Do Xingu para o supermercado

Quatro cinco um, out., 2017, p. 12 - 31/10/2017
Do Xingu para o supermercado
Ao transformar produtos indígenas em mercadorias, Instituto Socioambiental tenta ampliar as possibilidades de preservação das comunidades tradicionais


Carlos Alberto Dória

André Villas-Boas e outros (org.). Xingu: histórias dos produtos da floresta.
Instituto Socioambiental - 272 pp - R$ 50

"Negócio de índio" é o nome genérico que se pode dar a uma série de incursões de grupos indígenas no mercado capitalista, ofertando, como commodities, os frutos do seu trabalho. Isto é o que nos expõe a coletânea do Instituto Socioambiental, ONG promotora da nova atitude de grupos indígenas frente ao mercado. Mas há a questão que não pode calar, ajudando-nos a separar a utopia de uma possível nova realidade: é factível que modos de produção tradicionais, anteriores ao capitalismo que converteu mão de obra e terra em "mercadoria", possam sobreviver a ele?
As experiências concretas dos índios foram se organizar para produzir mel de abelhas sem ferrão e óleo e castanha de pequi. O livro inclui as experiências dos descendentes dos antigos exploradores da borracha, que manejam a castanha-do-pará.
São vários produtos que se encontram em supermercados ou lojas especializadas nos grandes centros, juntando-se a outros produtos do Instituto em outras regiões (pimenta jiquitaia, cogumelos indígenas). Mas o interessante no livro - além da história dos produtos em si - é a ação organizativa do instituto, que consegue projetar uma metodologia de conversão de valores de uso para os índios e ribeirinhos em mercadorias presentes no coração do comércio capitalista sem destruir a retaguarda da tradição.
Em que pese a própria mudança do mercado, mais permeável a produtos "gourmet" exclusivos, a ONG tem a pretenção de abrir caminho para um novo modo de sustentação de estilos de vida tradicionais, sem que sejam destruídos pelo abraço de tamanduá do capitalismo, em especial das terras indígenas pela derrubada de matas, pecuária e plantação de soja. A própria perenidade do Parque Nacional do Xingu é um desafio desse tipo.
Palavras-chave dessa experiência são "rede" e "cadeias produtivas", denunciando a racionalidade moderna que acolhe esses desafios. E sobre o sentido desse encontro entre tradição e modernidade, o livro não se furta de suscitar debates. Afinal, a teoria econômica nos diz que o capitalismo, em sua expansão, destrói as formas de produção que a antecederam; no entanto, o próprio Marx observou que destrói apenas aquelas formas que constituem barreiras à sua expansão.
O Instituto Socioambiental mobiliza capitalistas que não possuem interesse nas terras dos índios e na floresta para a ampliação dos seus negócios. Muitos analistas mostram-se bastante otimistas sobre esse caminho, mas a dinâmica do capitalismo é crescentemente destruidora nas periferias do sistema - haja vista a ação do Estado como aliado no esbulho das terras indígenas pelos ruralistas.
Há que se considerar, contudo, o caráter de santuário de preservação natural e cultural que reveste o Parque Nacional do Xingu desde sua formação, em 1961, transformando-o em vitrine mundial de uma política indigenista que se quer humanitária. Nesse sentido, todos os esforços para controlar os efeitos disruptivos do capitalismo são mais do que meritórios e podem prolongar a existência de formas de viver que serão o verdadeiro conteúdo da vida democrática quando os brasileiros conseguirem, um dia, consertar os rumos do país.

Quatro cinco um, out., 2017, p. 12

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