mais transparente e preservou o cheiro do pequi", conta Yaiku Suyá, diretor-executivo da Associação Indígena K?sêdjê.
E por que não? Por que não usar dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e do Fundo Amazônia (aquele para o qual a Noruega fazia depósitos regulares até o mês passado) para ajudar os índios a se manterem em suas terras com dignidade, protegendo as áreas e levando adiante seu conhecimento? Não é de exportação que se trata, mas de produtos levadosa fronteiras nacionais e locais. É desenvolvimento local, com foco em quem está perto e, por isso, tem menos miopia sobre o processo.
"Além de fornecer equipamentos e contribuir para o desenvolvimento de tecnologias que agregam valor aos produtos da floresta e ao conhecimento tradicional dessas populações, as cadeias contaram com assistência técnica para melhorar a qualidade da produção. Também buscou-se desenvolver e aprofundar relações comerciais mais justas e equilibradas entre comunidades e empresas", diz o texto que acompanha os minidocumentários no site do ISA.
Terras indígenas e unidades de conservação ainda conseguem proteger 55% da bacia do Xingu, antes da tsunami de novos projetos governamentais que podem começar a destruir esse cordão de isolamento contra o avanço do agronegócio.
Como estou em momento de contar casos bem-sucedidos, aí vai mais um.
As bacias do Xingu e Araguaia ficam numa região riquíssima em frutas de todos os tipos. Além do pequi, tem mangaba, buriti, só para citar as mais conhecidas. O povo local, da cidade de São Félix, estava acostumado a comer a manga, mas não conhecia o hábito de tomar suco da fruta. Foi preciso ensinar, levar o conhecimento de outra cultura, juntar essa novidade à riqueza ali existente.
"Hoje, os sucos da Fábrica de Polpas Araguaia - criada no início do século - fazem parte da merenda das escolas da região e cerca de 250 coletores, sendo 60 famílias do assentamento Dom Pedro, próximo à São Félix, são responsáveis por entregar todo ano quase 70 mil quilos de frutas de mais de 20 espécies diferentes que serão beneficiadas na fábrica", explica o site do ISA, instituição que tem estado presente quando se trata de iniciativas para fortalecer os indígenas dessa e de outras regiões do país.
Cumpri meu trato com os leitores. Alguns vão se perguntar, legitimamente, quais são os meandros para que se tenha alcançado tais sucessos. Outros poderão até mesmo duvidar. Será que o triunfo alcançou a todos os envolvidos? Para tais perguntas eu não terei respostas perfeitas e certas, mas abusarei das reflexões. Vamos navegar, hipoteticamente, por mares não poluídos e imaginar que os indígenas que tiveram ajuda podem estar vivendo, na prática, um outro patamar de bem-estar social, longe daquele que a cultura ocidental prega como único. Em outras palavras: nada ali, naquela natureza exuberante, é conseguido facilmente.
As cenas dos minidocumentários mostram paisagens lindas, coloridas, dias ensolarados. Sabe-se, no entanto, que tudo o que tem sido obtido, não só para gerar as polpas das frutas como para tirar do pequi o óleo que será comercializado, é fruto de muito trabalho. E um trabalho braçal, com gasto de energia, que machuca as mãos. Portanto, para além da ajuda financeira, que vem em boa hora, é preciso esforço e atividades bem distantes da rotina daqueles que se sentam à mesa para legislar, executar leis, e acabam se rendendo ao desejo de ganhar dinheiro de maneira leviana, para dizer de maneira bem educada.

Já os índios não fogem de trabalho.


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