Parecer assinado por Temer pode acirrar violência contra indígenas

Época - http://epoca.globo.com/ciencia-e-meio-ambiente - 21/07/2017
Parecer assinado por Temer pode acirrar violência contra indígenas
O presidente assinou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que, na prática, paralisa processos de demarcação de terras indígenas no país

BRUNO CALIXTO
21/07/2017 - 08h01 - Atualizado 21/07/2017 11h45

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou na noite de quarta-feira (19) que o presidente Michel Temer assinou um parecer mudando a forma como a administração pública lida com a questão das demarcações de terras indígenas em todo o país. A medida tem o potencial de paralisar processos de demarcação e acirrar conflitos e disputas entre índios e não índios.
O parecer assinado por Temer determina que todos os órgãos da administração pública que lidam com a questão indígena devem passar a seguir o entendimento do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu a demarcação de Raposa Serra do Sol, em Roraima. Nesse julgamento, os ministros criaram 19 condicionantes para permitir a demarcação da área, como por exemplo vetar atividade de garimpo ou permitir o acesso das Forças Armadas ao local. O ponto mais polêmico, entretanto, não é sequer uma das 19 condições. É o conceito de marco temporal. Em seu parecer, a AGU assimilou a tese de que só poderão ser demarcadas terras indígenas em que os índios estavam presentes na data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Para Juliana Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), uma ONG que atua em defesa do direito dos povos indígenas, a decisão terá pelo menos dois efeitos concretos: o aumento da violência no campo e a paralisação dos processos de demarcação.
"A decisão passa uma mensagem para quem ocupa ilicitamente terras indígenas: a de que é possível mitigar os direitos fundamentais de um povo. Isso deve acirrar os conflitos no campo", diz. Segundo um relatório publicado recentemente pela organização internacional Global Witness, o Brasil é o país mais perigoso para ativistas ambientais e da terra. Em 2016, 49 lideranças foram assassinadas - um terço dessas lideranças eram índios.
O segundo efeito é paralisar processos de demarcação de terras que até hoje se arrastam no governo ou na Justiça. Um exemplo de caso que pode ser prejudicado é o dos índios guaranis que vivem na Terra Índigena Morro do Cavalo, em Santa Catarina. O governo do estado entrou no STF pedindo a extinção da demarcação, alegando que eles não ocupavam a terra em 1988. Segundo Juliana, essa informação não é verdadeira - eles estavam no local. Mas só a alegação já seria o suficiente para rever todo o processo. Os índios caiabis vivem uma situação semelhante, com suas terras sendo questionadas pelo estado do Mato Grosso. Isso sem falar em povos indígenas que foram expulsos de suas terras por fazendeiros ou até mesmo pelas Forças Armadas, durante o regime militar, e que tentam recuperar o território. "Na verdade, a medida acaba sendo mais um subterfúgio para o governo procrastinar a demarcação das terras", diz.
Mais uma demanda da bancada ruralista
O parecer assinado por Temer nesta semana não é novo. O texto foi produzido pela AGU em 2012. Chama a atenção, no entanto, que ele tenha sido assinado pelo presidente justamente nesta semana. O que acontece é que, buscando angariar apoio na Câmara para enfrentar uma denúncia que pode afastá-lo da Presidência, Temer tenta agradar a poderosa bancada ruralista da Câmara.
A paralisação dos processos de demarcação é uma demanda antiga da bancada. Em 2012, por exemplo, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) pediu ao Supremo para vincular a decisão de Raposa Serra do Sol a todas as terras indígenas, o que teria um efeito similar ao do parecer da AGU. O STF negou.
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o parecer assinado nesta quarta-feira foi discutido por parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), pela Casa Civil e pela AGU. O deputado Luis Carlos Heize (PP-RS), um dos nomes mais atuantes da bancada ruralista, chegou a prometer a aprovação da medida dias antes de a AGU fazer o anúncio oficial.
Além da questão das terras indígenas, o governo prometeu aos ruralistas a redução em 350.000 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, uma importante unidade de conservação no Pará.

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