DPU divulga nota sobre julgamentos no STF que atingem povos tradicionais

Defensoria Pública da União dpu.def.br - 14/08/2017
O Grupo de Trabalho Comunidades Tradicionais e o Grupo de Trabalho de Atendimento a Comunidades Indígenas da Defensoria Pública da União vêm manifestar-se formal e publicamente sobre o julgamento, pautado para o dia 16 de agosto de 2017, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de ações judiciais que atingem diretamente a efetivação de direitos e garantias fundamentais dos povos e comunidades tradicionais.

Acompanha-se com preocupação os possíveis desdobramentos das Ações Civis Originárias (ACOs) de n.o 362, 366 e 469 em um momento em que a Casa Civil da Presidência da República, por meio do parecer 001/2017, pretende tornar vinculante, como se lei fosse, a inconstitucional e controvertida tese conhecida como "marco temporal".

Tal teoria, que ganhou notoriedade em 2009 com o julgamento pelo Supremo do "Caso Raposa Serra do Sol", retira direitos territoriais originários assegurados pelo artigo 231 da Constituição (e já reconhecidos constitucionalmente desde 1934) e por inúmeros tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil por meio de uma lista de "condicionantes" sem previsão em qualquer texto legal.

O que é mais alarmante, tal teoria jurídica estabelece o dia 5 de outubro de 1998 como rígido termo inicial para reconhecimento de direitos originários de populações que ocupavam o território brasileiro antes da sua colonização por europeus. O reconhecimento de tal tese importaria em negativa histórica dos processos quase sempre violentos e clandestinos, mas com ampla participação de agentes do Estado, que resultaram na espoliação desses povos de seus territórios, em benefício de interesses privados de poucos indivíduos e famílias. Conforme reconhecido pelo Poder Executivo no Relatório da Comissão Nacional da Verdade, tal processo de espoliação foi especialmente intenso e violento durante o regime autoritário que vigorou no período imediatamente anterior a 1988.

Tal instrumental jurídico promove verdadeiro esvaziamento dos marcos legais que garantem a titulação de territórios indígenas ao impor a essa população - historicamente fragilizada - o difícil ônus de comprovar a origem do seu direito de ocupação sobre os territórios, atentando-se inclusive contra o cumprimento das disposições da Convenção 169 da OIT, que possuiu natureza supralegal, e por tratar-se de tratado de direito internacional precisa ser implementada sem restrições.

Também traz grande preocupação o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) n.o 3.239/2007, que se propõe a declarar inconstitucional o Decreto no 4.887/03 (regulamenta o processo de demarcação das terras das comunidades quilombolas). O decreto posto em julgamento veio para regulamentar o art. 68 do ADCT/CF, que garante - com mais de um século de atraso - o direito de propriedade para as comunidades quilombolas.

A alegação de inconstitucionalidade formal não pode persistir diante da omissão legislativa em regulamentar a disposição constitucional por um período de quase 30 anos. Deve-se sempre lembrar que tal disposição constitucional foi editada visando a reparar séculos de violência e exploração do trabalho dessas populações por meio de regime jurídico de escravidão cuja abolição (em 1888) não foi acompanhada de políticas públicas devidamente compensatórias.

Além de implicar em inconstitucional retrocesso normativo em matéria de direitos humanos, a retirada de direitos de povos e comunidades tradicionais seria mais um fator a alimentar o grave quadro de violência no campo, que os anos de 2016 e 2017 registra lamentável escalada de conflitos e mortes envolvendo a posse de terras em áreas rurais.

Assim, o Grupo de Trabalho Comunidades Tradicionais e o Grupo de Trabalho de Atendimento a Comunidades Indígenas da Defensoria Pública da União afirmam a necessidade de fortalecimento - não de retirada - dos institutos jurídicos que protegem os meios de sobrevivência material e cultural aos cidadãos brasileiros integrantes de povos e comunidades tradicionais.




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Índios:Direitos Indígenas

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