Índios da etnia Kanela do Araguaia, que vivem na Aldeia Nova Pukanu, na Gleba São Pedro, em Luciara, a 1.180 km de Cuiabá, denunciaram dois fazendeiros que estariam cometendo crimes ambientais, ameaças e portando ilegalmente arma de fogo na região. Os indígenas apreenderam as ferramentas e maquinários usados pelos fazendeiros, registraram um boletim de ocorrência na Polícia Civil e informaram a situação ao Ministério Público Federal (MPF).
No último dia 21, um dos fazendeiros citados pelos índios também registrou um boletim de ocorrência na Polícia Militar para denunciar a suposta invasão dos indígenas na propriedade dele, na Gleba São Pedro. Ele afirmou que um grupo de aproximadamente 20 índios invadiram a fazenda e manteve dois funcionários como reféns para roubar trator, lascas de madeira e uma espingarda de pressão.
O primeiro boletim de ocorrência registrado pelos índios ocorreu no dia 5 de setembro deste ano, quando eles denunciaram que havia um grupo de pessoas extraindo madeira ilegalmente e derrubando árvores dentro da Área de Preservação Permanente (APP), que é alvo de ação judicial por parte dos índios. De acordo com os indígenas, em 2016 o grupo já havia agido da mesma forma, inclusive provocando um incêndio na gleba.
Em depoimento prestado à polícia na última quarta-feira (25), o comerciante Deovaldo Lima da SIlva, de 50 anos, que pertence à comunidade, relatou que os índios Kanela do Araguaia decidiram construir sua aldeia na gleba após ser realizado um levantamento junto a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério Público, em 2009, de áreas que pertencem à União e que seriam improdutivas na região de Luciara.
Conforme o comerciante, cerca de um mês após a área ser medida e desbloqueada em nome da aldeia Nova Pukanu, os dois vizinhos passaram a extrair madeiras, cercar a área e construir casas. Em agosto de 2016, a PGR esteve no local e flagrou um dos fazendeiros desmatando a região, ocasião em que foram apreendidos um galão de gasolina e uma motosserra.
Na ocasião foi realizada uma reunião entre as partes, quando teria sido determinado pelo procurador para que não fossem feitas alterações naquea área até que o processo fosse concluído na Justiça, inclusive pedindo aos fazendeiros para que atuassem na área de origem, onde viviam antes de ampliarem. Aos indígenas, teria sido determinado que a extração de madeira poderia ser feita apenas para a construção de casas na aldeia e no básico para viver.
Os índios alegam que os fazendeiros não respeitaram os termos do acordo "e continuaram a disparadamente a fazer derrubada, construção de cercas, comercialização de madeiras em quase toda área, fazendo loteamento e vendendo para terceiros".
Segundo Deovaldo, diante da falta de acordo com os fazendeiros e da notícia de que eles estariam afirmando que os indígenas haviam "sumido" com um funcionário de uma das fazendas, os índos Kanela decidiram agir por conta própria no dia 21 de outubro.
"Alguns membros da comunidade foram até o local de onde estava sendo retirada a madeira e encontraram três pessoas, inclusive um armado com uma espingarda. Teria também uma motosserra. [Os índios] pediram para entregar todo o material. [...] Que entregaram todos os materiais e várias estacas de madeira e os três funcionários ficaram na casa [da fazenda]", diz trecho do depoimento.
Os índios levaram, ainda, um trator e um reboque que pertencem ao fazendeiro. No dia seguinte, a Polícia Militar compareceu à aldeia na companhia do fazendeiro, quando o cacique Antônio Kanela mostrou onde os equipamentos estavam guardados, mas se recusou a entregá-los. A PM, por fim, se retirou da aldeia, por não ser área de competência deles, segundo o depoimento.
Despacho do MPF
Os indígenas enviaram um ofício ao MPF solicitando a presença do procurador da República de Barra do Garças, Rafael Guimarães Nogueira e relatando a situação, inclusive inventariando todos os bens do fazendeiro que foram apreendidos por eles.
O procurador, por sua vez, encaminhou a denúncia feita pelos índios ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para que sejam adotadas providências para a interrupção de crimes ambientais na gleba - diante da falta de autorização para desmatar a área - e com a observação de que os materiais usados pelo fazendeiro se encontram apreendidos na aldeia indígena.
Em despacho assinado no último dia 24, o procurador afirma que os índios ocupam uma área da Gleba São Pedro sobre a qual não há destinação para qualquer pessoa, ou seja, pertence à União, e cobra a atuação da polícia e os órgãos ambientais para impedir que crimes ambienais sejam cometidos no local.
"Neste momento, o Ministério Público Federal atuará para manter a situação atual de posse para que se aguarde a resolução pela União e/ou pela Justiça da destinação do imóvel, evitando conflitos no local e qualquer ilícito na seara ambiental e comum", afirmou o procurador.
Segundo o MPF, a apreensão feita pelos índios tem amparo legal, uma vez que qualquer pessoa, ao presenciar um crime, pode prender quem for encontrado em flagrante delito e apreender os instrumentos e produtos daquele crime. Ele ressalta, porém, que é necessária cautela para não extrapolar os limites legais e evitar riscos, diante da animosidade entre os envolvidos.
O procurador afirma, ainda, que a PM entrou em contato com o órgão e relatou que há muitas famílias se instalando no local e que há receio de confrontos no local, razão pela qual requisitou aos indígenas para que entreguem à Polícia Militar todos os materiais apreendidos para que eles sejam encaminhados à Polícia Federal.
"Devem todos os ocupantes do imóvel permanecerem pacificamente no aguardo de decisão administrativa ou judicial que ponha fim à contenda possessória e de destinação da propriedade", diz trecho do despacho.
No documento, o procurador ainda requisita à PF para que instaure um inquérito a fim de apurar os fatos denunciados.
https://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/indios-apreendem-maquinarios-e-denunciam-crime-ambiental-em-area-da-uniao-em-mt.ghtml
PIB:Leste do Mato Grosso
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